Na aula de matemática, a menina inventou um jogo
Esta crônica foi selecionada pela Úrsula a partir da dissertação de mestrado “Narrar a experiência da escola: um ensaio poético filosófico à luz da teoria da experiência e da narração de Walter Benjamin”. Veja a seleção.
2ª série. Uma menina representa a segunda geração de sua família naquela escola pública estadual que leva o nome de um general. E.E.P.S.G. Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau… Copiava o cabeçalho da lousa a menina.
Aula de matemática. Arme e efetue. Ao fundo da primeira fileira, da fileira que fica de frente para a mesa da professora, a menina gostava de sussurrar a palavra “efetue” enquanto copiava caprichosamente no caderno. Gostava de reparar no som da palavra, percebia enquanto sussurrava que gostava de dizer aquela palavra.
Continhas. Fácil. Vai até a letra j. Então são dez contas. Ela já tinha decorado que o j era a décima letra do alfabeto. Procura a caneta roxa no estojo. A professora, Francisca, estava linda naquela tarde, com os cabelos encaracolados presos pela metade por uma pequena presilha, e seu vestido de tecido lese amarelo. A professora Francisca estava grávida de sete meses.
A turma estava silenciosa naquela aula. Talvez porque matemática parecia difícil. Ou então era porque estavam todos cansados, depois da Educação Física. Mas certamente o que o silêncio não era: fruto do medo da professora; pois a professora Francisca era muito boazinha.
A menina decidiu consigo mesma um jogo para aquela atividade das continhas, já que a sala estava enfileirada e os amigos silenciosos. Decidiu que iria anotar primeiro apenas as letras, de a até j, saltando as linhas no caderno, calculando, antes das contas, e com precisão, quantas linhas cada uma iria exigir ao armar e efetuar. Aquilo parecia divertido, olhar as contas deitadas na lousa e imaginá-las armadas nas linhas do caderno, anotando de caneta roxa apenas as letras de cada conta, apenas as letras de a até j, para depois voltar resolvendo e anotando então aqueles cálculos primeiro imaginados.
Acontece que quando chegou na letra j a menina já estava tão contente e satisfeita com seu jogo de contar e saltar linhas, e de imaginar contas e números – e ela sempre sorria se lembrando do irmão em casa fazendo piada com contas no ar, dizendo “ops, caiu o zero, espera um pouco” – que a menina suspirou e fechou o caderno, repousando sobre os braços cruzados na carteira, gostava da textura daquela toalha plástica vermelha quadriculada.
A professora Francisca agora caminhava devagar pela sala, quando parou ao lado da menina que repousava como que meditando naqueles minutos finais da última aula.
– Já terminou as continhas? – Perguntou sorrindo a professora.
E a menina confiante abre seu caderno folheando e procurando as contas que, jurava, estavam escritas ali. Mas professora e aluna só enxergaram as letras devidamente espaçadas entre as linhas do pequeno caderno de brochura, sem nenhuma conta não.
A menina sorriu espantada, a professora sorriu gostoso, fazendo um cafuné na franja da menina, que rapidamente pegou o lápis, apontou, e apertando a língua entre os lábios finalmente anotou as contas nos espaços precisos, ali, naqueles minutos finais da aula.
Pronto.
Agora já descíamos as escadas para o refeitório, era hora do chá com bolacha antes da saída.