A professora Esdras

“Ela sabe meu nome”, pensou a menina, com o coração acelerado

imagem: Mali Unaba

Posso contar ainda sobre a professora Esdras, que, pensando hoje, certamente foi minha professora favorita das primeiras séries. Ela era séria, cultivava um afeto bastante geral e coletivo para com todos os alunos. Tinha os cabelos bem curtos, usava sempre calça jeans e camiseta. Não era uma professora muito faladeira. Passava as lições de Geografia, ou Estudos Sociais, dava algumas propostas de desenhos nas aulas que também assumia de Artes, mas era uma professora bastante discreta.

Foram alguns anos letivos, nas primeiras séries, tendo aulas com a professora Esdras. Desde que a conheci achava curioso e ficava intrigada com seu nome, não apenas por ser incomum, mas porque era um nome, como diz minha mãe, um nome bíblico, um nome que aparece na Bíblia e que ainda por cima era o nome de um homem, um sacerdote, escriba e líder do povo judeu por volta de 450 a.C., que ajudou seu povo a escapar do exílio na Babilônia. Minha irmã explicava que era um nome que servia tanto para homens quanto para mulheres, como Delvair, por exemplo, o nome da sua sogra.

Sei que eu admirava a professora Esdras, adorava copiar seus longos textos da lousa, no caderno, com muita atenção, acompanhando o ritmo da professora, para não ficar para trás. Tanto que a cena mais viva na minha memória de alguma tarde de aulas ali, na 3ª ou 4ª série, foi quando a professora Esdras bateu à porta da sala e era aula da professora Elaine, minha xará. Quando abriu, notou aquela sala cheia e silenciosa e perguntou pela Elaine. A professora achou que era com ela, e logo respondeu, “Pois não?”. Mas a professora Esdras procurava por mim, e desfez a confusão apontando para a aluna, sentada na terceira carteira da primeira fileira, de frente com a mesa da professora. “Não, não. Estou falando da Elaine, aluna”, e me chamou até a porta perguntando se eu podia lhe emprestar meu caderno de Geografia, pois ela havia esquecido o livro em casa, e precisava passar o mesmo texto, que havia passado para a gente na última aula, para a outra turma também.

Aquela séria professora confiava no meu registro, sabia o meu nome e me pedia um favor que me enchia de orgulho poder atender. A lembrança da sensação é exatamente essa. De que alguém, por acaso, por um lapso de esquecer seu livro em casa, logo se lembrava de mim, como uma saída, pois aquele registro é muito confiável, aquela aluna é muito atenta, e seu caderno, muito organizado. Pois uma sala de aula, dentre tantas salas de aula em uma escola pública, sempre cheia de crianças é um lugar amplo e bem plural, onde cedo fui me notando destacada, por vezes com isso envergonhada. Porém, nesse dia havia um sentimento de satisfação. Era uma satisfação ajudar a professora Esdras. Ela sabia meu nome, pensava com o coração acelerado enquanto caminhava até a porta, com meu caderno com capa de girassol nas mãos.

Talvez parte da euforia com aquele acontecimento, ali, entre a professora Esdras e a professora Elaine, tenha sido por conta das próprias dificuldades que eu tinha com a professora xará, que era tão brava. A reação sem graça da professora Elaine ao ver que a professora Esdras solicitava não a ajuda dela, mas da aluna mesmo, da outra Elaine, também foi algo que me satisfez quando acesso aquela cena toda, hoje, na memória. Talvez esse pedido do caderno emprestado tenha ocorrido dias depois daquela outra cena com as fofocas e os berros da professora xará. A confiança depositada pela professora Esdras sobre mim mostrava à professora Elaine uma aluna que ela parecia ainda não ter enxergado.

A segunda recordação com a professora Esdras que também guardo, ainda mais doce, é a cena de quando em uma aula de Artes, carteiras todas ajuntadas em grandes grupos, ela distribuiu folhas de sulfite e pediu que desenhássemos livremente, reparando na canção que ela ia por para tocar. Como pôs, no minissom dos anos 90 sobre a sua mesa, para tocar Águas de Março com a Elis e o Tom, canção que eu nunca havia escutado, e que me encantou, como invariavelmente me encantava cada coisa nova e bonita que a escola pública, e aquelas distintas professoras, me apresentavam.

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