Olho no lance e no nome

Sejamos sinceros: a probabilidade de existência de um Jusenilvilsevic causa medo

Existem 49 jogadores profissionais em atividade chamados Riquelme, Rikelme, Rikelmi, Ryquelme, Rikelmy e por aí vai | imagem: Claudio Pozo

Estamos em clima de Copa do Mundo. Olodum no Pelourinho. Ruas pintadas. Bandeirolas verde e amarelas. Cabelos bizarros. Camisa da seleção falsificada. Camisa da seleção de mercadinho de bairro. Camisa da seleção de material de construção. Narração do Galvão Bueno. Imitação de narração do Galvão Bueno. 

O brasileiro ama a Copa do Mundo. 

A gente se acostumou mal com nossa seleção. Fomos para quatro finais em três copas, os primeiros tricampeões. Depois, três finais seguidas em três copas, os únicos pentacampeões. Pro brasileiro médio, ser hexa não é um sonho, mas o dever moral de toda convocação pro mundial. Não existe possibilidade de não ganharmos; somos “nós” contra “eles” sempre. 

Tomamos 7×1 em 2014, jogando em casa. Quatro anos depois, estávamos nós, lá, acreditando no hexa. De novo. 

Quando o assunto é Copa do Mundo, o brasileiro comete os mesmos erros de sempre. Não prestamos atenção pro que é mais importante: o nome dos jogadores adversários. Nada impacta mais a cultura brasileira do que um nome estrangeiro. 

Eu tinha dezesseis anos e estava fazendo a oitava série pela segunda vez. Era início do ano letivo. Uma multidão de alunos na frente da sala de aula. O motivo: Hewannyrant. Todo mundo queria traduzir aquilo. Ninguém sabia se alguém tinha digitado errado. Malmente tínhamos aulas de inglês, que dirá de sérvio. 

Um cara branco apareceu e disse que ele era Hewannyrant. Depois, explicou que se pronunciava “evaniran”. Eu confesso que também não gosto do aportuguesamento, mas o excesso de “n”, a presença do “y” e esse “t” mudo dão um charme estranho, mas dificultam a aproximação. Nem quero pensar no trabalho que o cara do cartório teve com essa sopa de letrinhas. 

Não fosse o caso, conheci mais pessoas ao longo da vida com nomes, no mínimo curiosos. Jovenice, Jivanete, Jirland, Genrivando, Sinerlândia e Sinermônica. Todos nomes de parentes meus. Kleyvisson e Kallyanne, irmãos, filhos do meu vizinho, Lindomar (que acho até um nome poético e nada estranho). Keyllianne (que tem a mesma idade que Kallyanne, nasceu numa data próxima e cujo o nome gerou um certo atrito entre os pais de ambas, que acusam um ao outro de roubarem a ideia alheia). 

Na favela, o nome chique tem “n”, “l”, “y”, “w” e “k”. Certamente existe um Wellklynn perdido em algum canto do Brasil. 

Mesmo quando não é gramaticalmente complexo, o nome também pode só ser exótico. Conheci uma garota que se chamava Tailândia. E algumas Jades, nenhuma por conta da pedra, mas todas pela Jade da novela. 80 mil crianças nos anos 1990 foram registradas com o nome Alan, inclusive eu. Por conta de Alan Delon, o atacante do Vitória. Outras 39 mil foram nomeadas Romário, por motivos óbvios.

Futebol é coisa séria no Brasil. Os impactos de uma Copa do Mundo podem mudar o destino de milhares de novos brasileiros. E a responsável por isso pode ser justamente a Sérvia. Motivos não faltam. 

Vanja Milinkovic-Savic. Dusan Vlahovic. Sasa Lukic. Nemanja Radonjic. Predrag Rajkovic. Andrija Zivkovic. Veljko Birmancevic. 

A lista é grande e bizarra. 

O primeiro jogo do Brasil na Copa foi justamente contra a Sérvia. Eu tenho medo não só de perdemos o hexa, como de ver os sérvios se dando bem no mundial, passando em segundo no grupo. Não necessariamente ganhando, mas fazendo o tipo de campanha que o brasileiro ama: passando de fase contra grandes seleções, jogando muito, ganhando na raça, se tornando uma algo como a Costa Rica em 2014. Duas classificações para Sérvia nos pênaltis? No mínimo trinta e sete Milinkovic-Samuka a mais no país. Esse tipo de situação em Copa tem a chance de criar uma nova geração de crianças com nomes sérvios (ou quase isso) espalhadas por aí. 

E antes que você pense que isso é besteira: existem 49 jogadores profissionais em atividade com o nome Riquelme ou variações (Rikelme, Rikelmi, Ryquelme, Rikelmy e por aí vai), nascidos a partir de 2004. 

E sabe quem estava no auge em 2004? Riquelme, ex-jogador do Boca Júniors.

Foram quase 15 mil novos Riquelmes somente nos anos 2000, tudo isso por causa de um único argentino. Imagina o que uma seleção inteira de sérvios não poderia fazer com os cartórios brasileiros.

O brasileiro não precisa de um motivo pra fazer algo, somente de uma desculpa. E se o Vlahovic fosse o artilheiro da Copa do Mundo, o filho de alguém no sertão da Paraíba vai se chamar Vlahovictor. Ainda não nos adaptamos à geração de Enzos e Valentinas, dos nomes estranhos de filhos de influenciadores digitais ou da equação matemática que é a prole do Elon Musk. 

Sejamos sinceros: a probabilidade de existência de um Jusenilvilsevic causa medo. 

Por isso era obrigação da seleção brasileira começar bem a Copa do Mundo, vencendo a Sérvia dando show com gol com Richarlison, acabando de vez com qualquer possibilidade de um Milinkovic-Oliveiravic ser registrado em 2023. 

Autor

  • Baiano de Feira de Santana, bacharel em Jornalismo, redator publicitário e escritor de suspense, terror e ficção científica. Como escritor, possui mais de 20 publicações, individuais e coletivas. Foi um dos criadores do movimento artístico sertãopunk, focado em representatividade nordestina na ficção especulativa.

Compartilhe esta postagem:

Participe da conversa