Presidencialismo de coalisão ou presidencialismo do fracasso?

A governança política no Brasil está alicerçada no toma lá, dá cá

Lula discursa ao Congresso na posse, em 2023 | imagem: Palácio do Planalto

A estrutura governamental estabelecida pela Constituição de 1988 demonstrou ser eficaz. Ao longo de pouco mais de três décadas, consolidou o voto universal, assegurou eleições íntegras e competitivas, desenvolveu órgãos de fiscalização e preservou a subordinação dos militares ao poder civil.

Desde então, governos sucessivos aprovaram reformas estruturais para combater a hiperinflação e promover políticas sociais baseadas em regras objetivas. Isso ocorreu em um país onde os líderes sempre utilizaram recursos públicos para controlar seus redutos eleitorais.

A Nova República enfrentou turbulências, permaneceu intacta até o processo de impeachment de Dilma Rousseff, num processo altamente questionável, que eu classifico como golpe parlamentar. Mais recentemente, mais um ataque perigoso, uma tentativa de golpe em 2023, que foi frustrada pela força das instituições. Todavia, mesmo com essas graves turbulências, o Brasil alcançou um nível de estabilidade política razoável.

No entanto, apesar de certa estabilidade, a Nova República manteve os piores vícios da política brasileira: o clientelismo, a patronagem e a corrupção endêmica. A transição acordada durante a Constituinte resultou na dominação de grupos de interesse específicos que, agora operando sob um sistema democrático de regras, se apropriam do Estado a partir do chamado presidencialismo de coalizão, termo cunhado pelo cientista político Sérgio Abranches.

A ideia está baseada em dois pilares básicos que dão sustentação (ou não) ao modelo. Um deles é a existência de coalizões partidárias que teriam como principal objetivo dar sustentação ao governo eleito, já o outro é a atuação permanente do presidente da República em negociações políticas sempre a partir do diálogo. O que nós vemos na prática é uma espécie de fórmula semiparlamentarista, na qual os partidos da coalizão participam do governo, oferecendo seu apoio no Congresso para chancelar a agenda da situação, mas não sem receber algo em troca, eis aqui o gargalo.

Na teoria, o bom funcionamento desse modelo de governança está ancorado em alguns aspectos, como proporcionar governabilidade ao presidente eleito, assegurar que as propostas, emendas, e outros projetos que dependem de apoio sejam aprovadas e evitar que a oposição fragilize politicamente o governo eleito com pedidos de investigação, acusações de corrupção infundadas, etc. Dadas essas condições, caso elas não sejam cumpridas, o modelo falha, pois se transforma em um catalisador de crises das mais diversas, acarretando em difícil manejo político, perda de governabilidade e instabilidade.

E o que nós temos no Brasil desde a metade do primeiro mandato de Dilma Rousseff? Nós temos instabilidade, fragilidade e manejo político cada vez mais difícil, o que inclusive resultou num golpe político orquestrado contra a presidenta eleita.

O modelo é um gerador de crises, a polarização política e o crescimento da extrema direita têm acelerado drasticamente o processo de fragmentação das forças políticas existentes no País. E como isso vem acontecendo? Quando exatamente ficou nítida a incapacidade do Poder Executivo exercer adequadamente o seu papel? Difícil dizer, porque não é um fenômeno linear, ele é amorfo, dentro de uma conjuntura política que exacerba o conflito e dificulta os consensos.

Diante desse cenário, o mundo político nacional assiste ao terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva percebendo claramente a continuidade de todas as práticas desse modelo falido e ultrapassado. Essa governança política dificilmente produzirá efeitos realmente importantes e transformadores para a classe trabalhadora, pois a sua principal característica está alicerçada numa prática que, no fim das contas, resulta em pouco apoio parlamentar se esse não for garantido por meio daquilo que dizem ser o calcanhar de Aquiles da política no Brasil, o toma lá, dá cá. 

O governo não consegue obter a maioria necessária para governar nas eleições legislativas e, portanto, passa a depender do apoio de outros atores e outros partidos para assegurar a governabilidade. Um risco.

O drama está no fato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus subordinados estarem sem maioria e, portanto, repetindo as práticas de outrora, a oferta de ministérios e postos oficiais aos partidos em troca de seu apoio nas votações de projetos. Mas isso, infelizmente, pode ter uma resultante grave, pois esses parlamentares que em tese deveriam apoiar o governo, passam a ter um poder muito grande sobre o ele, o que muitas vezes resulta em diversos problemas para a governabilidade, já que os apoiadores podem cobrar um preço pela manutenção de sua lealdade. Aqui reside o risco da corrupção e da traição e é o vírus que impede o nosso desenvolvimento.

Entendo que o presidente Lula não tem uma base de apoio consolidada. A base de uma possível crise política parece começar a ser pavimentada em 2024; para fugir disso, seria necessário que o governo amplisse a participação popular, dialogasse com o povo nas ruas, mas acho improvável que aconteça. Infelizmente a política institucional continuará sendo feita dentro da estrutura do chamado presidencialismo de coalizão, ou, como eu apelido agora, o presidencialismo do fracasso, que continuará a ceder apenas migalhas ao povo.

Autor

  • Bacharel e licenciado em História pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC/Campinas), com especialização em Patrimônio Histórico e Cultural pela mesma universidade. Possui também especialização em Gestão Cultural pela Cátedra de Girona e Observatório Itaú Cultural.

Compartilhe esta postagem:

Participe da conversa