Contribuições teóricas e recursos práticos para a coordenação pedagógica

Um artigo de apoio ao coordenador pedagógico, figura fundamental na articulação de saberes e fazeres na escola

“Ao reconhecer e valorizar a diversidade, podemos construir uma educação mais justa e que ofereça oportunidades a todos os estudantes” | imagem: Fabrice Florin

A coordenação pedagógica exerce um importante papel na construção de um ambiente educacional com riqueza e diversidade e na promoção do vínculo entre professores, equipe, estudantes e suas famílias. Em meio aos desafios enfrentados em muitas das comunidades nas quais as escolas estão situadas, o trabalho da coordenação desempenha um papel determinante para garantir a qualidade dos contextos de ensino-aprendizagem e o desenvolvimento integral dos bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos. Aqui, trataremos de possibilidades de atuação no cotidiano dos coordenadores pedagógicos que podem enriquecer e qualificar o trabalho.

Partimos da premissa da função social da escola, que desempenha um papel fundamental na formação integral dos bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos. A escola promove o desenvolvimento intelectual, emocional, social e ético de nossos estudantes, compondo espaços onde prezamos pela aprendizagem, pela empatia, pela equidade, socialização, compartilhamento de experiências, construção de boas relações interpessoais.

Escrevo este texto com base em minha experiência como profissional da educação, com 13 anos de atuação na rede municipal de São Paulo. Minha trajetória envolveu diferentes papéis, incluindo professora de português para ouvintes e surdos, professora de Atendimento Educacional Especializado (AEE), professora de apoio e acompanhamento à inclusão no Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (Cefai) da Diretoria Regional de Educação de Itaquera e coordenadora pedagógica em quatro unidades educacionais diferentes, sendo uma delas uma Escola Municipal de Educação Bilíngue para Surdos (Emebs). Essa experiência permitiu uma compreensão abrangente sobre a relação entre a coordenação pedagógica e os professores em diversos contextos e situações na área da educação.

Como coordenadora pedagógica em quatro escolas diferentes da rede municipal de São Paulo, pude vivenciar uma variedade de desafios e oportunidades únicas. Neste texto, compartilho essa minha experiência, seja na escola municipal de educação bilíngue para surdos (Emebs) e nas três escolas de ensino fundamental, cada uma situada em uma região diferente da cidade. Ao enfrentar a pandemia de covid-19 e lidar com diversidade social, econômica e cultural abrangente entre estudantes, professores e funcionários, busquei estabelecer estratégias e atividades contextualizadas para promover um ambiente educacional enriquecedor em cada uma das escolas.

Na Emebs, deparei-me com a necessidade de fornecer suporte pedagógico e cultural adequado aos estudantes surdos. Trabalhando em estreita colaboração com os docentes, desenvolvemos estratégias que valorizavam a Língua Brasileira de Sinais como primeira língua do sujeito surdo, além do desenvolvimento da leitura e escrita em Língua Portuguesa. Essa abordagem envolveu a criação de materiais didáticos, a implementação de aulas de língua de sinais para a comunidade escolar e a promoção de eventos que celebravam a cultura surda.

Na escola localizada na região central de São Paulo, encontrei uma realidade marcada pela diversidade étnica e social. Para lidar com esses desafios, investi na formação dos professores em práticas pedagógicas antirracistas e inclusivas, além de buscar parcerias com instituições locais para enriquecer o currículo. Organizamos atividades extracurriculares que exploravam as riquezas culturais do entorno, como visitas a museus, exposições e palestras com especialistas nas áreas abordadas em sala de aula.

Já nas escolas situadas em comunidades das periferias de São Paulo, encontrei desafios relacionados às diferentes situações de vulnerabilidade social. Consciente dessas dificuldades, concentrei meus esforços em estabelecer parcerias com os professores no tocante ao acolhimento desses estudantes e suas famílias. Realizamos atividades socioeducativas que estimulavam o protagonismo dos estudantes na transformação de sua realidade.

