Da sujeição criminal ao ladrão nobre: o estereótipo marginal do “Vida loka” em Racionais MC’s

O jornalista Guilherme Serrano debruça-se sobre a obra dos Racionais MC’s

Em 2002, os Racionais MC’s lançaram Nada como um dia após o outro dia, quinto álbum de estúdio do grupo paulistano de rap. Entre as 21 faixas do disco duplo, estão “Vida loka, pt. 1” e “Vida loka, pt. 2”, dois dos grandes sucessos da carreira de Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay. O conceito “Vida loka” apresentado nessas faixas mais tarde apareceria também em outras músicas, seria adotado como estilo de vida por alguns e viraria gíria na boca de muitos. A ideia, no entanto, não é totalmente nova. O “Vida loka” sintetiza um estereótipo de marginalidade que há muito já aparecia no cancioneiro nacional. Não se trata exatamente do arquétipo do “malandro” astuto, cantando em muitos sambas de Bezerra da Silva e homenageado por Chico Buarque, por exemplo. Aproxima-se muito mais do mito inglês de Robin Hood, ou do personagem “Charles, anjo 45”, da canção de Jorge Ben de 1969 que clama pela volta de um fora da lei que acabara preso, deixando desordem e saudades no morro onde vivia. O “Vida loka”, portanto, seria um marginal; um indivíduo que está à margem da sociedade; quiçá um bandido.

Veja também:
>> O álbum Sobrevivendo no Inferno, por Jé Oliveira e Marcelo Ariel
>> “O inimigo mora ao lado“, entrevista com Christian Godoi, por Duanne Ribeiro

O sociólogo britânico Eric Hobsbawm, em seu livro Bandidos, analisa a história do banditismo social e estabelece nove características que definem o “Ladrão nobre”, um fora da lei que se assemelha a Robin Hood ou a São Dimas, um dos ladrões crucificados ao lado de Jesus Cristo de acordo com a Igreja Católica. Diante disso, surge a questão: o estereótipo marginal representado na figura do “Vida loka” é o mesmo analisado por Eric Hobsbawm? De que forma ele se manifesta nas letras dessas músicas?

Entende-se que a resposta gira em torno da concepção do rap como uma manifestação artística marginal por definição, das diferentes visões que rappers e autoridades têm dessa marginalidade, bem como da maneira que os artistas encontram para confrontar uma lógica calcada por preconceitos. Este artigo tenta desenvolver essa hipótese, estabelecendo “Vida loka, pt. 1” e “Vida loka, pt. 2” como marcos na tradução de um estereótipo marginal teórico para a realidade sociocultural brasileira.

Mas o rap pode ser analisado como canção?

Em entrevista ao repórter Fernando de Barros e Silva publicada pela Folha de S.Paulo em 26 de dezembro de 2004, Chico Buarque afirma que o rap poderia ser entendido como uma negação da canção tal como era conhecida até aquele momento, levantando assim um debate acerca de um suposto fim da canção.

Quando você vê um fenômeno como o rap, isso é de certa forma uma negação da canção tal como a conhecemos. Talvez seja o sinal mais evidente de que a canção já foi, passou.

De lá para cá, diversos estudiosos da música brasileira já opinaram sobre o tema, com diferentes opiniões sobre a possibilidade de o rap ser enquadrado como canção. O músico e pesquisador José Miguel Wisnik (2004), por exemplo, apontou que o gênero seria o mais marcante fato novo da música brasileira em muito tempo. O crítico musical José Ramos Tinhorão, embora tenha negado a relevância do rap no princípio, foi pelo mesmo caminho de Wisnik ao afirmar, em entrevista à Folha de S.Paulo em 2004, que o gênero “é a grande novidade, porque restaura a música da palavra”. Ainda que, na mesma entrevista, Tinhorão afirme que a canção havia acabado, nem ele nem Wisnik cravam que o rap está ou não fora desse espectro. Já o doutor em música Sergio Molina (2014, p.12) coloca o rap no âmbito da palavra cantada, ao lado de outras expressões como o repente e o maracatu rural.

Independentemente de o rap ser amplamente considerado canção ou não, é fato que ele vem sendo estudado como tal, e é assim que este artigo pretende abordá-lo. O mestre em linguística Marcelo Segreto, por exemplo, analisa o rap a partir da perspectiva teórica da semiótica da canção, abordagem desenvolvida por Luiz Tatit, que se concentra na relação entre melodia e letra. Segreto (2015, p. 133) afirma que de fato há níveis de musicalização muito sutis no gênero, mas destaca que o desprestígio em relação ao seu valor estético passa por uma desvalorização da cultura da população pobre e pela ignorância em relação ao processo criativo desses compositores. A importância do rap como cultura periférica também é abordada por Wisnik (2004), quando o autor se refere ao gênero como um acontecimento forte e significativamente fora do esquadro popular-nacionalista. A partir desses pontos, temos pistas de que, para além de questões musicais, o rap pode ser empurrado para fora do escopo da canção também por signos sociais.

[…] o rap desloca a canção brasileira de um dos seus principais pilares de sentido, fazendo com que esta deixe de atuar enquanto lugar privilegiado de constituição imaginária da nação […] Opera-se um corte profundo em uma das principais linhas de força da canção popular, substituindo sistematicamente – por razões históricas a se compreender – o conceito de “nação” pelo de “periferia”, sob o qual o rap irá sustentar-se imaginariamente (OLIVEIRA, 2015, p. 5).

Antes de estendermos essa discussão, é necessário localizar o gênero sobre o qual estamos falando. O rap está inserido dentro da cultura hip-hop, que por sua vez abrange outras manifestações artísticas, como break e o grafite, também surgidas e desenvolvidas por sujeitos periféricos.

Movimento surgido nos subúrbios de Nova Iorque no final dos anos 60, o Hip Hop foi fortemente incorporado à causa negra, tomando como ícones as figuras de Martin Luther King e Malcom X […] O Hip Hop (do inglês hip, saltar e hop, movimentar os quadris) é composto por quatro elementos: o DJ (disc-jóquei) compondo a parte rítmica do movimento, o MC (mestre de cerimônia), responsável pela voz e pela letra das canções, esses dois elementos compõem a parte musical – o Rap – que é seguida pelo Break, representante da dança e o Grafite, a arte gráfica dos muros (TURRA, 2007, p. 64).

Ou seja, o rap faz parte de uma cultura de rua. É uma música que já nasce marcada social e racialmente e faz dessas marcas sua bandeira (TEPERMAN, 2015, p. 4). Considerando que o gênero surgiu no bairro do Bronx, periferia de Nova Iorque, nos Estados Unidos (SILVA, 2022, p. 9), é possível delimitar que suas origens tiveram total ligação com a vivência periférica de indivíduos à margem da sociedade. A marginalidade, portanto, está presente na cultura hip-hop desde a sua concepção, conforme Rose (1997 apud SCIRÉ, 2019, p. 102).

