Envolta por lembranças pessoais, uma história da seleção brasileira em Copas – ao lado da expectativa pelo confronto entre Mbappé e Messi
Não testemunhei o grande feito da seleção brasileira de Futebol, em 1958, na Suécia. Nasci às vésperas da Copa que revelou ao mundo a genialidade de Garrincha e o talento do menino Pelé. Porém, desde que comecei a me entender por gente, ouvia minha mãe e meu pai cantarolarem a canção que embalou essa primeira conquista rumo à posse definitiva da Jules Rimet: “A taça do mundo é nossa // com os brasileiros // não há quem possa // ê eta esquadrão de ouro // é bom no samba // é bom no couro”.
A mesma música ditou o ritmo do segundo título, alcançado no Chile, em 1962, pelo escrete, que reunia nomes mencionados com idolatria. O do treinador, para uma criança de 4 anos e alguns meses, como eu, tinha uma sonoridade especial: Aymoré Moreira. Obviamente, não acompanhei a transmissão radiofônica daqueles jogos.
Minha primeira lembrança marcante de Copa do Mundo remonta a 1966 e à narração nervosa e ligeira de um locutor de rádio. Aos quase 9 anos, fiquei indignada ao ouvir que Pelé havia sido retirado de campo contundido, devido à quantidade de faltas maldosas cometidas por chuteiras de Portugal. A notícia significava a desclassificação brasileira no campeonato da Inglaterra. Nossa seleção voltava, sem taça, sem título e sem a possibilidade de reunir novamente em campo Garrincha e Pelé.
Pelo Brasil, como na minha casa, a preocupação de fato concentrava-se na área política. Havia dois anos que o país sofrera um golpe de estado e vivia sob regime ditatorial. Nem todos entendiam o mal que essa situação representava. A não ser aqueles que foram atingidos pela nova ordem governamental imposta pelos militares.
Quando chegamos a 1970, a condição política era muito pior, mas não impediu a paixão da torcida pela seleção brasileira, que foi competir no México, sob o comando de Mário Jorge Lobo Zagallo e no compasso ufanista da música: “Noventa milhões em ação // Pra frente, Brasil // do meu coração. // Todos juntos vamos // Pra frente, Brasil, // Salve a Seleção”.
Formado por uma coleção absurda de craques, o time desenhava arte nos gramados. Com dribles, cabeceadas e passes precisos, transformava sonhos em gols e deixava os torcedores em êxtase.
Os autores dessa façanha eram Pelé, Tostão, Jairzinho, Rivelino, Gérson (o canhotinha de ouro), Clodoaldo, Everaldo, Piazza, Brito, Carlos Alberto (capitão) e Félix (goleiro). Para uma eventual substituição do goleiro, havia os jovens, belos e promissores Ado e Leão. Se fosse preciso, o banco de reservas permitia ao técnico a formação de outra equipe quase do mesmo nível.
A admiração pela seleção de 1970 não se restringia aos brasileiros. Mexicanos de Guadalajara e da Cidade do México, lugares onde a equipe jogou, vestiram-se de verde e amarelo, depois que o time local se desclassificou. Durante as partidas do Brasil, eles animavam as arquibancadas, fazendo a ola.
Quando no Estádio Azteca, na capital mexicana, Carlos Alberto Torres ergueu a taça Jules Rimet, conquistada definitivamente devido ao tricampeonato, a torcida invadiu o campo e pôs um sombreiro na cabeça de Pelé. Assim, erguido nos ombros dos mexicanos, o Rei do Futebol deu a volta olímpica.
Em 1970, foi a primeira vez que o Brasil assistiu a uma Copa do Mundo pela televisão. Quem, como eu, aos 12 anos, teve o privilégio de testemunhar as jogadas narradas por Geraldo José de Almeida, jamais vai se esquecer. Com a voz vibrante em tom elevado, referia-se aos gols desta forma: “Linda! Linda! Linda! No barrrrbante! Olha lá, olha lá, olha lá, no placarrrr”. Quando as jogadas não se concretizavam em gols, ele lamentava: “Por pouco, pouco, muito pouco, pouco mesmo!”.