Ao longo de minha atuação, a pandemia de covid-19 representou um desafio adicional. Em resposta, buscamos implementar, em parceria com todos os profissionais da unidade escolar, estratégias pedagógicas adaptadas ao ensino remoto, promovendo formações para os professores sobre o uso de tecnologias educacionais e a criação de materiais didáticos online. Também nos empenhamos em oferecer suporte emocional aos alunos e suas famílias, estabelecendo canais de comunicação eficientes e criando espaços virtuais de interação e apoio mútuo.

Minha experiência como coordenadora pedagógica em diferentes escolas da rede municipal de São Paulo foi marcada por desafios, mas também por aprendizados significativos. Ao observar e respeitar o contexto e a realidade de cada escola, assim como a cultura organizacional e as experiências dos profissionais envolvidos, busquei estabelecer formações e atividades pertinentes a cada realidade. Essa abordagem permitiu criar ambientes de aprendizagem significativo, em que os estudantes puderam desenvolver seu potencial, apesar das adversidades. Acredito firmemente que, ao reconhecer e valorizar a diversidade, podemos construir uma educação mais justa e que ofereça oportunidades a todos os estudantes.

Um pouco de conversa com nossos educadores

Nosso patrono da educação, Paulo Freire destacou a importância de um trabalho colaborativo. Segundo Freire, em Pedagogia da Autonomia (1996), “não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”.

Veja também:
>> “Paulo Freire diria a seus haters: vocês têm razão“, por Duanne Ribeiro
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Ao pensarmos sobre o fazer da coordenação pedagógica, sobretudo no contexto da formação contínua de professores, recorro a Dermeval Saviani, o qual ressalta, em Escola e Democracia (2005), que a escola desempenha um papel fundamental ao possibilitar o acesso aos conhecimentos previamente produzidos e sistematizados. No entanto, ele aponta um problema nessa transmissão: sua natureza mecânica, desvinculada das razões que a fundamentam, e a falta de critérios para os professores discernirem quais conhecimentos devem ser transmitidos e quais não necessariamente. Essa lacuna resulta na sobrecarga curricular com conteúdos irrelevantes ou cuja relevância não é compreendida pelos professores, o que compromete sua capacidade de motivar os alunos em seu processo de aprendizagem.

Segundo Saviani, essa situação torna as disciplinas curriculares desinteressantes para os estudantes, que passam a encarar o ensino como algo enfadonho, uma obrigação destituída de sentido da qual buscam se libertar o mais rápido possível. O autor defende que é exatamente quando os professores conseguem lidar criticamente com os conhecimentos disponíveis, discernindo o que é pedagogicamente relevante do que não é, que eles adquirem as condições necessárias para produzir seus próprios conhecimentos e, dessa forma, o ato de ensinar deixa de ser meramente uma transmissão para incorporar também uma contribuição original por parte dos docentes.

Terezinha Rios, em Compreender e Ensinar: por uma docência de melhor qualidade (2002), ressalta a importância da coordenação pedagógica como mediadora no processo de formação dos professores. Segundo ela, “o coordenador pedagógico deve ser aquele que, embora tenha responsabilidades e atribuições próprias, seja um dos sujeitos do processo de construção do trabalho pedagógico, atuando na formação de um projeto político-pedagógico coletivo”.

Em Não Espere Pelo Epitáfio (2014), Mario Sérgio Cortella, informa a importância da relação de confiança entre coordenação pedagógica e professores, destacando que essa parceria é fundamental para enfrentar os desafios encontrados nas escolas de comunidades carentes. Segundo Cortella, “a educação não muda o mundo, ela muda as pessoas. Pessoas mudam o mundo”.

Essas perspectivas, assim como as minhas vivências como professora e como coordenadora pedagógica em escolas de São Paulo, evidenciam os inúmeros desafios enfrentados por nossos educandos e suas famílias: a falta de recursos, contextos diversos de violência e desigualdade social são apenas algumas das questões que impactam o processo educacional. No decorrer dos anos, pude compreender, na prática, a importância de uma coordenação pedagógica sensível e comprometida com essa realidade, sendo capaz de articular – em conjunto e em colaboração com os demais membros da equipe gestora, professores e equipe de apoio – estratégias e recursos para trabalho em contexto de desafios socioeconômicos. Assim, a nossa atuação vai além da gestão e orientação curricular, desempenhando um papel fundamental na construção de uma educação de qualidade, com equidade, a fim de promover o pleno desenvolvimento dos estudantes e suas famílias.

