“Educ(ativa)”: uma reflexão sobre a promoção da autonomia por meio das metodologias ativas

Com texto de apresentação da diretora, veja esse documentário que “trata de iniciativas transformadoras em ambientes escolares”

Epígrafe do documentário Educ(ativa)

No livro Pedagogia da autonomia, Paulo Freire diz que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. O educador defende uma prática progressista e crítica, discorrendo sobre a necessidade de revisão do sistema tradicional, o que chama de “ensino bancário”. Nesse sentido, entende-se como tradicionalismo escolar quando o aprendiz é adestrado para memorizar mecanicamente o conteúdo ditado pelo mestre.

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Freire fornece diretrizes de como promover mudanças significativas e melhorar a qualidade da educação de maneira revolucionária. A educação deve estimular a inquietação, a criatividade e a persistência, ser um processo prazeroso e de descoberta, para além de uma cultura meramente enciclopédica, apartada do contexto histórico-social do discente (que, em muitos casos, decora os assuntos com a finalidade de expor os conhecimentos numa prova).

Foi se inspirando e se baseando nesse princípio que surgiu Educ(ativa), um documentário que trata de iniciativas transformadoras aplicadas a ambientes escolares públicos e particulares de ensino básico, as quais aperfeiçoam a experiência de aprendizagem dos estudantes e promovem autonomia por meio de metodologias ativas.

Em dois anos de execução e cerca de 100 entrevistas, exploraram-se novas dinâmicas de ensino na Finlândia, Grécia e no Brasil (em especial, na cidade de São Paulo). Além de alunos e professores, pais, historiadores, filósofos, especialistas, estudiosos e formuladores de políticas públicas deram seu depoimento para refletir sobre o papel da escola e identificar as possibilidades de construção de uma educação participativa e igualitária, que faça mais sentido para os estudantes, seja mais adequada às necessidades contemporâneas e se adapte às realidades locais.

Resgate do passado

Antes de apresentar a investigação sobre experiências de hoje, a produção se volta à época da Grécia Antiga, porque sua educação historicamente teve uma natureza reflexiva e dialógica. A atividade acadêmica no período antigo se associava mais ao interesse do jovem e menos à transmissão de informações orientada à formação técnica. Conduzia-se à sabedoria, trazendo à tona o que o indivíduo tinha de melhor. Em alguns casos, eram aplicados métodos de ensino que requeriam a participação do aprendiz e promoviam o pensamento crítico e a autoconsciência.

A prática revolucionária propunha, na cidade de Atenas, que as escolas (scholé ou, em português, “espaço do ócio”) fossem lugares abertos, onde fossem estimulados os debates, a defesa de teses e a contraposição de discursos. Apesar da organização social completamente diferente e uma educação pouco estruturada num sistema comparável à situação atual, alguns elementos da prática de ensino grega poderiam, sim, ser resgatados. Basta lembrar que o ensino, em diversos aspectos, ainda predominante é o constituído após a Revolução Industrial, elaborado para suprir as demandas da industrialização e servir de alternativa ao ateneu medieval, de base religiosa. A educação de massas surge, portanto, numa época de baixo acesso às informações e de quantidade selecionada de conteúdo, e não sofreu grandes alterações desde então.

Necessidade de mudança

O modelo tradicional de educação pode ser descrito como ultrapassado e falho, pois foi desenvolvido em outro contexto social, e carrega uma metodologia pouco eficiente baseada em memorização e recepção passiva. A conjuntura contemporânea dispõe do rápido acesso a informações, cenário em que o conhecimento enciclopédico e cumulativo não satisfaz as necessidades de agora.

A Era da Informação impõe um ritmo de transformação constante devido à produção acelerada de conteúdos, enquanto vida e tecnologia se tornam inseparáveis. Novos comportamentos culturais, hábitos de pensar e agir – habilidades, competências – estão sendo cada vez mais valorizados pelo mercado laboral, que clama por profissionais mais criativos, colaborativos, comunicativos, proativos, analíticos, dinâmicos, capazes de se adaptar rapidamente, que tenham iniciativa e liderança. Nos últimos anos, acompanhamos fortes transformações nos ambientes organizacionais, nos modos de produção e nas relações humanas. A sociedade mudou. Nosso estilo de vida já não é o mesmo. Então, por que a estrutura escolar, frequentemente, ainda é?

A contribuição das reformas clássicas, como linhas pedagógicas montessoriana, Waldorf, construtivista, tem seu devido mérito, só que não é suficiente para responder aos problemas atuais como um todo. Frente a isso, algumas instituições de ensino assumem a vanguarda ao propor transformações radicais por meio da experimentação, enquanto outras introduzem inovações de uma maneira mais gradual.

