Um panorama da política nacional, seus avanços e recuos, nos últimos anos. A partir de tudo isso, quais as nossas perspectivas?
Há uma certa dificuldade em analisar a conjuntura política nacional em tempos de extremismo e polarização política. Dificuldades que se colocam também aos intelectuais que se equilibram entre o engajamento em projetos politicamente orientados até a elaboração de uma análise imparcial dos fatos. Em todo caso, nosso objetivo e discorrer de maneira concisa e isenta sobre os principais momentos da política nacional nos últimos dois anos1.
Veja também:
>> “Vitória de Lula escancara os desafios para o futuro do Brasil“, por Anna Gicelle
>> “Lula e os desafios na política econômica“, por Rafael Soares Torres
No Brasil, o processo democrático foi construído a duras penas. Depois de longos períodos oligárquicos e ditatoriais, em que as liberdades individuais e a participação política foram minimizadas, o país avançou – após o ano de 1985 – com o movimento “Diretas Já”, a Constituinte de 1988 e a volta às urnas nas eleições de 1989, período também chamado de redemocratização. Dessa forma, vive-se uma situação peculiar no cenário político nacional. A eleição geral para presidente da República de 2022 configurou a oitava eleição direta consecutiva desde a abertura democrática. Com a vitória de Lula sobre Bolsonaro, completam-se 37 anos de democracia ininterrupta, algo inédito no país até então.
Sete pontos do que foi o governo Bolsonaro
O governo Bolsonaro (2019-2022) foi marcado pelo viés ideológico polarizado entre “esquerda” e “direita”, ao trazer aspectos liberais na economia e conservadores nos costumes. Defensor da Ditadura Militar e de seus representantes, Bolsonaro inflou o seu governo com quadros militares, tendo o seu vice-presidente, general Mourão, e mais de 130 militares das Forças Armadas nos primeiros e segundo escalões. Dos 22 ministros, oito foram militares2. Bolsonaro teve ainda no Ministério da Economia e da Justiça o seu par de ases: o economista Paulo Guedes e Sérgio Moro, o mesmo juiz que esteve à frente da Operação Lava Jato, que comandou o processo que condenou Lula à prisão3.
De uma forma geral, pode-se dizer que o governo Bolsonaro foi marcado pelos seguintes aspectos:
- nas relações internacionais o Brasil se distanciou da China, maior parceiro comercial do país. A China reduziu a compra de carne e soja em decorrência do uso abusivo de agrotóxicos4.
- na questão ambiental, o Ibama foi violentado, funcionários foram demitidos, cortando recursos e diminuindo atribuições. Além do mais, o IBGE foi atacado pelo presidente após divulgar os números do desemprego no país.
- nas questões sociais, foram efetuados cortes orçamentais no programa Minha Casa, Minha Vida, reforma agrária, aquisição de alimentos, demarcação de terras de comunidades tradicionais e a triste realidade do crescimento do desemprego, chegando a mais de 13 milhões.
- na educação, o Brasil teve retrocesso. As univesidades e professores foram atacados com a redução drástica de recursos e perseguição política.
- o governo Bolsonaro foi marcado pela desburocratização do Estado e a informatização de serviços públicos.
- durante o governo Bolsonaro o Brasil enfrentou a pandemia de covid-19 e teve aproximadamente 700 mil mortos. O negacionismo do presidente, suas críticas ao isolamento social, ao uso de máscaras, à vacinação e sua má gestão são apontados como os principais motivos para o Brasil ter um dos piores desempenhos na pandemia.
- o governo também foi marcado pelos atritos com os outros poderes, sobretudo com o Judiciário, e por atritos com os governadores, principalmente durante a pandemia (mais sobre o governo Bolsonaro, aqui)
Por essas e outras razões Bolsonaro foi o primeiro presidente que não conseguiu se reeleger desde a emenda constitucional de 1997 que estabeleceu esse dispositivo. No momento, o ex-presidente foi condenado em dois processos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e está inelegível até 2030; além disso, responde a vários processos, tendo conseguido vitórias em alguns casos.
Cinco pontos do governo Lula até agora
Lula venceu as eleições presidenciais de 2022. Aos 77 anos, o petista terá o seu terceiro mandato, algo inédito. Uma das características principais durante a campanha foi o processo de polarização entre os eleitores. A vitória de Lula só aconteceu no segundo turno das eleições obtendo 50,90% dos votos válidos sobre Jair Bolsonaro, que fez 49,10%. A diferença foi a mais apertada da história: pouco mais de 2,1 milhões de eleitores5.
O petista assumiu a presidência do Brasil em 1º de janeiro de 2023 com um histórico favorável, pois seus governos anteriores ficaram marcados por iniciativas e políticas que buscaram reduzir a pobreza, promover o crescimento econômico e melhorar a distribuição de renda. Ao terminar esse primeiro ano do terceiro mandato, podemos verificar pontos notáveis no mesmo caminho:
- Programas sociais: Lula reestruturou programas sociais significativos, como o Bolsa Família, que busca combater a pobreza e a desigualdade social, fornecendo assistência financeira a famílias em situação de vulnerabilidade.
- Crescimento Econômico: neste primeiro ano, o Brasil experimentou um período de crescimento econômico, impulsionado por políticas voltadas para a estabilidade macroeconômica e investimentos em infraestrutura. Já subimos da 12° posição, para a 9° posição entre as maiores economias globais.
- Política Externa: Lula buscou fortalecer as relações internacionais do Brasil, promovendo uma diplomacia ativa e construtiva. Ele também se envolveu em questões globais, como a promoção da paz no Oriente Médio e a defesa dos interesses dos países em desenvolvimento.
- Reformas estruturais: Apesar de algumas tentativas de implementar reformas estruturais, como a da Previdência, o governo de Lula enfrentou desafios políticos e teve que negociar com diferentes setores para obter apoio às suas propostas.
- Inflação e política monetária: Lula manteve uma política de controle da inflação e de estabilidade econômica, mantendo uma uma parceria relativamente harmoniosa com o Banco Central.
Os desafios que o governo Lula III enfrenta são enormes. O diálogo com um Congresso mais alinhado à direita torna ainda mais difícil ver o governo aprovar seus projetos. No entanto, nem tudo é derrota. O governo conseguiu alguns avanços, entre as medidas aprovadas no Congresso, destaca-se o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária, que vinha sendo debatida há decadas e tem potencial de estimular o crescimento. Na economia, o ano chega ao fim com a queda do desemprego e da inflação. O PIB vê percentuais positivos, melhor que o esperado; e a queda de juros tem uma trajetória de queda. Mesmo assim, o governo Lula tem sua aprovação moderada junto à opinião pública. Segundo o Datafolha de 5 de dezembro: governo Lula é aprovado por 38%; mas 30% o reprovam. No levantamento anterior, de setembro, os percentuais eram, respectivamente, de 38% e 31%.
Notas