Expressão cultural da diáspora africana, o hip-hop tem se esforçado para negociar a experiência de marginalização, da oportunidade brutalmente perdida e da opressão nos imperativos culturais da história, da identidade e das comunidades afro-americanas e caribenhas. É da tensão entre as fraturas culturais, produzidas pela “opressão da era pós-industrial, e os compromissos com a expressividade da cultura negra que o hip-hop foi levado a uma discussão crítica” (ROSE, 1997, p. 192 apud SCIRÉ, 2019, p. 102).

O rap está, portanto, relacionado à transgressão, já que surge como um grito daqueles que não têm voz. E essa transgressão não se limita a questões sociais ou culturais: também desafia padrões ou tradições artísticas e musicais. No caso específico do rap dos Racionais MC’s, há características que fogem ao padrão tradicional da canção, como o canto falado, uma vez que não há “formação de melodias com alturas estáveis, diferenciações intervalares ou configurações de escala da música tonal” (SEGRETO, 2015, p. 28), e a duração das músicas, que dificilmente fica entre os tradicionais três minutos e três minutos e meio. A maioria facilmente supera os cinco minutos, podendo chegar a mais de onze, como é o caso de “Tô ouvindo alguém me chamar”, do álbum Sobrevivendo no inferno, de 1997. “Vida loka, pt. 1” e “Vida loka, pt. 2”, objetos de estudo deste artigo, duram, respectivamente, 5min 3s e 5min 50s. Já no que diz respeito à transgressão no sentido marginal, é possível destacar as bases rítmicas, que são apropriadas pelos DJs a partir de músicas previamente gravadas, desconsiderando-se noções de direitos autorais (SCIRÉ, 2019, p. 113), e sobretudo a temática das letras, usualmente protagonizadas por figuras marginais.

A temática da transgressão, em seu sentido de violação da lei, passaria a integrar também as narrativas cantadas, em versos sobre crimes e contravenções, protagonizados por figuras de marginalidade […] O tom agressivo e de enfrentamento dos desabafos, das contestações e dos lamentos contidos nos raps encarnaria em uma personagem específica, por um tempo recorrente nas narrativas cantadas do gênero: o bandido (SCIRÉ, 2019, p. 114).

O tom agressivo das narrativas cantadas e a encarnação do personagem bandido possuem relação com os conceitos de sujeição criminal e dialética da marginalidade, que serão explorados a seguir. A compreensão dessas ideias é o primeiro passo para analisar a manifestação do estereótipo de marginalidade em “Vida loka, pt. 1”, e “Vida loka, pt. 2” e a sua relação com o “Ladrão nobre” tal qual descrito por Eric Hobsbawm.

Racionais MC's | imagem: Wikimedia Commons
Racionais MC’s | imagem: Wikimedia Commons

Sujeição criminal

“Somos os pretos mais perigosos do país e vamos mudar muita coisa por aqui”

– KL Jay

“Capítulo 4, versículo 3”, terceira faixa do álbum Sobrevivendo no inferno, lançado em 1997 pelos Racionais MC’s, começa com a citação de alguns dados, feita por uma figura que se apresenta como “Primo preto”.

60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial
A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras
Nas universidades brasileiras apenas 2% dos alunos são negros
A cada quatro horas um jovem negro morre violentamente em São Paulo Aqui quem fala é Primo Preto: mais um sobrevivente

Apesar de não ser apresentada nenhuma fonte de onde os números foram extraídos, eles estão presentes na música para abordar não só a questão do racismo estrutural, mas principalmente a violência policial contra cidadãos negros e moradores de periferias. Não à toa, nessa e em outras canções do grupo, o policial é descrito como uma espécie de inimigo. A ele são aplicadas alcunhas pejorativas como “gambé” e “verme”, pelo fato de que, sob a ótica dos rappers, essa figura representa uma ameaça de perseguição aos moradores da periferia.

Vermes que só faz peso na Terra
Tira o zóio
Tira o zóio, vê se me erra
Eu durmo pronto pra guerra
E eu não era assim

A guerra à qual esse trecho de “Vida loka, pt. 2” se refere pode ser interpretada como o conflito constante entre as forças policiais e a população negra. Em 2022, por exemplo, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, das 6.145 mortes ocorridas em intervenções policiais, 84,1% foram de pessoas negras. Esses números, por sua vez, podem ser lidos sob a teoria do sociólogo Michel Misse, que cunhou o conceito de “Sujeição criminal”:

A sujeição criminal é o processo social pelo qual identidades são construídas e atribuídas para habitar adequadamente o que é representado como um ‘mundo à parte’, o ‘mundo do crime’. Há sujeição criminal quando há reprodução social de ‘tipos sociais’ representados como criminais ou potencialmente criminais: bandidos (MISSE, 1999. p. 71).

Ou seja, de acordo com a teoria de Misse, existem certos indivíduos que têm mais propensão a serem considerados fora da lei do que outros, independentemente do fato de terem ou não cometido algum crime. “Situação sócio-econômica, cor, nacionalidade ou naturalidade, faixa etária, gênero” (MISSE, 1999, p. 74) são alguns dos critérios que definem esse tipo social, além de “modo de se vestir, maneira de andar, modo de falar” (MISSE, 1999, p. 74) e outras dimensões. O grupo Racionais MC’s é composto por quatro jovens negros, pobres, moradores de periferia, que utilizam gírias ou um dialeto próprio e se vestem com roupas largas, características do movimento hip-hop norte-americano. Dessa forma, constituem e reproduzem um estereótipo propício a se enquadrar na sujeição criminal conforme descrita por Michel Misse.

Os recursos à disposição na maioria dos tipos de suspeitos subordinam sua sujeição criminal à pobreza urbana e aos seus signos sociais. Antes de constituírem estereótipos, demarcam uma seleção social do crime. Não foi a polícia quem os inventou, mas a sociedade. E a sociedade não os tirou do nada, mas de uma combinação de ‘regras da experiência’ , tipos sociais e crimes que provocam maior reação moral, cursos de ação que violam diretamente a distância social nas relações inter-individuais (MISSE, 1999, p. 75).

Logo, a marginalidade atribuída aos Racionais MC’s e aos demais membros da periferia representados em seus versos é fruto da pobreza e do racismo estrutural de uma sociedade que perpetua esse rótulo. Não significa, portanto, que essas pessoas são necessariamente transgressoras da lei.

Mais do que uma estigmatização, ela é uma prática que unifica o crime com seu autor, ainda que ele seja apenas potencial e que efetivamente o crime não tenha se realizado. Dessa forma, a sujeição criminal rompe o curso do processo de incriminação racional-legal, em que primeiro se identifica um crime, para depois nomear a sua autoria e buscar a sua punição (SCIRÉ, 2019, p. 129).

Se Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay já são considerados perigosos por natureza pelas autoridades e pela sociedade, a partir do momento em que eles decidem se unir e cantar essas injustiças, tornam-se automaticamente ainda mais perigosos. Assim, o grupo vai se valer dessa ideia de banditismo nas suas letras para, por meio das canções, tentar vencer essa guerra de narrativas. A incorporação da figura do bandido é realizada como uma espécie de enfrentamento.

