Loteria da Copa

No futebol, existe a “sorte parcial”: o craque que atua em time ruim, o jogador que se destaca e perde mesmo assim

O jogador Robert Lewandowski, da Polônia, é um caso de “meia sorte”

O buffet da sorte é traiçoeiro. O sujeito se serve, todo indeciso, recheando o prato com a diversidade que lhe apetece. Vai para a mesa se deliciar. Insaciado, ele volta ao refeitório para se servir de outras iguarias, mas é surpreendido. Sem aviso, pratos foram retirados. Sem reposição.

“Ah, mas eu queria tanto provar aquele escondidinho de frango! E aquela lasanha estava com um cheiro tão bom!”

Já era.

É a situação mais comum dentre os mortais: ter sorte pela metade. O cliente teve o que escolheu. Mas queria mais.

No futebol, existe um caso muito peculiar de “sorte parcial”: o jogador bom de bola que atua em time ruim. O craque que se destaca com gols e assistências, mas acaba perdendo mesmo assim.

Em clubes, esse “azar” pode ser resolvido na janela de transferências. E nas seleções?

Gareth Bale parecia ser um caso desses. Quando despontou no Tottenham, com números e desempenhos impressionantes, muitos lamentaram que ele dificilmente jogaria uma Copa. Sua seleção, o País de Gales, não frequentava competições internacionais. Sua única participação em Mundiais havia sido em 1958, quando teve a honra de sofrer o primeiro gol de Pelé em Copas.

Bale, porém, contrariou expectativas. Sua geração no País de Gales, afinal, era razoável, e a seleção surpreendeu: disputou duas Eurocopas (2016, quando chegou às semifinais, e 2020) e se classificou para a Copa do Qatar. Individualmente, porém, o capitão galês perdeu destaque e, embora tenha protagonizado a transferência mais cara da história até então, o investimento do Real Madrid nunca se justificou.

George Weah teve uma trajetória diferente. Os fãs de futebol acompanharam a saga do melhor jogador do mundo no ano de 1995 em suas frustradas tentativas de levar a Libéria a uma Copa do Mundo.

Não foi possível para ele jogar no top of the tops das seleções. Weah, ainda assim, não pode reclamar de seu destino. Sua jornada é marcada por grandes feitos. Além de ter sido ídolo em campo, ele é o atual presidente de seu país. Desconheço outro futebolista profissional que vestiu uma faixa presidencial.

Curiosamente, essas duas histórias se encontraram na estreia do País de Gales no Qatar. Diante dos Estados Unidos, Bale fez o gol de empate de sua seleção. Antes, os norte-americanos abriram a contagem com Timothy… Weah. O filho de George fez outras escolhas no buffet da sorte: optou por defender o país em que nasceu e, mesmo que não venha a ter a mesma relevância do pai, já teve o gostinho de estrear em Copas.

Robert Lewandowski é outro caso de “meia sorte”. Vai para sua segunda Copa, mas a Polônia não é candidata a uma longa caminhada. E o desempenho fraco do time atrapalha o artilheiro. Apesar de acumular os principais prêmios individuais nos últimos anos, Lewa ainda não balançou as redes em Copas. No Qatar, desperdiçou uma cobrança de pênalti, defendida pelo goleiro mexicano Ochoa.

Alfredo Di Stéfano, provavelmente melhor jogador do que todos os mencionados, nunca jogou uma Copa. E em sua carreira ele defendeu duas seleções, Argentina e Espanha. Deu azar.

Mas tudo isso é história. E diante de nós, novas páginas estão sendo escritas. Para os que foram ao Qatar, a sorte está lançada – a zebra, aliás, prestigiou Argentina e Alemanha em suas estreias. Ao fim da competição, saberemos quais foram os mais gulosos no buffet da sorte.

Autor

  • Historiador de formação, escritor por teimosia, mas paga as contas trabalhando no serviço público. É autor de Contos de autoajuda para pessoas excessivamente otimistas (LiteraCidade, 2014), O voo rasante do pombo sem asas (Isadora Books, 2021) e Estilhaços, no prelo. Publica crônicas no site Digestivo Cultural desde 2015.

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