A partir de então, o torcedor brasileiro criou um grau de exigência em relação aos jogos da seleção de futebol que apenas a vitória já não lhe bastava. Além do resultado, ele também passou a exigir um espetáculo nos gramados. Talvez por esse motivo, deixo de fora das recordações muitas Copas seguintes.
Porém, alguns fatos jamais serão esquecidos. Em 1994, por exemplo, quando o Brasil conquistou o tetracampeonato nos Estados Unidos, o zagueiro colombiano Andrés Escobar beneficiou os donos da casa com um gol contra, na fase de grupos. Era dia 22 de junho. Ao voltar para seu país, o jogador pagou o erro com a própria vida. Foi morto a tiros em 2 de julho, em Medellín.
Em 4 de julho, no confronto entre Brasil e o time anfitrião, nas oitavas de final, nosso lateral Leonardo teve a camisa agarrada pelo adversário Tab Ramos. Para se soltar, ele deu uma cotovelada no norte-americano, que sofreu grave fratura na cabeça. Como punição, a Fifa expulsou o brasileiro do campeonato.
No dia seguinte, a Nigéria quase despachou a Itália para casa. Os velozes africanos venciam a equipe tricampeã por 1×0, mas os Águias, como eram chamados, cometeram a insensatez de dar “olé” em Roberto Baggio, o melhor jogador do mundo, e em seus companheiros da Squadra Azzurra.
No finalzinho do segundo tempo, o italiano roubou a bola no meio do campo e empatou o jogo. Houve prorrogação. Quando outro Baggio, o Dino, fez um gol, a Itália, que caía de cãibras pelo gramado, reviveu. Os Águias se despediram.
Brasil e Itália enfrentaram-se no jogo final da competição. Após o tempo regulamentar e a prorrogação, com o placar de zero a zero, as duas equipes disputaram o título nos pênaltis. Quem bateu por último foi Roberto Baggio. Diante do goleiro Taffarel, ele chutou a bola no estilo jornada nas estrelas. A cobrança não fez jus à sua gloriosa carreira, e o tetracampeonato tornou-se verde-amarelo.
Quatro anos depois, a grande final foi entre Brasil e França, que tentava seu primeiro título. Até hoje, não entendi o que aconteceu. Ronaldo Fenômeno teve uma convulsão, mas foi escalado para o jogo. Os franceses fizeram três gols: dois de Zidane e um de Petit, sagrando-se campeões. Os brasileiros saíram zerados e com o vice-campeonato. Uma enxaqueca pavorosa me atordoou.
Em 2002, os jogos da Copa, realizados de modo inédito na Coreia do Sul e no Japão, nos obrigaram a acordar de madrugada para torcer. O sacrifício valeu a pena. A seleção do Brasil conquistou o pentacampeonato, sob o comando de Luiz Felipe Scolari, o Felipão. Já Ronaldo Fenômeno, com a camisa 9, deu ao mundo um exemplo de superação. Depois de sofrer, dois anos antes, uma gravíssima lesão no joelho direito, tornou-se o artilheiro, com oito gols.
A nota triste ficou por conta da morte do jornalista e escritor Roberto Drummond, na madrugada em que o Brasil vencia a Inglaterra e avançava no campeonato. Depois de entregar sua crônica ao jornal O Estado de Minas, dizendo que gostaria de saber o resultado daquela partida, o autor do romance Hilda Furacão passou mal e morreu.