A imagem do bandido é oportuna para realizar a crítica à estrutura social vigente, por meio da postura de enfrentamento. Ela também parece concentrar uma das discussões principais da obra do Racionais: o valor da vida humana, em especial daquelas existências que em nossa sociedade são enxergadas com menos importância, como a dos pobres, a dos negros, a dos marginais (SCIRÉ, 2019, p. 14).

Meu delito: um rap que atira consciência É crime hediondo a favela de influência (Racionais MC’s – “Na fé irmão”, 2002)

Dialética da marginalidade

Violentamente pacífico, verídico
Vim pra sabotar seu raciocínio

– Racionais MC’s, “Capítulo 4, versículo 3”

A ideia de assumir de vez a figura do banditismo pode ser mais bem entendida sob a ótica do historiador João César de Castro Rocha. Ao se debruçar sobre o filme Cidade de Deus, lançado em 2002, mesmo ano do álbum Nada como um dia após o outro dia, Rocha cunhou o conceito de “Dialética da marginalidade”. Segundo essa ideia, algumas produções culturais brasileiras, incluindo a obra dos Racionais, valem-se da violência no discurso para escancarar as diferenças sociais e a posição marginalizada de seus autores.

[…] “dialética da marginalidade” enfatiza uma nova forma de relação entre as classes sociais. Não favorece mais uma visão negligenciadora de diferenças, mas em vez disso as traz à tona, recusando a promessa incerta da reconciliação social. Nesse contexto, é importante esclarecer que o termo “marginal” não tem necessária e exclusivamente um significado pejorativo, representando, acima de tudo, embora não exclusivamente, a maioria da população empobrecida e excluída dos benefícios do progresso social (ROCHA, 2007, p. 37).

De acordo com o antropólogo Roberto da Matta (1970), o campo da malandragem acontece em uma gradação que vai desde o socialmente aceito (esperteza, sagacidade), até o marginal (bandido, fora da lei). Sob essa ótica, o “Vida loka”, estaria inscrito na gradação máxima do malandro marginal. No entanto, para João César de Castro Rocha, a “Dialética da marginalidade” vem para superar a noção do malandro, deixando para trás, por exemplo, a “Dialética da malandragem”, conforme descrita por Antonio Candido (1970) para analisar a figura ambígua do malandro na literatura brasileira.

A “dialética da malandragem” está sendo parcialmente substituída ou, para dizer o mínimo, diretamente desafiada pela “dialética da marginalidade”, a qual está principalmente fundada no princípio da superação das desigualdades sociais através do confronto direto em vez da conciliação, através da exposição da violência em vez de sua ocultação (ROCHA, 2007, p. 36).

Em “Vida loka, pt. 1”, por exemplo, o sujeito da canção rechaça o rótulo de malandro e logo na sequência firma uma espécie de compromisso com a violência, embora afirme que prefira a paz. Ou seja, dá a entender que é só por meio da guerra que a almejada paz será alcançada. Nos versos seguintes, relaciona essa violência com a figura do “verme”, termo pejorativo utilizado para se referir ao policial.

Malandrão eu?
Não, ninguém é bobo
Se quer guerra, terá
Se quer paz, quero em dobro
Mas, verme é verme, é o que é
Rastejando no chão, sempre embaixo do pé
E fala uma, duas vez, se marcar até três
Na quarta, xeque-mate, que nem no xadrez (Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 1”, 2002)

De forma mais simplificada, a “Dialética da marginalidade” pode ser traduzida em “violência contra a violência”, ideia manifestada no trecho acima e explorada pelo próprio Mano Brown em entrevista ao repórter Morris Kachani publicada pela Folha de S.Paulo em 18 de agosto de 2011: “Marighella lembra Malcolm X, lembra Public Enemy, lembra Racionais. Muito do que cantamos no rap provavelmente veio dele. Por exemplo, o conceito da violência contra a violência”.

Essa violência não fica restrita ao conteúdo das letras. Ao analisar aspectos rítmicos dos raps dos Racionais MC’s, Marcelo Segreto (2015), destaca que apesar de algumas reiterações rítmicas convidarem à dança e sugerirem valores eufóricos, a forma que essa letra é cantada (ou quase falada, recitada) também reforça a agressividade ali presente.

Por vezes o MC estabiliza notas musicais ou altera a região de frequência e isso corresponde a uma tensividade exigida pela letra. O canto situado em região mais aguda pode ser indício de uma fala mais nervosa, de uma emissão mais intensa e agressiva, por exemplo […]A proximidade com a fala garante o seu efeito de verdade, e consequentemente, a força da denúncia (SEGRETO, 2015, p. 129).

De acordo com a “Sujeição criminal”, portanto, os membros dos Racionais MC’s são enquadrados pela sociedade e pelas autoridades como marginais fora da lei. Assim, a partir da “Dialética da marginalidade” eles escancaram essa discriminação e os abismos sociais que a reforçam. Isso se dá, sobretudo, por meio da agressividade no canto e nas letras de caráter subversivo, que narram crimes e incitam o enfrentamento às autoridades. Dessa forma, as músicas acabam por sintetizar um certo estereótipo marginal.

Não sou artista. Artista faz arte. Eu faço arma. Sou terrorista.

– Mano Brown

Vida loka x Ladrão nobre

Nada como um dia após o outro dia, lançado em 2002, é o quinto álbum de estúdio dos Racionais MC’s. O disco duplo, com 21 músicas, reúne alguns dos principais hits do grupo, como “Negro drama”, “Jesus chorou” e “Da ponte pra cá”. Além disso, conta com “Vida loka, pt. 1” e “Vida loka, pt. 2”, objetos de estudo deste artigo, que figuram na primeira e segunda colocação, respectivamente, das músicas mais escutadas dos Racionais na plataforma de streaming Spotify (acesso em 4 de abril de 2023). Portanto, além de serem dois dos maiores sucessos comerciais do grupo, apresentam um conceito que seria reutilizado nos anos subsequentes tanto dentro do rap (nas faixas “Um pião di vida loka” e “Vida loka também ama”, do álbum de 2003 Us fracu num tem veiz, do grupo Trilha Sonora do Gueto, por exemplo), quanto em outros estilos musicais, como o funk (na canção “Como é bom ser vida loka”, lançada por MC Rodolfinho em 2012, por exemplo). Ao longo das letras das duas canções, são descritas algumas situações e características que definem o “Vida loka” e que serão analisadas a seguir como forma de compreender esse estereótipo.