Ações para aprimorar a atuação do coordenador

O coordenador pedagógico deve estabelecer uma relação de proximidade e apoio com os professores. Por meio de um trabalho colaborativo, a coordenação auxilia os docentes na adaptação de práticas pedagógicas, buscando superar as barreiras impostas pelos desafios socioeconômicos em muitas de nossas escolas públicas. Além disso, a coordenação pedagógica tem o importante papel de promover a formação continuada dos professores, oferecendo suporte e orientação para o desenvolvimento de estratégias que atendam às necessidades específicas dos estudantes e suas famílias. Dessa forma, procuramos gerar um ambiente propício para o desenvolvimento integral de professores e educandos, considerando suas particularidades e respeitando sua diversidade.

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Além disso, a coordenação pedagógica pode mobilizar recursos para suprir as necessidades das escolas. Por exemplo, ao estabelecer parcerias com a rede de apoio e proteção, com instituições e organizações locais, é possível viabilizar ações como palestras, oficinas e acesso a atividades extracurriculares. Essas iniciativas ampliam as possibilidades de aprendizagem dos alunos e fortalecem a relação escola-comunidade.

Também vale citar que, os grupos de estudo e formação continuada docente orientados pela coordenação pedagógica – ao menos no no contexto das escolas de São Paulo – interferem positivamente no aprimoramento da prática docente e na superação dos desafios socioeconômicos.

Vejamos alguns exemplos práticos dessas iniciativas que o coordenador pode realizar em suas escolas:

Grupos de estudo temáticos: organização de grupos de estudo focados em temas relevantes para a realidade socioeconômica dos estudantes, como inclusão, educação para a cidadania, diversidade cultural, entre outros. Professores e coordenadores podem se reunir periodicamente para discutir e aprofundar o conhecimento sobre esses assuntos, compartilhando experiências e buscando soluções conjuntas para os desafios encontrados em sala de aula.

(Os  materiais desenvolvidos em parceria entre a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e o Instituto Vladimir Herzog, denominados “Respeitar é Preciso”, trata dessas e de outras questões essenciais no contexto dos cotidianos escolares, trazendo reflexões críticas e exemplos práticos para que a equipe atue com estes temas junto aos estudantes.)

Compartilhamento de boas práticas: incentivo à criação de espaços nos quais os professores possam compartilhar suas experiências bem-sucedidas. Por meio de relatos de boas práticas pedagógicas, os docentes têm a oportunidade de se inspirar mutuamente e adaptar estratégias à realidade de seus estudantes. Essa troca de conhecimentos fortalece a equipe e estimula a reflexão sobre o fazer docente.

Observação de aulas pelo coordenador e entre professores: promoção de  práticas de observação de aulas entre os professores. Nesse caso, um professor visita a sala de aula de outro colega para acompanhar sua prática pedagógica. Posteriormente, ocorre uma reflexão conjunta, na qual são discutidos os pontos positivos e os desafios enfrentados, levando em consideração a realidade socioeconômica dos estudantes. Essa prática promove a troca de experiências e a construção coletiva do conhecimento.

Rodas de conversa e debates: organização de diálogo e debates, nos quais professores e coordenadores podem discutir questões relacionadas às realidades dos estudantes. Por exemplo, temas como cultura e artes podem ser abordados, buscando-se compreender como essas questões afetam o processo educacional. Essas rodas de conversa estimulam a reflexão crítica e o desenvolvimento de estratégias pedagógicas mais adequadas às necessidades dos alunos.

Parcerias externas: estabelecimento de parcerias com instituições locais, como universidades e outras escolas. Essas parcerias podem viabilizar trocas enriquecedoras entre os contextos das diferentes escolas, bem como ações de formação continuada, como palestras, workshops e cursos que abordem temas relevantes para a realidade socioeconômica dos estudantes. Essas oportunidades de aprendizagem ampliam o repertório dos professores e contribuem para uma prática docente mais efetiva. Por exemplo, uma associação pode oferecer atividades extracurriculares, como aulas de música, teatro ou esportes. Essas parcerias são fundamentais para ampliar as oportunidades de aprendizagem dos alunos.