Fonte de inspiração

A maior referência dos últimos anos no cenário educacional é a Finlândia. O país figura nas primeiras posições do ranking do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) desde os anos 2000. O território nórdico destaca-se pela igualdade na educação, um ensino mais livre, com foco no aluno, alta qualificação de mestres e por, constantemente, repensar seu currículo, mesmo apresentando os melhores resultados. Um diferencial importante é que, ali, os docentes, as escolas e as autoridades locais têm independência para decidir o que é ensinado (compor o currículo) e como (metodologia adotada).

Nota-se que ações educativas que estão fundamentadas em práticas que fortalecem a participação dos educandos, considerando necessidades, individualidades e interesses, são alternativas para sua emancipação e participação ativa na resolução de problemas em suas comunidades.

Um programa de base ativa pode assumir várias formas, desde a “aprendizagem por investigação”, apoiada no método socrático, até inovações recentes como a autoaprendizagem individualizada, a dramatização e a simulação. Entretanto, cada concepção é única, na medida que não segue uma cartilha pronta ou se prende a um sistema, se desafiando à reinvenção constante. O que há em comum é que o currículo não é simplesmente transmitido de docente para estudante. É um processo por meio do qual os educandos estão engajados em procurar respostas, trabalhando cooperativamente, acessando informações, sintetizando e analisando, apresentando suas hipóteses, testando-as e desenvolvendo novas questões a serem exploradas.

Nesse sentido, o educador age mais como um mentor e um facilitador do que um palestrante. Sua função é mediar atividades, realizar a curadoria de materiais e fontes diversas de conhecimento, e atuar como designer da aprendizagem, identificando necessidades pedagógicas e lançando mão de ferramentas que sejam capazes de atendê-las. Não é justo jogar a responsabilidade da formação do cidadão em cima do professor, porque ele não é detentor de todas as respostas, e nem deveria ser. Nessas relações mais horizontais, existe oportunidade para a escuta, o diálogo e a construção colaborativa de conhecimentos de interesse real para a comunidade escolar.

Além disso, as instituições, para integrar esse movimento, por via de regra, estão mais conectadas com estas competências: pensamento crítico, resolução de problemas, colaboração, agilidade e comunicação efetiva. Dessa maneira, podem ser desenvolvidas atitudes que contribuam para a inserção do jovem na vida social, política e econômica da nação e os empodere para transformar seus saberes em ações significativas.

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O resultado, consequentemente, são pessoas de mente aberta, éticas, tolerantes e responsáveis, sem medo de arriscar, que vão demandar um padrão elevado, que não vão hesitar em expressar suas opiniões e vão saber como colocá-las e como ouvir as dos outros. Ou seja, cidadãos educados e ativos, compatíveis com uma sociedade democrática moderna.

Olhar para o futuro

Num cenário marcado por anti-intelectualismo, pós-verdades e desinformação, mais do que nunca, é preciso que a juventude seja educada para que esteja apta a questionar o poder constituído em vez de ser vítima de manipulação.

O objetivo do documentário Educ(ativa) é sensibilizar o público para a necessidade de mudança no ambiente escolar e fazer uma reflexão sobre técnicas que podem melhorá-lo. A produção destaca, entre as múltiplas e diversas formas de ensinar e aprender, uma possibilidade que favorece a participação ativa, colocando os estudantes no centro do processo educativo, compreendendo-os como protagonistas de suas próprias vidas, de seus territórios e do globo.

Por outro lado, é importante lembrar que histórias de sucesso isoladas impactam nas realidades locais sem, contudo, afetar o quadro geral. Então, é necessário que as experiências pontuais se conectem e que a sociedade se mobilize e se envolva com a causa, seja como professor, pais ou vizinhos.

Para alcançar o patamar desejado, não basta organizar expedições pelo mundo e trazer ao Brasil soluções milagrosas. Um projeto que funciona num país de 5,5 milhões de habitantes, como a Finlândia, provavelmente não teria êxito num cenário de dimensão continental.

Deve-se ter em mente também que a implementação das metodologias ativas é secundária quando se tem instituições que carecem de estrutura mínima, como saneamento básico e baixos salários para educadores educadores (fato que faz com que muitos trabalhem em duas ou até três instituições, resultando em profissionais cansados e com pouco tempo e recursos para se aperfeiçoarem).

Os órgãos governamentais, em resumo, precisam criar condições com programas eficazes e que tais projetos tenham continuidade e sejam estáveis, independentes da alternância de gestão política, já que essa questão, é certo, não vai se resolver do dia para noite.

Autor

  • Formada em jornalismo pela Universidade de São Paulo (USP), tem mestrado em produção executiva na Universidade da Coruña, na Espanha. Já escreveu para diversos veículos nacionais e internacionais. Autora do documentário Educ(ativa), pelo qual recebeu o prêmio Best by Audience 2020, no festival Heritales, de Portugal.

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