Em “Vida loka, pt. 2”, há a afirmação de que Dimas foi o primeiro Vida Loka da história, uma referência ao santo venerado pela Igreja Católica. Na tradição cristã, conforme descrito no evangelho de Lucas, apresenta-se Dimas como um ladrão crucificado ao lado de Jesus Cristo e que, tendo reconhecido seus pecados naquele momento, arrependendo-se deles, foi perdoado e recebido no Paraíso. Assim, é conhecido como “bom ladrão”, sendo considerado o padroeiro dos prisioneiros e protetor dos pobres. Uma figura semelhante aparece no livro Bandidos, publicado originalmente em 1969, no qual o sociólogo britânico Eric Hobsbawm analisa o conceito e as manifestações do banditismo rural e social ao longo da história. No quarto capítulo, o autor discorre sobre o estereótipo do Ladrão Nobre, citando-o como “Robin Hood, o ladrão nobre, é o tipo de bandido mais famoso e popular em todo o mundo, o herói mais comum de baladas e canções” (HOBSBAWM, 2015, p. 50). Assim, faz referência ao mito inglês de Robin Hood, um fora da lei que roubava dos ricos para dar aos pobres. No entanto, de acordo com o próprio Hobsbawm, essa não é a única característica que define o Ladrão Nobre. O sociólogo sintetiza esse estereótipo em nove pontos, os quais este trabalho tentará identificar nas letras das canções “Vida loka, pt. 1” e “Vida loka, pt. 2”. Aliada a isso, também será feita uma análise poético-musical de alguns dos trechos selecionados, a fim de identificar pontos que corroboram para essa ideia de marginalidade e/ou reforçam aspectos cancionais valiosos na obra dos Racionais MC’s.

I – O ladrão nobre é perseguido

Primeiro, o ladrão nobre inicia sua carreira de marginalidade não pelo crime, mas como vítima de injustiça, ou sendo perseguido pelas autoridades devido a algum ato que estas, mas não o costume popular, consideram criminoso (HOBSBAWM, 2015, p. 51).

Vermes que só faz peso na Terra
Tira o zóio
Tira o zóio, vê se me erra
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 2”)

O primeiro ponto a destacar neste trecho é o desalinhamento com a norma culta da língua portuguesa, uma vez que não há concordância verbal entre “vermes” e “faz”. Esse tipo de construção, que se repete em outros trechos a serem explorados a seguir, reforça o aspecto periférico e marginal da linguagem utilizada no rap. Além disso, há uma forte marca de oralidade no uso do termo “zóio” em vez de “os olhos”, o que também garante uma maior rapidez na pronúncia e, consequentemente, uma melhor fluidez dos versos.

Em relação ao conceito de Hobsbawm, o eu lírico aqui se refere aos agentes policiais por meio do termo pejorativo “verme”, insinuando que estes têm pouca ou nenhuma utilidade: “só faz peso na Terra”. Na sequência, pede que a polícia pare de persegui-lo: “tira o zóio, vê se me erra”. Ou seja, o sujeito dá a entender que é constantemente perseguido pelas autoridades. Neste caso, as autoridades policiais. Por isso, não se sente protegido pela polícia e, mais do que isso, não vê real utilidade na corporação. Pelo contrário, enxerga-a como uma ameaça, como uma força que o empurra para o espectro da marginalidade sem, necessariamente, ter motivo legal para tal.

O rap é a forma de resistência e revide encontrada pelo indivíduo da periferia frente à violência diária exercida pela polícia. Desse modo pode-se dizer que a relação entre Estado e os indivíduos da periferia baseia-se no revide. No caso dos rappers esse revide se dá pela palavra contestatória e denunciadora de seus poemas (OLIVEIRA, 2012, p. 64).

Imagina nóis de Audi
Ou de Citroen
Indo aqui, indo ali
Só pam
De vai e vem
[…]
De teto solar
O luar representa
Ouvindo Cassiano, rá!
Os gambé não guenta
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 2”)

Neste caso, o eu lírico vislumbra a possibilidade de adquirir carros importados, de alto valor. Imaginando isso, logo pensa em qual seria a reação da polícia caso o visse andando em um carro com teto solar e escutando Cassiano, artista negro cujas músicas costumavam tocar nos bailes black da periferia, frequentados, em sua maioria, também por pessoas negras. Aqui, há mais uma marca de oralidade: “rá!”. A interjeição é utilizada como forma de expressar a ironia e o gozo de se imaginar em tal situação, e precede a conclusão imaginada para o caso: “os gambé não guenta”. Ou seja, se os “vermes” não “tira o zóio” do sujeito nem em situações corriqueiras, caso o vissem andando em um carro caro e importado, logo presumiriam que o veículo é fruto de alguma atividade criminosa. Retomando Hobsbawm, as autoridades o perseguiriam por considerar criminoso o ato de um homem negro, da periferia, andar em um carro com teto solar.

O Vida loka, portanto, é aquele que se vê na urgência por estabelecer estratégias de sobrevivência contra as forças públicas de opressão, principalmente dentro de espaços tradicionalmente marginalizados, mas que também atuam sobre sua liberdade de ir e vir (SILVA, 2022, p. 28).

II – O ladrão nobre corrige as injustiças

Segundo, ele “corrige os agravos” (HOBSBAWM, 2015, p. 51).

Vida loka, eu não tenho dom pra vítima
Justiça e liberdade, a causa é legítima
Meu rap faz o cântico dos louco e dos romântico, vou
Pôr um sorriso de criança aonde eu for
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 1”)

Mais uma vez há uma fuga da norma padrão da língua portuguesa, com a não concordância nominal em “dos louco” e “dos romântico”. Além de dar mais fluidez ao verso com as ausências de plural, o termo “romântico” no singular tem a mesma terminação de “cântico”, gerando assim uma rima interna perfeita ao verso.

Nesse trecho, é reafirmado o compromisso das letras e do rap dos Racionais com a denúncia ou correção dos agravos, injúrias e injustiças. A causa da canção, portanto, seria legítima: “justiça e liberdade”. Além disso, a música funcionaria como um cântico, ou seja, uma espécie de hino ou prece dos “louco e dos romântico”, representados aqui como os demais membros da comunidade. Por fim, o eu lírico quer “pôr um sorriso de criança aonde for”, ou garantir felicidade a todos que tenham contato com a sua arte.

A única forma de revidar é se manter vivo e solto, ter a atitude do bandido, mas contrariar as expectativas, entrando e saindo dos modelos previstos pelo sistema. E principalmente, fortalecer a própria comunidade a partir da palavra que indica os modos de caminhar pelo certo (OLIVEIRA, 2015, p. 331).

Preto e dinheiro são palavras rivais
É? Então mostra pra esses cu como é que faz
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 2”)

Em 2002, ano de lançamento do disco Nada como um dia após o outro dia, a renda domiciliar per capita média dos brancos no Brasil era entre 2 e 2,4 vezes maior que a dos negros, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Logo, a mensagem aqui é a de que os Racionais estão contrariando as estatísticas ao possuírem boas condições financeiras, corrigindo portanto parte dessa injustiça. Ao convocar o ouvinte para mostrar “pra esses cu como é que faz”, a ideia é de empoderar os demais negros de periferia a buscarem o mesmo caminho, sem que a trilha do progresso financeiro esteja relacionada com o crime.

Vale destacar também o uso do termo “cu” para se referir ao inimigo, aqui centralizado em uma classe média branca. A palavra chula, que aliás é pronunciada com bastante ênfase na gravação original deste disco, reforça a ira ali contida, contribuindo para a agressividade do discurso. Também não há concordância nominal entre “esses” e “cu”. Essa construção passa a ideia de que embora os agentes da classe média sejam muitos, eles são vistos pelos rappers como uma massa uniforme, única, sem nenhuma margem para a relativização desse confronto.

