Joel Thiago Klein: “Enquanto a filosofia for crítica e reflexiva, continuará em diálogo com Kant”

O vice-presidente da Sociedade Kant Brasileira fala sobre o filósofo de Königsberg em seu tricentenário de nascimento

Filósofo que pensou como se constitui o pensamento e quais os limites da nossa capacidade de conhecer, assim como discutiu a ética e nossa inserção na sociedade como indivíduos autônomos, Immanuel Kant faria 300 anos em 2024. Pela efeméride, Úrsula publicará uma série de entrevistas em torno do impacto perene do autor da Crítica da Razão Pura, da Crítica da Razão Prática e da Crítica da Faculdade do Juízo, entre outras obras. Abrindo o ciclo, conversamos com o vice-presidente da Sociedade Kant Brasileira e editor da revista Studia Kantiana Joel Thiago Klein, bacharel, mestre e doutor em filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O pesquisador e professor comenta a amplitude da influência kantiana – da filosofia política à filosofia da linguagem, de John Rawls a Michel Foucault, tocando a matemática, a biologia, a religião e outras áreas – nos introduzindo em uma filosofia “rica e variada” que vive “uma constante evolução”.

Selo de carta com a imagem do filósofo Immanuel Kant | imagem: Mike Steele

Que questão ou questões do nosso presente pode(m) ser abordadas de um modo produtivo se usarmos recursos da filosofia kantiana?

Mesmo se abstrairmos de várias teses substanciais da filosofia kantiana (apercepção transcendental, fato da razão, etc.), ela continuaria sendo uma importante fonte de recursos para tratar de qualquer questão filosófica, uma vez que uma das suas principais inovações se refere ao método. Trata-se de uma mudança de paradigma conhecida como giro copernicano no pensamento. De modo mais geral, esse giro se constitui na perspectiva de que antes de se responder a “questões do nosso presente” é preciso investigar sobre a própria legitimidade dessas questões e sobre as condições de possibilidade das respostas. Nem todas as questões possuem sentido e nem todas podem ser respondidas segundo as expectativas prévias. De todo modo, essa investigação sobre as condições de possibilidade deve ser assentada em princípios que podem ser publicamente partilhados, segundo os pressupostos de uma razão republicana. Enquanto a filosofia continuar sendo crítica e reflexiva, ela continuará em diálogo perene com a filosofia kantiana.

É possível ver Kant nos debates contemporâneos, mesmo que a sua influência não seja percebida ou reconhecida? Quais seriam alguns casos disso?

Seja de uma maneira direta ou indireta, pode-se afirmar com segurança que a filosofia de Kant ocupa um lugar privilegiado na história da filosofia e nas discussões contemporâneas. Isso ocorre na medida em que Kant conciliou um método revolucionário na análise dos problemas e os desenvolveu para as diversas áreas do conhecimento da época, tais como, matemática, lógica, física, biologia até áreas como ética, direito, história, religião, antropologia e estética. Muitos dos debates atuais levam as marcas da influência da filosofia kantiana, seja de maneira direta, como no caso de Rawls e Habermas na filosofia política e das ciências humanas, seja de uma maneira mais indireta, como em Nietzsche e Foucault. Também é possível apontar para influência de Kant na formação de inteiras correntes filosóficas, como no caso da filosofia analítica, filosofia da linguagem e pragmatismo.

Na obra de Kant, vê algum setor que considere pouco explorado, ou que tenha ainda problemas importantes a desenvolver? O que indicaria à pesquisa?

Exatamente porque a filosofia de Kant é tão rica e variada, mas também por ela ter passado por uma constante evolução, um dos temas que continuará sempre presente será a investigação sobre as formas de compatibilizar elementos aparentemente contrastantes em uma teoria coerente e sistemática, algo que o próprio Kant sempre almejava. Esse processo também permite uma abordagem reconstrutiva que exige a reavaliação de partes de sua filosofia tendo em vista teses controversas e erradas, mas que ocupam um lugar sistemático inferior na construção. Outro ponto que acredito que continuará a ter proeminência é a questão da análise e justificação da normatividade segundo uma perspectiva construtivista, seguindo os diversos desdobramentos iniciados por Rawls e desenvolvidos em diversas direções por autores como Herman, Korsgaard, O’Neill, Forst, entre outros.

Autor

  • Jornalista formado pela Universidade Santa Cecília. Doutorando e mestre em Ciência da Informação e graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduando em Filosofia Intercultural pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Especializado em Gestão Cultural pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc), um núcleo da USP. Como escritor, publicou o romance "As Esferas do Dragão" (Patuá, 2019), e o livro de poesia, ou quase, "*ker-" (Mondru, 2023).

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