Sebo nas canelas, o jogo do Brasil vai começar

Eu sentia falta disso. Dessa comoção momentânea e sincera pela seleção

Torcedores assistem a um jogo do Brasil | imagem: Save the Dream

Gosto do clima que precede uma tempestade. O céu escurecido, o vento robusto nos obrigando a fechar os olhos e o volume do som dos trovões aumentando progressivamente. No ar, o magnetismo levanta o lixo descartado nas calçadas e eriça nossos cabelos.

O que eu mais gosto, porém, é do semblante das pessoas. Ele fica inconfundível. O senso de sobrevivência grita nas expressões dos transeuntes. Apressados, todos se movimentam, olhando para o céu, como se as mais complexas questões do Universo fossem respondidas pelo cinza das nuvens.

Tudo para chegar em segurança ao lar.

Nesta Copa, eu presenciei situação semelhante. Passaram-se poucos minutos do meio-dia e, em menos de uma hora, a seleção brasileira de futebol entraria em campo.

Eu senti a expectativa das pessoas pelas ruas. No trânsito, mais embolado do que o normal, os motoristas se impacientavam. Buzinas eram acionadas ao menor sinal de retenção. O sinal ficou verde e o carro da frente demorou um segundo para acelerar? Bééééé. Alguém manobrando para estacionar? Bééééé. Idoso atravessando a via na faixa de pedestre? Bééééé.

Nos pontos de ônibus, o olhar apreensivo de quem ainda não tinha sido resgatado por sua condução. Alguns desses passageiros portavam orgulhosamente suas camisas verdes ou amarelas. O celular, sacado do bolso a cada segundo, ligava o alerta: se aproximava a hora do jogo.

Os estabelecimentos comerciais estavam agitados. Bares e restaurantes enfeitados com bandeiras nacionais e com os trabalhadores vestidos de forma temática. As TVs, evidentemente, sintonizadas no pré-jogo. Na transmissão, o Olodum desempenhava seu dever cívico de agitar a torcida por todo o país. Nas mesas, clientes torcedores se acomodavam com suas cervejas geladas: afinal, a alegria só é uma certeza antes da partida começar.

Nas calçadas, diferente do trânsito lento, as pessoas se moviam com afobação. Uma corrida histérica para chegar em casa antes do Galvão Bueno avisar que o árbitro errrrrrrrrgueu o braço.

Eu sentia falta disso. Dessa comoção momentânea e sincera pela seleção. Mesmo que seja para criticar alguns de seus jogadores. De preferência, atualmente, cornetar os mais minions. É bonito ver tanta gente deixar de lado as paixões clubísticas para sofrer por um mesmo time.

Há quanto tempo eu não via alguém com a camisa da CBF e não sentia repulsa? Pode ser um mané indo amolar nossa democracia em manifestações golpistas? Pode. Mas, até que se prove o contrário, talvez seja apenas mais um torcedor da seleção.

Enfim, chegou a hora do jogo. Deixei meu andar descompromissado e acelerei o ritmo. Afinal, era dia de jogo de Copa. Depois de observar com tanta curiosidade a correria dos outros, eu precisava confirmar se a pressa deles valeria a pena.

Autor

  • Historiador de formação, escritor por teimosia, mas paga as contas trabalhando no serviço público. É autor de Contos de autoajuda para pessoas excessivamente otimistas (LiteraCidade, 2014), O voo rasante do pombo sem asas (Isadora Books, 2021) e Estilhaços, no prelo. Publica crônicas no site Digestivo Cultural desde 2015.

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