Na Copa de 2006, na Alemanha, fomos eliminados nas quartas de final pela França, que, por sua vez, perdeu para a Itália, na disputa pelo primeiro lugar. Nesse jogo, em que se despedia da seleção francesa, o atacante Zinédine Zidane foi expulso do campo, após dar uma cabeçada no peito do adversário Marco Materazzi. O motivo foram os comentários maldosos que o italiano fez sobre Lila, irmã de Zidane, para desestabilizá-lo na prorrogação.
Quanto a nós, brasileiros, perdemos mais que a chance de obter o hexa. O humorista Bussunda, do Casseta & Planeta, que integrava o grupo de cobertura do campeonato, não resistiu a um ataque cardíaco, em Vaterstetten, cidade próxima a Munique, em 17 de junho, oito dias antes de fazer 44 anos.
O insistente som das vuvuzelas e a popularidade da bola Jabulani marcaram a Copa de 2010, na África do Sul. O evento permitiu que a terra de Nelson Mandela mostrasse a todos os continentes suas cores, suas danças, seus cantos, seu time Bafana Bafana e muita alegria, apesar de carregar na alma a triste memória do regime de segregação racial apartheid, que durou 42 anos e subjugou cruelmente a população negra.
Em campo, nas quartas de final, a Holanda barrou o sonho brasileiro do hexa. Por sua vez, o atacante uruguaio Luiz Suárez impediu com a mão o gol de Gana, no final da prorrogação. Recebeu cartão vermelho. Gana cobraria um pênalti. Era a chance do desempate e de uma vaga nas semifinais. Asamoah Gyan chutou, mas a bola favoreceu a Celeste. Bateu no travessão e não entrou. Caminhando devagar pelo túnel, em direção ao vestiário, Suárez ouviu o som da torcida e comemorou. A decisão da partida foi para os pênaltis. Gana acertou apenas dois. Uruguai converteu quatro e terminou a Copa em quarto lugar. Espanha foi a campeã.
Em 2014, o Brasil sediou a Copa. Nossa Seleção, de novo, teve Luiz Felipe Scolari, o Felipão, como técnico. Dessa vez, porém, embora tenhamos chegado às semifinais, sofremos a maior humilhação que o único time pentacampeão do mundo poderia amargar. Não pela derrota de 7×1, mas pelo modo como a equipe se portou diante da então poderosa Alemanha, do treinador Joachim Löw, que se tornou tetracampeã no Rio de Janeiro, no Estádio do Maracanã.
No dia 8 de julho de 2014, no Mineirão, a equipe alemã era formada por Manuel Neuer (goleiro), Philipp Lahm, Jérôme Boateng, Mats Hummels (Mertesacker), Benedikt Höwedes, Bastian Schweinsteiger, Sami Khedira (Draxler), Toni Kroos, Mesut Özil, Thomas Müller e Miroslav Klose (Schürrle).
Pelo Brasil, entraram em campo: Júlio César (goleiro), Maicon, David Luiz, Dante, Marcelo, Luiz Gustavo, Fernandinho (Paulinho), Bernard, Oscar, Hulk (Ramires) e Fred (Willian). Neymar estava fora da Copa, devido à fratura na terceira vértebra lombar, causada por uma entrada violenta do colombiano Zuñiga, nas quartas de final. Com cartão amarelo, o capitão Thiago Silva permaneceu no banco de reservas.
Tanto o time quanto a torcida tinham a certeza da vitória, até que Thomas Müller abriu o placar a favor da Alemanha aos 11 minutos. Aos 23, Klose fez o segundo. Aos 24, Kroos cravou o terceiro. Aos 26, o mesmo Kroos balançou a rede com o quarto gol. Aos 29, Khedira consumou o quinto, para desespero de Júlio César e de todo o país, que emudeceu.
No segundo tempo, a tortura prosseguiu. Aos 24 minutos, André Schürrle, que substituiu Klose, elevou o placar para 6×0. Dez minutos depois, fechou a goleada com o sétimo. Diante da letargia dos brasileiros, restava a impressão de que os alemães não fizeram mais apenas por compaixão. Tanto que no final da partida, aos 45 minutos, ninguém se empenhou em evitar a jogada de Oscar. Nem o goleiro Neuer. Assim, saiu o gol de honra do Brasil e o placar registrou para a história do futebol o resultado de 7×1.
