Rita de Cássia Lamino, literatura se ensina?

“Antes da literatura ser estudada, ela deve ser vivenciada”, afirma a professora

Nem sempre as primeiras opções são aquelas que levam à realização. Para Rita de Cássia Lamino, a docência não era nem sequer cogitada, mesmo quando se matriculou no curso de letras. No entanto, com o tempo, ela passou a enxergar a sala de aula como um caminho. E o seu fascínio pela literatura contribuiu e muito para que esse percurso fosse construído. Ou melhor: está sendo. Rita compartilha suas lembranças e percepções críticas na série Literatura se Ensina?, atentando-se para a necessidade de vivenciar a arte literária – condição, para a educadora, indispensável.

Rita de Cássia Lamino
Rita de Cássia Lamino | imagem: acervo pessoal


Quando e como foi o seu primeiro contato com a literatura?

O meu primeiro contato com a literatura foi no Ensino Infantil. Ficava fascinada quando a professora lia as histórias para a turma. Naquele período, ganhei da escola o livro Buraco de Formiga, Buraco de Tatu (1986), de Lúcia Pimentel Góis. Tenho ele ainda hoje e leio a história para os meus filhos. Também adorava os contos de fada, sendo Branca de Neve o meu preferido. 

Quais lembranças você tem do ensino de literatura na sua época de escola?

Do Ensino Infantil, lembro das rodas de leitura que a professora fazia. Do Ensino Fundamental, a recordação fica por conta de Maria Júlia, educadora que levava uma caixa de livros para a sala. O momento da escolha de uma das obras era especial para mim. Dessa forma, conheci e adorei títulos como Fugindo de Casa (1995), de Suzana Dias-Beck, Carapintada (1994), de Renato Tapajós, A Droga da Obediência (1984), de Pedro Bandeira, além da coleção Vaga-Lume. Já no Ensino Médio, havia as aulas de Magali, um professor que, com entusiasmo, falava sobre Camões e Castro Alves. Por conta dele, li Os Lusíadas (1572) e o poema “O Navio Negreiro”. 

Por que você decidiu cursar letras?

Para dizer a verdade, o curso de letras não foi minha a primeira opção, tampouco pensava em ser professora. Queria fazer faculdade de turismo. Porém, a faculdade de letras mais próxima era em uma cidade perto da minha e acabei prestando o curso com o objetivo de aprender bem inglês. Posteriormente, apaixonei-me pelas aulas de literatura em especial, as de literatura portuguesa dadas pela professora Hiudeia. Dali em diante, comecei a pensar na possibilidade de trabalhar como educadora e despertar nos alunos amor e interesse pela arte literária.

Como você começou a dar aula?

Formei-me na graduação em 2006, mas comecei a dar aula de português, de fato, em 2010, após terminar o mestrado. Decidi que, antes de iniciar o doutorado, atuaria, durante um ano, em sala de aula para saber se era o que eu queria mesmo fazer. Ministrei aulas em uma escola municipal da minha cidade e me senti realizada. Desde então, percebi que era isso mesmo o que quero para a minha vida. Um ano depois, entrei no doutorado e passei no processo seletivo para dar aula de literatura na Universidade Estadual do Paraná (Unespar). Lá fiquei até 2018 e, agora, atuo em duas escolas particulares. Amo o que faço.

O que não pode faltar em uma aula sua de literatura?

Não pode faltar o entusiasmo e a paixão pelos livros. O professor que não é leitor, que não vivencia a leitura das obras de que fala para seus alunos, não consegue despertar neles o gosto pela literatura. Além disso, acho muito importante a leitura integral dos textos literários (em particular, dos poemas), pois a leitura apenas de fragmentos disponibilizados pelos materiais didáticos tira o encanto da obra. Sempre que possível, busco levar o texto integral para os meus alunos e tento mostrar que o trabalho dialoga com o passado, o presente e outras artes e áreas do conhecimento.

Rita de Cássia Lamino
Rita de Cássia Lamino | imagem: acervo pessoal


Você acha que há idade certa para começar a ler clássicos?

Não acredito que exista uma idade certa para ler os clássicos. Tudo depende do envolvimento que temos com a literatura. Um jovem que gosta de ler uma hora vai procurar os textos clássicos. Sempre digo para os meus alunos que ler uma obra clássica é como um namoro: trata-se daquele livro com quem você briga, não entende às vezes, fica até nervoso com sua leitura – mas, depois, faz as pazes e, ao terminar, sai satisfeito e feliz, pois o clássico sempre acrescenta algo a mais em sua vida, aumenta o seu horizonte.

A partir de suas experiências, como você percebe a relação de jovens com obras literárias?

O adolescente de hoje em dia é muito imediatista e a leitura de um clássico, por exemplo, demanda tempo e uma certa força de vontade. Por isso, em certos casos, a obra literária perde espaço para filmes, séries e redes sociais e muitos alunos acabam lendo só os textos exigidos nos vestibulares. No entanto, enquanto docentes, podemos usar isso a nosso favor. Gosto muito dos poemas de Fernando Pessoa que têm sido cobrados nos exames. Na aula, explico sobre a vida do poeta e seus heterônimos (que sempre despertam a curiosidade dos estudantes), peço para eles pesquisarem mais informações sobre o autor e criarem memes para as redes sociais. É uma atividade que eles gostam bastante.

E é possível ultrapassar a obrigatoriedade do vestibular. Tudo depende da maneira como você apresenta a obra para os alunos. O professor deve se esforçar para despertar o interesse deles, mostrar que não devemos ler literatura apenas para passar em uma prova, mas por fruição e, principalmente, para nos ajudar a conhecermos a nós mesmos e a nossa interação com a sociedade. Costumo mesclar obras que caem e não caem em vestibulares.

Por fim, literatura se ensina?

Essa é uma pergunta difícil. A literatura se vivencia. Por meio dela, posso viver outras vidas, outros mundos e outras épocas. Por essas razões, conforme afirma o crítico literário Antoine Compagnon, deve ser lida e estudada, pois nos torna sensíveis às diferenças e aos valores dos outros diante dos nossos. E é aí que entra o papel do professor como mediador nessa relação entre os alunos e a obra: a partir das expectativas, sentimentos e conhecimentos dos estudantes, deve-se chamar a atenção para o que não foi observado por eles em um primeiro momento. Neste sentido, literatura se ensina. Contudo, antes de ser estudada, ela deve ser vivenciada. 

Autor

Compartilhe esta postagem:

Participe da conversa