Porque o guerreiro de fé nunca gela
Não agrada o injusto e não amarela
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 2”)

Por fim, no trecho acima é reafirmado o compromisso do guerreiro de fé, do Vida loka, com a justiça. Como se fossem preceitos desse sujeito “nunca gelar” ou “amarelar” (não ter medo) e “não agradar o injusto” (caminhar do lado da justiça). Ou seja, ter disposição para corrigir os agravos e não ter medo de fazê-lo.

Esses versos, aliás, estão inseridos em um trecho final da música no qual o beat e a velocidade do canto sofrem alterações. Após cerca de dezoito raros segundos apenas de som instrumental, o trompete que conduz o beat é substituído por outros metais de orquestra que garantem uma espécie de solenidade ao tema. Assim, o texto retorna com menos velocidade, com a voz praticamente recitando os versos que são como um guia para o “Vida loka” e que se encerram com sons de brinde em homenagem a Dimas, a quem a música é dedicada.

III – O ladrão nobre rouba dos ricos para dar aos pobres

Terceiro, “tira dos ricos e dá aos pobres” (HOBSBAWM, 2015, p. 51).

Firmeza total, mais um ano se passando aí
Graças a Deus a gente tá com saúde aí, morô? (com certeza)
Muita coletividade na quebrada, dinheiro no bolso
Sem miséria, e é nóis
Vamos brindar o dia de hoje
Que o amanhã só pertence a Deus, a vida é loka
Xô falá procê
Tudo, tudo, tudo vai, tudo é fase irmão
Logo mais vamo arrebentar no mundão
De cordão de elite, 18 quilates
Poê no pulso logo um Breitling
Que tal? Tá bom?
De lupa Bausch & Lomb, bombeta branco e vinho
Champagne para o ar, que é pra abrir nossos caminhos
Pobre é o diabo, eu odeio a ostentação
Pode rir, ri, mas não desacredita não
É só questão de tempo, o fim do sofrimento
Um brinde pros guerreiro, zé povinho eu lamento
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 2”)

Nesse trecho que abre a música “Vida loka, pt. 2”, a sensação que o ouvinte tem é a de estar em uma roda com várias pessoas. Os quatro primeiros versos têm uma voz, o quinto e sexto têm outra, e o restante da música é cantado por um terceiro rapper. Enquanto isso, outras pessoas conversam ao fundo, por vezes reagindo ao que é dito na música (como o “com certeza” em resposta a “graças a Deus a gente tá com saúde”, por exemplo), e também há sons de aplausos e brindes. Toda essa ambientação sonora, portanto, contribui para a ideia de comunhão que é trabalhada ao longo do restante da música. Outro destaque é a marca de oralidade no sétimo verso. A norma padrão da língua portuguesa prescreveria o uso de “deixe-me falar para você” em tal situação, enquanto “deixa eu falar pra você” seria um emprego menos formal. Porém, é usada uma terceira maneira, “xô falá procê”, ainda mais coloquial, reforçando a ideia de diálogo. É também a partir desse verso que a ambiência tem fim, dando lugar a um beat conduzido por uma linha de trompete que estabelece um tema tenso e até mesmo fúnebre.

O terceiro verso desse trecho estabelece uma relação direta entre coletividade e prosperidade econômica, começando pela união (“muita coletividade na quebrada”) seguida pela fartura (“dinheiro no bolso”). Já no quarto verso, essa relação é feita de forma inversa, começando pelo fator econômico (“sem miséria”) seguido pelo fator coletivo (“é nois”). Ou seja, a ideia é que não haja vitória individual sem vitória coletiva, principalmente quando o assunto é dinheiro: a coletividade, a união da comunidade está atrelada ao avanço econômico de cada indivíduo, e vice-versa. A ideia é retomada nos versos seguintes, com a promessa de “vamo arrebentar no mundão” e uma lista de alguns itens de luxo que seriam adquiridos (cordões de ouro, relógios e óculos de marcas famosas). Mais uma vez, o coletivo é ressaltado: “vamo” arrebentar no mundão, e não “vou” arrebentar. Na sequência, a pobreza é rechaçada (“pobre é o diabo”), assim como a riqueza exacerbada (“eu odeio ostentação”). A mensagem, portanto, é a de que o dinheiro conquistado pelo sujeito desta canção não vai ser objeto de ostentação, mas sim, motivo de emancipação de sua comunidade, a fim de acabar com a pobreza. O “fim do sofrimento” está próximo, e essa construção é selada no último verso do trecho: os “guerreiros” da comunidade, aqueles que acreditam nessa mensagem, são celebrados e homenageados com um brinde, enquanto os “zé povinho”, que seriam os invejosos ou os membros das classes superiores que olham a comunidade com preconceito, são lamentados.

Retomando Hobsbawm, portanto, o “tirar dos ricos” em Racionais acontece à medida que o grupo faz sucesso com as suas canções de denúncia a ponto de elas chegarem aos ouvidos da classe média e conscientizarem aquelas pessoas de alguma forma. Além disso, há também o dinheiro propriamente dito, recebido pelo grupo a partir da venda de discos e das apresentações ao vivo, que não necessariamente acontecem em locais periféricos. Assim, o “dá aos pobres” acontece principalmente de forma figurada, com a visibilidade e o poder de fala que o povo descrito nas músicas recebe; mas também de forma literal, por meio do progresso dos “guerreiros de fé” que dividem a mesma comunidade dos Racionais e conseguem usufruir do avanço econômico do grupo. De acordo com reportagem da revista IstoÉ, por exemplo, em 1999, Mano Brown, líder dos Racionais, ajudava a manter uma escolinha de futebol para 300 crianças na Cohab Adventista, no Capão Redondo, e tinha planos de construir uma quadra de esportes, um centro de treinamento de boxe, uma escola de música e uma rádio comunitária para formar DJs.

O MC se configura, como já vimos, como um efeito colateral do sistema, um herói subversivo, uma espécie de Robin Hood contemporâneo […] Ele tem sim algo de herói, de profeta e de vanguardista (OLIVEIRA, 2012, p. 33).

IV – O ladrão nobre não mata

Quarto, “nunca mata, a não ser em legítima defesa ou vingança justa” (HOBSBAWM, 2015, p. 51).

Vem alguém lá, quem é quem, quem será meu bom?
Dá meu brinquedo de furar moletom!
[…]
Desacreditar, nem pensar, só naquela
Se uma mosca ameaçar me catar, piso nela
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 1”)

No trecho acima, o uso da violência está diretamente ligado à defesa pessoal. Nos primeiros dois versos, ao notar alguém desconhecido se aproximando, o sujeito da canção automaticamente se coloca em estado de alerta, crendo ser necessário portar uma arma, seja ela branca ou de fogo, simbolizada pela gíria “brinquedo de furar moletom”. Nos versos seguintes, é feita uma analogia com o ato de pisar em um inseto para afirmar que o sujeito não hesita em matar caso seja ameaçado. Nos dois casos, portanto, não é o eu lírico que incita a violência, mas sim a utiliza como forma de revide ou autoproteção.

