De Bolsonaro à Lula: a democracia sobrevive

Um panorama da política nacional, seus avanços e recuos, nos últimos anos. A partir de tudo isso, quais as nossas perspectivas?

Lula, na cerimônia de posse em 1º de janeiro de 2023 | imagem: Palácio do Planalto

Há uma certa dificuldade em analisar a conjuntura política nacional em tempos de extremismo e polarização política. Dificuldades que se colocam também aos intelectuais que se equilibram entre o engajamento em projetos politicamente orientados até a elaboração de uma análise imparcial dos fatos. Em todo caso, nosso objetivo e discorrer de maneira concisa e isenta sobre os principais momentos da política nacional nos últimos dois anos1.

Veja também:
>> “Vitória de Lula escancara os desafios para o futuro do Brasil“, por Anna Gicelle
>> “Lula e os desafios na política econômica“, por Rafael Soares Torres

No Brasil, o processo democrático foi construído a duras penas. Depois de longos períodos oligárquicos e ditatoriais, em que as liberdades individuais e a participação política foram minimizadas, o país avançou – após o ano de 1985 – com o movimento “Diretas Já”, a Constituinte de 1988 e a volta às urnas nas eleições de 1989, período também chamado de redemocratização. Dessa forma, vive-se uma situação peculiar no cenário político nacional. A eleição geral para presidente da República de 2022 configurou a oitava eleição direta consecutiva desde a abertura democrática. Com a vitória de Lula sobre Bolsonaro, completam-se 37 anos de democracia ininterrupta, algo inédito no país até então.

Sete pontos do que foi o governo Bolsonaro

O governo Bolsonaro (2019-2022) foi marcado pelo viés ideológico polarizado entre “esquerda” e “direita”, ao trazer aspectos liberais na economia e conservadores nos costumes. Defensor da Ditadura Militar e de seus representantes, Bolsonaro inflou o seu governo com quadros militares, tendo o seu vice-presidente, general Mourão, e mais de 130 militares das Forças Armadas nos primeiros e segundo escalões. Dos 22 ministros, oito foram militares2. Bolsonaro teve ainda no Ministério da Economia e da Justiça o seu par de ases: o economista Paulo Guedes e Sérgio Moro, o mesmo juiz que esteve à frente da Operação Lava Jato, que comandou o processo que condenou Lula à prisão3.

De uma forma geral, pode-se dizer que o governo Bolsonaro foi marcado pelos seguintes aspectos:

  1. nas relações internacionais o Brasil se distanciou da China, maior parceiro comercial do país. A China reduziu a compra de carne e soja em decorrência do uso abusivo de agrotóxicos4.
  2. na questão ambiental, o Ibama foi violentado, funcionários foram demitidos, cortando recursos e diminuindo atribuições. Além do mais, o IBGE foi atacado pelo presidente após divulgar os números do desemprego no país.
  3. nas questões sociais, foram efetuados cortes orçamentais no programa Minha Casa, Minha Vida, reforma agrária, aquisição de alimentos, demarcação de terras de comunidades tradicionais e a triste realidade do crescimento do desemprego, chegando a mais de 13 milhões.
  4. na educação, o Brasil teve retrocesso. As univesidades e professores foram atacados com a redução drástica de recursos e perseguição política.
  5. o governo Bolsonaro foi marcado pela desburocratização do Estado e a informatização de serviços públicos.
  6. durante o governo Bolsonaro o Brasil enfrentou a pandemia de covid-19 e teve aproximadamente 700 mil mortos. O negacionismo do presidente, suas críticas ao isolamento social, ao uso de máscaras, à vacinação e sua má gestão são apontados como os principais motivos para o Brasil ter um dos piores desempenhos na pandemia.
  7. o governo também foi marcado pelos atritos com os outros poderes, sobretudo com o Judiciário, e por atritos com os governadores, principalmente durante a pandemia (mais sobre o governo Bolsonaro, aqui)

Por essas e outras razões Bolsonaro foi o primeiro presidente que não conseguiu se reeleger desde a emenda constitucional de 1997 que estabeleceu esse dispositivo. No momento, o ex-presidente foi condenado em dois processos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e está inelegível até 2030; além disso, responde a vários processos, tendo conseguido vitórias em alguns casos.

Cinco pontos do governo Lula até agora

Lula venceu as eleições presidenciais de 2022. Aos 77 anos, o petista terá o seu terceiro mandato, algo inédito. Uma das características principais durante a campanha foi o processo de polarização entre os eleitores. A vitória de Lula só aconteceu no segundo turno das eleições obtendo 50,90% dos votos válidos sobre Jair Bolsonaro, que fez 49,10%. A diferença foi a mais apertada da história: pouco mais de 2,1 milhões de eleitores5.

O petista assumiu a presidência do Brasil em 1º de janeiro de 2023 com um histórico favorável, pois seus governos anteriores ficaram marcados por iniciativas e políticas que buscaram reduzir a pobreza, promover o crescimento econômico e melhorar a distribuição de renda. Ao terminar esse primeiro ano do terceiro mandato, podemos verificar pontos notáveis no mesmo caminho:

  1. Programas sociais: Lula reestruturou programas sociais significativos, como o Bolsa Família, que busca combater a pobreza e a desigualdade social, fornecendo assistência financeira a famílias em situação de vulnerabilidade.
  2. Crescimento Econômico: neste primeiro ano, o Brasil experimentou um período de crescimento econômico, impulsionado por políticas voltadas para a estabilidade macroeconômica e investimentos em infraestrutura. Já subimos da 12° posição, para a 9° posição entre as maiores economias globais.
  3. Política Externa: Lula buscou fortalecer as relações internacionais do Brasil, promovendo uma diplomacia ativa e construtiva. Ele também se envolveu em questões globais, como a promoção da paz no Oriente Médio e a defesa dos interesses dos países em desenvolvimento.
  4. Reformas estruturais: Apesar de algumas tentativas de implementar reformas estruturais, como a da Previdência, o governo de Lula enfrentou desafios políticos e teve que negociar com diferentes setores para obter apoio às suas propostas.
  5. Inflação e política monetária: Lula manteve uma política de controle da inflação e de estabilidade econômica, mantendo uma uma parceria relativamente harmoniosa com o Banco Central.

Os desafios que o governo Lula III enfrenta são enormes. O diálogo com um Congresso mais alinhado à direita torna ainda mais difícil ver o governo aprovar seus projetos. No entanto, nem tudo é derrota. O governo conseguiu alguns avanços, entre as medidas aprovadas no Congresso, destaca-se o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária, que vinha sendo debatida há decadas e tem potencial de estimular o crescimento. Na economia, o ano chega ao fim com a queda do desemprego e da inflação. O PIB vê percentuais positivos, melhor que o esperado; e a queda de juros tem uma trajetória de queda. Mesmo assim, o governo Lula tem sua aprovação moderada junto à opinião pública. Segundo o Datafolha de 5 de dezembro: governo Lula é aprovado por 38%; mas 30% o reprovam. No levantamento anterior, de setembro, os percentuais eram, respectivamente, de 38% e 31%.

Autor

  • Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), especialista em Pesquisa Científica pelo Centro Universitário Franciscano (Unifra), licenciado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Imaculada Conceição (Fafimc). Atua como palestrante e professor da UFSM. Autor de Democracia e Crise Política no Brasil (2013-2020) (2021) e Fundamentos da Teoria Política (2019), entre outros.

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