O Marxismo de Louis Althusser: Uma apresentação

Althusser analisa as condições materiais do mundo e pondera pela necessidade de manter a revolução como horizonte de chegada

É dificílimo definir a extensão do marxismo, no espaço e no tempo, em poucas palavras. Karl Marx (1818-1883) formulou sua obra tangenciando a filosofia, a economia política, o direito e a história, mas foi Friedrich Engels (1820-1895) quem começou a definir (em seus diálogos com Marx e com sua obra) as bases de um pensamento e um método marxista. Marx era Marx e apenas isso, Engels é o primeiro marxista de verdade.

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Desde as últimas décadas do século XIX até os dias atuais, várias gerações tentaram definir e dar forma ao método marxista, de acordo com suas filiações acadêmicas. Existem as linhas marxistas economicistas, as historicistas, as deterministas e as francamente idealistas. Em alguma medida, todas contribuem para um diálogo acadêmico e para uma leitura da sociedade e da história a partir do materialismo histórico e dialético.

Althusser, por Arturo Espinoza | imagem: Flickr do autor

Louis Althusser (1918-1990), filósofo argelino de origem francesa, pode ser considerado um dos maiores expoentes de sua geração, muito embora tenha recebido críticas acerbas ao longo de toda a sua vida. Opondo-se, dentro do Partido Comunista Francês, ao filósofo Jean-Paul Sartre (1905-1980), Althusser manteve sua defesa de um marxismo científico e teoricamente totalizante, dentro e fora dos meios acadêmicos. E por isso foi taxado de positivista, estruturalista, stalinista e idealista.

Entretanto, o marxismo de Althusser está visivelmente calcado em um viés filosófico que reivindica para a história a necessidade de uma formulação de leis que tornem os mecanismos de devir compreensíveis dentro de premissas marxistas: a luta de classes, o papel do Estado e a necessidade de compreender como a burguesia (através do Estado) desenvolve mecanismos de controle tanto físicos quanto ideológicos para impor a sua ditadura em todas as instâncias de nossas vidas. Com esses pontos de partida, Althusser analisa as condições materiais do mundo à sua volta e pondera pela necessidade de manter a revolução como horizonte de chegada, em contraposição ao eurocomunismo, que se cristaliza como ideologia reformista.

É essa constante alteridade entre o mundo acadêmico e o mundo da militância política que vai se constituir em componente importante de sua obra, mas que vai cobrar um preço altíssimo em sua dramática vida.

Por ser um filósofo e não um historiador com pesquisa documental, Althusser podia permitir-se dar um peso excessivo aos processos históricos e renegar a ação humana, só valorizando-a quando seu caráter fosse coletivo. E é nesse sentido que as críticas de E. P. Thompson (1924-1993) a sua obra devem ser lidas, uma vez que as formulações epistemológicas de Althusser para a História entravam, frequentemente, em atrito com o diálogo história-antropologia para a compreensão do papel e do caráter da cultura na gênese da classe e no desenvolvimento de sua consciência. É nessa disputa, dentro do próprio Marxismo acadêmico, que a influência de Althusser perdura e ainda impacta diversos departamentos de história e ciências sociais, inclusive aqui no Brasil.

Um de seus conceitos mais conhecidos é o de aparelhos ideológicos do Estado, que define os mecanismos utilizados pela burguesia para impor sua ditadura e manter a hegemonia ideológica sobre as formas de nossos fazeres e de nosso pensar. A família, a religião, a escola, os sistemas de vigilância e punição, todos são as ferramentas utilizadas pelo Estado para exercer seu poder sobre os indivíduos para além da dimensão cidadã, adentrando mesmo em sua psiquê e influenciando sua visão de mundo para que se torne a mesma que a burguesia procura impor. A isso que também chamamos ideologia hegemônica, Althusser dedicará vários de seus estudos.

Entretanto, no que diz respeito ao Brasil, sua obra chegou até nós (durante a virada dos anos 1960-1970) a partir de dois livros: Pour Marx e Lire le Capital [Por Marx e Ler o Capital], ambos publicados originalmente em 1965. Nessas obras, em colaboração constante com outros autores e discípulos, Althusser vai desenvolver (entre outras aproximações para facilitar a leitura da obra marxiana) a ideia de uma ruptura epistemológica que divide a obra de Marx no que se convencionou chamar o jovem e o velho Marx. Sendo que o jovem teria uma influência ainda palpável do idealismo hegeliano e o velho já teria amadurecido o conteúdo original de seu pensamento, que daria origem ao marxismo.

Em sua constante batalha por um método epistemologicamente marxista, Althusser foi incorporando, ao longo de toda uma vida de reflexões, cada vez mais variáveis às suas leis para compreensão da filosofia e da história. Chegando mesmo, quase ao final de sua trajetória, a ponderar seriamente sobre o papel do acaso e da aleatoriedade nos nexos causais do devir histórico. O que torna sua obra particularmente dinâmica como radiografia da evolução de um pensamento sofisticado e moderno.

Este breve texto, cuja pretensão é unicamente apresentar Louis Althusser a novos leitores, está longe de esgotar a importância e a extensão de sua obra. Mesmo que, enquanto historiadora, minha afiliação teórica tenha se dado junto a um marxismo de viés muito mais próximo de E. P. Thompson, considero a interlocução de Althusser importantíssima. Inclusive, por sua crítica acadêmica a outros pensadores não marxistas.

Pode-se acusar Althusser (em alguns momentos) até de ser mais próximo de Foucault que de Marx, mas certamente jamais se poderá dizer que sua obra carece de originalidade.

Autor

  • Mestre e doutora em História Social pela Universidade de São Paulo, na área de concentração de História do Brasil. Pós-doutora em Filosofia da Educação pela Universidade Estadual de Campinas.

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