Se quer guerra, terá
Se quer paz, quero em dobro
Mas, verme é verme, é o que é
Rastejando no chão, sempre embaixo do pé
E fala uma, duas vez, se marcar até três
Na quarta, xeque-mate, que nem no xadrez
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 1”)

Aqui, no quinto verso, há outro caso de não concordância nominal, entre as palavras “duas” e “vez”, o que garante a rima interna “vez” com “três”. Nesse trecho, é afirmado o compromisso e a preferência pela paz (“paz quero em dobro”), ao mesmo tempo em que se garante a violência caso necessário (“se quer guerra, terá”). Além disso, é destacada a relutância em relação ao uso de meios violentos (“fala uma, duas vez, se marcar até três”), que seriam a última escolha do sujeito ameaçado (“na quarta, xeque-mate”). Essa convivência dúbia entre os universos de guerra e paz e a preferência pelos meios pacíficos é abordada também no trecho a seguir. A “pólvora”, ou a violência, é o que predomina; as “rosas”, ou o ambiente pacífico, são almejadas:

Fazer o que se é assim
Vida loka cabulosa
O cheiro é de pólvora
E eu prefiro rosas
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 2”)

V – O ladrão nobre é parte da sua comunidade

Quinto, se sobrevive, retorna à sua gente como cidadão honrado e membro da comunidade. Na verdade, nunca deixa realmente a comunidade (HOBSBAWM, 2015, p. 51).

Aí, eu vou desligar
Mas manda um salve pros mano da quebrada aí, morô?
Pro Gil, morô, mano? Pro Batatão, pro Pacheco
Pro Porquinho, pro Xande, pro Dé, morô, meu?
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 1”)

Nesse trecho final de “Vida loka, pt. 1”, quem fala é Abraão, personagem da música que está preso e que se comunica com Mano Brown por meio do telefone. Essa não é a única simulação de ligação telefônica em músicas dos Racionais. Em “Jesus chorou”, outra faixa do álbum Nada como um dia após o outro dia, por exemplo, o recurso também é utilizado. No entanto, em “Vida loka, pt. 1”, o telefonema se estende durante praticamente toda a música. A conversa entre Mano Brown e Abraão tem início aos 27 segundos, e a troca de ideias vai se intercalando com o rap cantado até o fim da faixa. A ligação telefônica é sempre acompanhada de um riff de violão ao fundo, e nos momentos em que a conversa dá lugar ao rap cantado, somam-se a esse riff principalmente sons de bumbo, caixa e teclado. O detalhe é que como Abraão fala de dentro da cadeia, é provável que se trate de uma ligação ilegal ou clandestina, uma vez que os presidiários, em teoria, não podem portar celulares ou utilizar o telefone de forma deliberada.

Aqui, na hora de se despedir de Mano Brown, Abraão pede que o amigo “mande um salve” (mande lembranças, mande um abraço) para os seus companheiros da comunidade, citando nominalmente seis deles. Assim, ele demonstra que ainda se sente parte dessa comunidade e exalta o vínculo que possui com seus manos, deixando implícita a vontade de estar com eles novamente quando estiver fora da prisão.

Imagina nóis de Audi
Ou de Citroen
Indo aqui, indo ali
Só pam
De vai e vem
No Capão, no Apurá, vô colar
Na pedreira do São Bento
Na fundão, no pião
Sexta-feira
[…]
Mas se não der, nêgo
O que é que tem?
O importante é nós aqui
Junto ano que vem
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 2”)

Já nos versos acima, o sujeito vislumbra a possibilidade de andar em carros importados, mas não pensa em dirigi-los para longe da comunidade. Pelo contrário, cita a vontade de passear com esses veículos justamente na periferia — no Capão Redondo e no Jardim Apurá, por exemplo, que ficam no extremo Sul de São Paulo, região referida aqui como “fundão”. Na sequência, para além de um dia possuir ou não esses carros, exalta a importância de seguir ao lado dos seus manos da comunidade em mais um ano.

VI – O ladrão nobre é apoiado pela comunidade

Sexto, é admirado, ajudado e mantido por seu povo (HOBSBAWM, 2015, p. 51).

O que será, será, é nóis, vamo até o final
Liga eu, liga nóis, onde preciso for
No paraíso ou no dia do juízo, pastor
E liga eu e os irmãos é o ponto que eu peço
Favela, fundão, imortal nos meus verso
Vida loka
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 1”)

O sujeito já inicia esse trecho ressaltando a união entre ele e seu povo independentemente da circunstância (“o que será, será, é nóis, vamo até o final”) e firmando esse compromisso até a morte (“liga nós onde preciso for/no paraíso ou no dia do juízo”). Na sequência, ele ressalta para quem ele canta os versos em questão (“favela, fundão”), imortalizando a comunidade na sua música. Mais do que isso, ele é a comunidade, ele precisa dela pois aquele é seu mundo. A comunidade, por sua vez, precisa desse MC para ter voz:

[…] o mundo do MC é o mundo da periferia. O MC é o “representante” da periferia. Desse ponto de vista, este tomaria para si a função de ser a voz de sua comunidade […] uma vez que o rap, apesar de se constituir por meio de um discurso centralizado no eu, busca sempre as outras vozes que fazem parte de sua comunidade (OLIVEIRA, 2012, p. 31).

E só quem é
Só quem é vai sentir
E meus guerreiro de fé?
Quero ouvir, quero ouvir!
E meus guerreiro de fé?
Quero ouvir, irmão!
Programado pra morrer nois é
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 2”)

Já no trecho acima, o MC clama justamente por essas vozes que fazem parte de sua comunidade. Os seus “guerreiro de fé”, os manos que ajudam, admiram e mantêm esse personagem que se expressa em primeira pessoa na letra. A resposta vem com o verso “programado pra morrer nois é” cantado em coro, com múltiplas vozes reforçando a ideia de coletividade e disposição para apoiar o MC, ainda que isso custe as próprias vidas dessas pessoas. Segundos antes do coro, aliás, o som de trompete que conduz o beat é interrompido, garantindo um foco maior a essas múltiplas vozes. Assim que o coro se encerra, o som do trompete é retomado.

VII – O ladrão nobre morre pela traição

Sétimo, invariavelmente morre em decorrência de traição, uma vez que nenhum membro decente da comunidade auxiliaria as autoridades contra ele (HOBSBAWM, 2015, p. 51).