Aquela chuva de gols teria sido uma forma de vingar o goleiro alemão Oliver Khan, eleito três vezes o melhor do mundo? Difícil saber, mas Ronaldo Fenômeno fez Khan rastejar no último dos dois gols que marcou contra a Alemanha, em 30 de junho de 2002, em Yokohama, no Japão. Os 2×0 naquela partida garantiram ao Brasil a conquista do pentacampeonato. Oliver Khan já declarou, em entrevista, que precisou de tratamento psicológico para superar a depressão, após aquela derrota diante de milhões de pessoas.
Em 2018, na Rússia, a seleção da Alemanha não era nem sombra da que humilhou o Brasil. Depois de perder do México e da Coreia do Sul, foi desclassificada na fase de grupos. A seleção brasileira chegou às quartas de final, mas perdeu para a Bélgica. Os bons ares sopraram para a Croácia, que, capitaneada por Luka Modric, se tornou vice-campeã. A França também se deu bem. Revelou nomes como Mbappé e conquistou o bicampeonato. Vale registro que a tetracampeã seleção da Itália, algoz do Brasil em 1982, ficou fora da Copa da Rússia, assim como não foi ao Catar.
A Copa de 2022, no Catar, chamou a atenção pelos protestos contra qualquer tipo de discriminação e pela quantidade de zebras nos resultados. Ainda na fase de grupos, seleções favoritas, como a da Alemanha, sucumbiram diante de equipes sem tradição no futebol, como a do Japão. Marrocos foi a grande surpresa, reunindo técnica, talento, garra e emoção. Não é à toa que, ao lado de Croácia, Argentina e França, integra o quarteto finalista.
No embate entre as bicampeãs França e Argentina, o mundo se divide. No âmbito dos brasileiros, há quem não perdoe nossos vizinhos e eternos rivais de bola, por causa das zombarias e por não admitirem que Pelé foi melhor que Maradona. Outros não se esquecem de que a França foi quem mais eliminou nossa seleção em Copas do Mundo: em 1986, 1998 e 2006. De outro lado, há os que consideram Les Bleus a melhor equipe da atualidade, com destaque para a sintonia entre seus craques, além da potência, velocidade e altivez do jovem Kylian Mbappé, revelado no campeonato de 2018.
Sobre Los Hermanos, temos que admitir: eles são tão apaixonados, quanto nós, pelo esporte nascido em berço inglês. Devotam a seus ídolos uma fidelidade maior que a conjugal. Na vitória e na derrota. Para além da vida. São, por exemplo, convictos de que Deus se chama Maradona e valorizam aquele gol de mão, da Copa de 1986, que hoje o VAR anularia. Só não se convencem de que o Rei do Futebol é brasileiro.
Também não podemos negar que eles são como a fênix, têm a capacidade de renascer das cinzas. Principalmente, pelo entrosamento entre os jogadores, pela raça que demonstram em campo, pela aliança fervorosa com a barulhenta e cantante torcida e por contar com a genialidade de um dos maiores jogadores do mundo, Lionel Messi. É impressionante vê-lo jogar.
A bola voltará a rolar pela Copa do Mundo daqui a quatro anos. O que nunca deve faltar são olhos abertos aos encantos de jogadas e dribles, que lembram um bailado, e ouvidos atentos aos sons das arquibancadas, que emanam uma espécie de oração e bênção. Quando esses elementos se fundem, se dá a magia. Os que correm de um lado a outro do gramado se iluminam e fazem explodir uma onda gigante de emoção, quando a bola estufa a rede por trás do goleiro e concretiza um lance denominado gol. Bendita seja a arte do futebol.