Eventos e Campanhas: organização de eventos e campanhas. Pode-se promover uma feira cultural ou uma festa, com a participação de alunos, professores e membros da comunidade. Essas iniciativas envolvem a comunidade de forma ativa e fortalecem os laços entre a escola e o entorno.

Redes de Solidariedade: estímulo à formação de redes de solidariedade, conectando a escola a instituições e indivíduos dispostos a contribuir. Por exemplo, é possível buscar parcerias com líderes comunitários. Essas redes podem ajudar a identificar necessidades específicas da escola e mobilizar conhecimentos para compreendê-las e supri-las.

Construção de pontes com as redes de apoio

Além das parcerias com instituições locais, é essencial que a coordenação pedagógica estabeleça colaborações significativas com a rede de apoio e proteção pública. Essa rede, composta por unidades básicas de saúde (UBS), Centros de Atenção Psicossocial (Caps), Centros de Referência de Assistência Social (Cras), Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) e Conselhos Tutelares, desempenha um papel crucial na promoção do bem-estar e no apoio às famílias e estudantes.

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Ao estabelecer parcerias com essas instituições, a coordenação pedagógica amplia o suporte oferecido aos estudantes e suas famílias, atendendo não apenas às necessidades educacionais, mas também às questões de saúde, assistência social e proteção. Vejamos alguns exemplos práticos de como essa colaboração pode ocorrer:

Intercâmbio de informações: estabelecimento de canais de comunicação eficientes com as unidades de saúde, Caps, Cras, Creas e Conselhos Tutelares. Assim, é possível compartilhar informações sobre o contexto dos alunos, como problemas de saúde, questões psicossociais, situações de vulnerabilidade ou qualquer outra demanda que afete o desempenho escolar. Essa troca contribui para uma compreensão mais ampla dos estudantes e permite um suporte mais abrangente e personalizado.

Encaminhamento e acompanhamento: papel de mediação no encaminhamento dos alunos e suas famílias para os serviços adequados dentro da rede de apoio e proteção. Por exemplo, ao identificar um estudante que necessita de atendimento psicológico, a coordenação pode auxiliar no agendamento de consultas no Caps. Da mesma forma, em casos de situações de vulnerabilidade, a coordenação pode acionar o Cras ou o Creas para fornecer o suporte necessário. Além disso, a coordenação pedagógica pode acompanhar de perto o andamento desses encaminhamentos, garantindo a continuidade do suporte e a articulação entre os diferentes serviços.

Realização de parcerias para capacitação: parcerias com as instituições da rede de apoio e proteção para oferecer capacitações aos professores e demais profissionais da escola. Por exemplo, profissionais da saúde podem ministrar formações sobre primeiros socorros, saúde mental, prevenção de doenças, entre outros temas relevantes para a realidade dos estudantes. Essa capacitação amplia o repertório dos educadores, permitindo que eles identifiquem melhor as necessidades dos alunos e adotem práticas pedagógicas mais adequadas.

Atuação conjunta em casos específicos: em situações mais complexas, como casos de abuso ou negligência, a coordenação pedagógica pode atuar em conjunto com o Conselho Tutelar, o Creas e outras instituições da rede de proteção. A coordenação pode fornecer informações relevantes, acompanhar o desdobramento do caso, contribuir com o plano de atendimento e garantir a proteção e o bem-estar do estudante. Essa atuação conjunta fortalece a proteção dos estudantes e promove uma abordagem integrada das demandas apresentadas.

Com esse texto, procurei trazer alguns exemplos práticos e possibilidades de atuação e articulação da coordenação pedagógica na promoção de saberes e práticas educacionais significativas no cotidiano escolar. Por meio do apoio e orientação, é possível contribuir para o aprimoramento e desenvolvimento profissional dos educadores e a criação de um ambiente de aprendizagem enriquecedor. Ao valorizar a reflexão, a formação continuada e a colaboração entre os docentes, a coordenação pedagógica estimula a troca de experiências e a busca conjunta por soluções, favorecendo a qualidade dos processos de ensino-aprendizagem, com o foco em uma educação de excelência, baseada na construção do conhecimento, na promoção da autonomia e na formação integral dos nossos estudantes.

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