Vagabunda, queria atacar do malucão, usou meu nome
O pipoca abraçou, foi na porta da minha casa lá
Botou pânico em todo mundo
Três hora da tarde e eu nem tava lá, vai vendo!
É mas aí, Brown, ó, tem uns tipo de mulher, truta
Que não dá nem pra comentar
E eu nem sei quem é os maluco, isso que é foda
Vamo atrás desse pipoca aí e já era
Ir atrás de quem? Ir aonde? Sei nem quem é, mano
Mano, não devo, não temo e dá meu copo que já era
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 1”)

Nesse trecho inicial de “Vida loka, pt. 1”, o ouvinte também tem a sensação de estar em uma roda. No entanto, ao contrário do início de “Vida loka, pt. 2”, não se trata de uma celebração com votos de prosperidade e sons de taça brindando, por exemplo. O que há é um diálogo tenso, no qual Mano Brown relata quase ter sido vítima de um atentado decorrente de uma situação de quebra de confiança ou traição. Há três vozes na conversa: a principal, de Brown, que conta o ocorrido, diz que não sabe quem foi o responsável e garante não ter nada a temer; a de um segundo personagem, que diz que certas mulheres dispensam comentários; e um terceiro homem, que incentiva o grupo a procurar o responsável pelo atentado. Enquanto os três conversam, há uma música ao fundo, como se houvesse um rádio ligado naquele recinto. Assim que o diálogo termina, a música de fundo também para e tem início a ligação telefônica entre Mano Brown e Abraão, destacada no ponto V.

No decorrer da faixa, a situação narrada por Brown no diálogo de abertura é retomada e recebe aprofundamento:

Porque a confiança é uma mulher ingrata
Que te beija e te abraça, te rouba e te mata
[…]
O bico deu mó guela, pique bandidão
Foi em casa na missão, me trombar na Cohab
De camisa larga, vai saber
Deus que sabe qual é maldade comigo, inimigo no migué
Tocou a campainha, plim, pra tramar meu fim
Dois maluco armado sim, um isqueiro e um estopim
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 1”)

Logo no início do trecho, é ressaltado o perigo de confiar em todos dentro da comunidade, uma vez que essa relação pode se tornar fatal por meio da traição. Na sequência, é retomada a situação de quebra de confiança e consequente risco de vida pela ação de um “bico” (gíria pejorativa utilizada para se referir a uma pessoa intrometida ou fofoqueira), que foi até a porta da casa de Brown a fim de matá-lo. O “bico”, então, não é considerado membro decente da comunidade, que tem suas próprias regras internas, por exemplo, contra o delator, usualmente chamado de “caguete”.

Em termos poéticos-musicais, vale destacar que no sétimo verso, em vez do uso de algum efeito sonoro digital ou recurso semelhante, o rapper se vale de uma onomatopeia (“plim”) para representar o som da campainha sendo tocada. Com isso, ele garante uma rima interna ao verso em questão (“plim” com “fim”), e ainda usa a mesma terminação no verso subsequente, gerando outras três rimas (“fim com “sim”; “sim com “estopim”; “fim com estopim”).

VIII – O ladrão nobre não é vulnerável

Oitavo, é — pelo menos em teoria — invisível e invulnerável (HOBSBAWM, 2015, p. 51).

Porque os bico que me vê com os truta na balada
Tenta ver, quer saber de mim, não vê nada
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 1”)

A figura do “bico” aqui aparece novamente, como aquele que quer se intrometer na vida dos demais, a fim de tirar alguma vantagem com tais informações obtidas. Neste caso, o sujeito se coloca como invisível, invulnerável, afirmando que mesmo que o “bico” queira, não vai vê-lo nem saber nada sobre a sua vida. No entanto, essa capacidade de escapar dos fofoqueiros e intrometidos fica apenas na teoria, pois como foi visto no trecho anterior da mesma canção, o sujeito foi alvo da ação de um “bico” e quase acabou morto.

IX – O ladrão nobre é inimigo da nobreza

Nono, não é inimigo do rei ou imperador, fonte de justiça, mas apenas da nobreza, do clero e de outros opressores locais (HOBSBAWM, 2015, p. 51).

Eu queria ter pra testar e ver
Um malote com glória, fama
Embrulhado em pacote
Se é isso que cês quer, vem pegar
Jogar num rio de merda e ver vários pular
Dinheiro é foda, na mão de favelado é mó guela
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 2”)

O terceiro verso deste trecho é mais curto, tem menos sílabas do que os demais. Assim, a passagem do terceiro para o quarto verso tem mais compassos sem voz do que as outras. Na gravação original, esse espaço é preenchido com sons de assobio, como se o rapper estivesse tentando chamar a atenção de um cachorro. O recurso acaba por corresponder com o “vem pegar” do verso seguinte, além de funcionar como uma espécie de ironia em relação ao convite.

Aqui, mais uma vez, as palavras de baixo calão (“merda” e foda”) são utilizadas de maneira a reforçar a instatisfação e a ira contidas nos versos. De uma forma geral, as letras das canções analisadas neste artigo retratam a desigualdade e as injustiças sofridas pela periferia, frequentemente apontado a classe média – ou cidadãos com maiores recursos financeiros – como seus reais inimigos. Neste trecho, é como se “glória, fama”, dinheiro e capacidade de consumo (ou a falta deles) fossem, ao mesmo tempo, os responsáveis e também os caminhos para sair dessa condição subalterna.

Insiste naquilo que ele e o bandido, afinal, têm em comum, como um sentimento de revolta, o desejo de vencer, de adentrar o reino do consumo (única forma de conquistar alguma dignidade). Sentimentos que o rapper, o pai de família e o bandido compartilham (OLIVEIRA, 2015, p. 334).

Dessa forma, muitas das letras são direcionadas ao “playboy”, e não aos agentes políticos, que supostamente seriam as fontes de justiça e teriam meios para amenizar essas desigualdades. Assim como no trecho a seguir, onde é ressaltada a relação entre poder e dinheiro.

Inconscientemente vem na minha mente inteira
Na loja de tênis o olhar do parceiro feliz
De poder comprar o azul, o vermelho
O balcão, o espelho
O estoque, a modelo, não importa
Dinheiro é puta e abre as portas
Dos castelos de areia que quiser
(Racionais MC’s – “Vida loka, pt. 2”)

Aqui, entre o terceiro e quinto versos, o rapper faz uma relação de itens que uma pessoa com boa condição financeira teria condições de acessar, e há uma sequência de palavras terminadas em “o”: “vermelho; espelho; modelo”. Elas geram rimas consoantes, ou seja, com correspondência completa de sons (vermelho e espelho), e também rimas toantes, ou seja, com correspondência apenas da vogal temática (espelho e modelo). Tradicionalmente, dentro do cancioneiro popular, há uma escolha entre uma das duas modalidades de rima, enquanto aqui há essa mistura. Fato é que essa lista de itens, aliada às palavras seguidas com terminações semelhantes, dá uma ideia de continuidade, de ciclo. Ou seja, a sonoridade presente nestes versos corrobora para a ideia ali descrita: a de que esse consumismo parece não ter fim, pois há um ciclo contínuo de consumo levando a mais consumo e a mais poder.

Retomando Hobsbawm, portanto, é a “nobreza”, sintetizada aqui na classe média, a principal inimiga descrita nas letras. Isso pois concentra um poder aquisitivo que, por ser tão díspar em relação ao dos sujeitos retratados nestas músicas, acaba por oprimi-los e empurrá-los para o espectro marginal da sociedade, reforçando as diferenças socioculturais entre essas classes. Os outros opressores locais, conforme citados pelo sociólogo, também aparecem, sobretudo na figura do policial, “gambé” ou “verme”, previamente analisada no ponto I.

