A Copa de 2022 em três tempos (e uma prorrogação)

Os abismos políticos de uma Copa no Qatar, a seleção brasileira parada no tempo, um craque inesperado e a vitória da narrativa na final

La’eeb, mascote da Copa, está julgando você

Primeiro tempo: Um elefante na sala

Quando se tem um certo grau de consciência política, acompanhar a Copa do Mundo fica um pouco difícil. Afinal, o torneio é uma realização da Fifa, entidade sem nenhum escrúpulo que ignora preceitos básicos de qualquer sorte.

Por exemplo: para realizar a Copa do Mundo no Qatar, a Fifa ignorou o fato de que milhares de trabalhadores morreram devido ao calor intenso e às sofríveis condições de trabalho em obras feitas para o evento. Ignorou, também, a maneira abjeta como o Qatar lida com os direitos humanos; lá, ser homossexual pode levar à morte, para citar um dos exemplos mais chocantes.

Em vez de usar seu poder – futebol também é poder, mas essa é uma conversa mais longa e não sou a melhor pessoa para conduzi-la – de modo a buscar avanços em áreas importantes ao redor do mundo, a entidade se furta disso e se torna cúmplice de uma ditadura que não respeita direitos humanos básicos (percebo que acabo de cair num pleonasmo – afinal, qual ditadura respeita os direitos humanos? –, mas o mantenho mesmo assim).

O episódio mais patético dessa postura da Fifa foi impedir que as seleções utilizassem, em seus uniformes ou nas braçadeiras de capitães, detalhes com as cores da bandeira LGBTQIAP+. Mas várias equipes, como Alemanha, País de Gales e até mesmo o Irã, encontraram formas de protestar, como posar para a tradicional foto antes do jogo com as mãos tapando a boca (Alemanha) e fazendo silêncio durante a execução do hino nacional (Irã).

Além de tudo isso, há ainda a suspeita de que a Copa só tenha acontecido no Qatar devido a algum tipo de suborno. Robert Habeck, ministro da economia da Alemanha, foi taxativo: “A ideia de realizar a Copa do Mundo em temperaturas como a do Qatar sempre foi uma ideia maluca e não pode ser explicada de outra forma senão pela corrupção”.

Diante de tantas implicações políticas nesta Copa, me pergunto se o Tiago Leifert está bem. Força, guerreiro.

Segundo tempo: A tragédia brasileira e algumas zebras

A seleção brasileira chegou à Copa como uma das favoritas ao título. Liderada – ao menos tecnicamente – pelo menino Ney, o time treinado por Tite (quase um trava-língua) foi uma das maiores decepções do torneio, sendo eliminada nas quartas de final pela Croácia.

Aparentemente, a comissão técnica da nossa seleção ainda não percebeu que o nosso futebol encontra-se parado no tempo. Enquanto as quatro seleções finalistas mostraram disciplina e disposição de sobra, a seleção brasileira em muitos momentos parecia desordenada e apática.

Numa Copa em que a zebra correu solta – Alemanha perdendo para o Japão, Espanha derrotada pelo escrete marroquino, e até mesmo a Argentina tropeçando na Arábia Saudita –, nossa seleção também fez a sua parte, perdendo para Camarões. Mas, contra a Croácia, vice-campeã da Copa de 2018, não foi zebra. Foi desatenção, desleixo e atraso. Sem menosprezar, obviamente, o talento, a disposição e a aplicação tática dos croatas.

Que o tão sonhado hexa venha em 2026, e que daqui até lá os jogadores brasileiros, a futura comissão técnica e a CBF baixem a bola e trabalhem como se suas vidas dependessem disso. Porque está mais do que explícito que, para muitos deles, jogar pela seleção é menos importante que jogar por seus clubes. E quanto aos dirigentes, bem… Melhor não comentar, não quero ser processado pela CBF.

Terceiro tempo: O craque da Copa

Para a Fifa, o melhor jogador da Copa foi Lionel Messi. Não tenho dúvidas de que o craque argentino merece esse título, mas, em minha humilde opinião, o craque da Copa foi outro.

No dia 23 de novembro, enquanto acompanhávamos os jogos do Grupo F, ficamos sabendo que o PL, partido do presidente (até 31 de dezembro, para a nossa alegria) Jair Bolsonaro, foi multado em quase 23 milhões de reais por litigância de má-fé ao tentar tumultuar o processo eleitoral colocando em dúvida a inviolabilidade das urnas eletrônicas.

O PL queria uma revisão de algumas urnas usadas no segundo turno da eleição deste ano. Mas o presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes, informou ao partido que a votação do primeiro turno também deveria ser questionada pela legenda, afinal, as mesmas urnas foram utilizadas na primeira etapa da eleição. Como o PL se negou a incluir os votos do primeiro turno em seu pedido, Moraes aplicou a multa milionária ao partido.

E foi assim que, mesmo não gostando dele, elegi o ministro Alexandre de Moraes como o Craque da Copa.

Penalidade máxima: O grande dilema do torcedor brasileiro

Muitos torcedores brasileiros tiveram um grande dilema na final desta Copa: torcer para a França, nossos carrascos em várias Copas, ou para a Argentina, nossos marrentos hermanos? Particularmente, pensei em torcer para que o jogo fosse para os pênaltis e que todos os jogadores acertassem suas cobranças, dando início a uma decisão infinita, que se estenderia até 2026, quando, finalmente, a FIFA declararia empate e dividiria o título entre as duas seleções.

Mas, assistindo ao segundo tempo do jogo – e que jogo!, um dos mais emocionantes da história das Copas –, tomei minha decisão: torci pela narrativa.

Em sua última participação como jogador em uma Copa do Mundo, ser campeão seria o desfecho perfeito para Lionel Messi em mundiais de seleções. Foi uma partida repleta de reviravoltas, com a Argentina abrindo uma vantagem de 2 a 0, a França indo buscar o empate e levando o jogo para a prorrogação, a Argentina fazendo mais um, com Messi – seria o gol do título! –, e Mbappé fazendo seu terceiro gol na partida, levando o jogo para os pênaltis.

Nas penalidades, o goleiro Argentino, Emiliano Martínez, teve papel fundamental, defendendo uma das cobranças. Após a França perder dois pênaltis e a Argentina fazer quatro, a equipe de Lionel Messi pôde finalmente comemorar seu terceiro título mundial, e o craque argentino pôde realizar o sonho de ser campeão do mundo jogando pelo seu país.

Poderia ser a nossa seleção, mas Tite e os jogadores brasileiros não ajudaram. Quem sabe em 2026. Nos vemos lá.

Autor

  • Autor dos livros O escritor premiado e outros contos e Mais um para a sua estante, e um dos contistas da antologia O livro branco – 19 contos inspirados em músicas dos Beatles + bonus track. Mora em Feira de Santana, Bahia.

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