Considerações finais

Em relação à linguagem e à construção poético-musical das músicas aqui analisadas, foi possível identificar alguns dos pontos levantados por Segreto (2015) e já citados anteriormente, como por exemplo a agressividade e o canto falado. Além disso, notou-se mais marcas de oralidade; simulações de diálogo e de ligações telefônicas; fuga da norma culta-padrão da língua portuguesa; uso de palavrões, gírias, interjeições e até de onomatopeias. Alguns desses pontos, como o não uso da norma culta, reforçam a ideia de marginalidade presente nas letras. Outros, como por exemplo o uso de uma onomatopeia que gera rimas e as mudanças no beat de acordo com a tensão exigida pelo verso, reforçam a capacidade poético-musical dos Racionais MC’s e valorizam a sua obra como parte constituinte do cancioneiro nacional. Ou seja, apesar de ser uma expressão artística diferente do padrão de canção ao qual Chico Buarque se refere na entrevista à Folha de S.Paulo — tanto por questões musicais quanto sociais — o rap, em especial os raps dos Racionais MC’s aqui analisados, possuem sim importantes valores musicais e poéticos. Assim, é possível e até propício que essas faixas sejam analisadas sob a ótica da canção.

No que diz respeito à análise das letras, é possível concluir que o estereótipo de marginalidade presente em “Vida loka”, tal qual cantado pelos Racionais, manifesta-se seguindo as características do “Ladrão nobre”, tal qual descrito por Eric Hobsbawm. No entanto, os dois são figuras sensivelmente distintas. De fato, as nove características mapeadas pelo sociólogo se manifestam ao longo das letras das duas músicas em questão. Além disso, um outro detalhe é o fato de “Vida loka, pt. 2” ser dedicada a São Dimas: “A Dimas o primeiro/saúde, guerreiro”, que teria sido o “primeiro Vida loka da história” e é também um dos mais famosos “ladrões nobres” de todos os tempos. Logo, ao definir Dimas como um “Vida loka”, a música associa esse arquétipo à figura do bom ladrão. O conceito elaborado por Hobsbawm, porém, é originalmente pensado a partir de um ambiente rural, camponês: “Trataremos essencialmente de uma forma de rebelião individual ou minoritária nas sociedades camponesas. Por conveniência, omitiremos o equivalente urbano do bandido-rebelde rural” (HOBSBAWM, 2015, p. 28). O “Vida loka”, portanto, pode ser uma espécie de tradução urbana, brasileira e contemporânea desse estereótipo, uma vez que é enunciado a partir do Capão Redondo, periferia da Zona Sul da cidade de São Paulo.

De fato, não é simples aplicar a teoria de um sociólogo inglês do século passado a uma obra circunscrita à realidade social da periferia paulistana no início do século XXI. O “Vida loka” tem vivências e particularidades que o distinguem do Robin Hood e de Dimas, por exemplo. Uma diferença fundamental entre Racionais e Hobsbawm é a de que, na prática, o “Vida loka” não é necessariamente um bandido, um fora da lei, mas sim aquele que está à margem da sociedade. O conceito de marginalidade aqui está muito mais ligado a um fator de exclusão e isolamento social do que à realização de crimes ou contravenções, ao contrário do “Ladrão nobre”. Em Racionais, tudo é praticamente figurado. Ou seja, não há crime e nem ladrão. O que há é a incorporação de um personagem bandido, imposta a esse compositor a partir da sujeição criminal, e a devolução dessa suposta violência na letra, valendo-se assim da dialética da marginalidade e constituindo um ladrão nobre figurado. O banditismo social, nesse caso, ocorre por meio da música. Não é necessário de fato roubar para dar aos pobres. Se esse músico já é visto como um ladrão por natureza, ele vai vestir essa carapuça da forma mais nobre possível. E por meio da música, vai corrigir os agravos, expor a opressão das autoridades e constituir o “Vida loka” que não mata e não rouba; só canta.

Os limites deste artigo não permitem estender o assunto, mas vale ressaltar que artistas anteriores aos Racionais MC’s já haviam se destacado explorando a temática do banditismo em primeira pessoa. Um dos principais exemplos é Bezerra da Silva, que ao longo de sua obra transita entre as figuras do malandro astuto e do marginal, aproximando-se do estereótipo do “Ladrão nobre” na faixa “Meu bom juiz”, do disco Alô malandragem, maloca o flagrante!, de 1986, por exemplo: “Mas quando alguém se inclina com vontade/em prol da comunidade/jamais será maginal”. No cenário internacional, destaca-se o rapper norte-americano Tupac Shakur e o seu movimento “Thug life” (“Vida de bandido”, em tradução livre), citado na faixa “All eyez on me”, do álbum homônimo de 1996, por exemplo: “Live the life of a thug until the day I die” (“viva a vida de um bandido até o dia em que eu morrer”). Após Racionais MC’s, as diversas facetas do estereótipo marginal “Vida loka” tal qual descrito pelo grupo também aparecem em obras posteriores de outros artistas. A faixa “Um pião di vida loka”, lançada em 2003 pelo grupo Trilha Sonora do Gueto, por exemplo, descreve um enquadro sofrido por um indivíduo em decorrência da sua vestimenta: “O foda é que os cara embaçou na bombeta e na minha camiseta da vida loka/Os cara tá achando que o bagulho é facção de crime”. Já em “Como é bom ser vida loka”, lançada em 2012 por MC Rodolfinho, o foco está nas conquistas financeiras, como é de praxe no funk paulistano: “Bolso esquerdo só tem peixe/E o direito tá cheio de onça/Ai meu deus, como é bom ser vida loka”. A incorporação do banditismo nas letras como forma de enfrentamento aparece de forma mais significativa na obra do rapper carioca Sant, que em 2021 lançou um álbum intitulado Rap dos novos bandidos, e do rapper mineiro Djonga, que trabalha com essa ideia nas dez músicas do seu disco Ladrão, de 2019. Na faixa que dá nome ao álbum, aliás, Djonga cita implicitamente Sabotage, um dos mais respeitados rappers brasileiros: “Tô atento, é que o rap é igual ao crime”. Em 2000, Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage, lançou o disco Rap é compromisso, e a faixa que dá nome ao álbum possui versos que podem ser lidos como traduções dos conceitos tratados neste artigo:

O crime é igual o rap
Rap é minha alma
Deite-se no chão
Abaixe suas armas
O rap é compromisso, não é viagem
(Sabotage – “Rap é compromisso”, 2000)

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Autor

  • É poeta e jornalista, especializado em Canção Popular pela Faculdade Santa Marcelina (Fasm). Dos beats de rap aos pandeiros de samba, encanta-se pelas possibilidades de invenção que a língua portuguesa permite, bem como pelas mudanças políticas e sociais que permeiam o cancioneiro nacional.

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