Camarão com vinagrete

Do tubarão no TikTok ao comer clandestino de camarões, chegando até o Daniel Alves

“Não só eu, como todos os proletários, adorávamos comer camarão seco puro. Bichinho vermelhinho, salgadinho, pequenininho” | imagem: João Kedal

A Copa do Mundo tem o poder de unir pessoas e fazer a gente descobrir culturas novas e se impressionar com hábitos. Não é só um evento esportivo, mas a congregação de culturas globais testando o nível de habilidade nas pernas pra conduzir uma bola por noventa minutos. E, no meio do caminho, temos duelos de dança entre libaneses e brasileiros metendo passinho de TikTok com “Tubarão te amo”

Cultura é comida.

A música do Tubarão é uma ode ao barbatana dos mares. Tal qual a moqueca de cação. Cação é tubarão. Moqueca é comida indígena. Mas também vai camarão. 

A propósito, Camarões tem esse nome por causa dos camarões. Um português, Fernão do Pó, chegou no país no século XVI e se impressionou com a quantidade do bicho num rio, resolveu chamar de Rio dos Camarões. Pegou. Todo mundo chamou o país de Camarões depois disso. Impressionante a falta de criatividade dos portugueses pra nomear coisas, aliás. 

Fato é que Camarões é um dos países mais multiculturais da África, sendo chamado de “Pequena África” por alguns. Multiculturalidade é a especialidade do Brasil. De Camarões saíram os camarões e saiu Samuel Eto’o. Duas vezes o segundo melhor do mundo, perdendo somente pra Obina. 

Saudades daquele hat-trick em cima do Corinthians durante o Brasileirão de 2009. 

Mas entre Camarões, Copa do Mundo, comidas e curiosidades, existe a Bahia. É na Bahia que se faz o melhor uso da iguaria na culinária brasileira. O estado tem abundância em camarão e a gente coloca no que pode sempre que quer. 

Eu trabalhei em uma peixaria enquanto morava em Feira de Santana. Feira não tem praia, tem um rio ou outro, mas nada que faça a cidade ter um pólo de pescados como a feira de São Joaquim em Salvador. Então a gente importava tudo. A gente recebia carregamentos de peixes e mariscos. Por semana, dezenas de quilos de camarão seco. Meu trabalho era pesar, anotar o peso e registrar a entrada no sistema. Mas nada me impedia de comer secretamente os camarões. Não só eu, como todos os proletários, adorávamos comer camarão seco puro. Bichinho vermelhinho, salgadinho, pequenininho, era uma delícia. Mas tinham outros, daqueles pistola, pitu e por aí vai. Esses eram mais caros, mas nada no nível “caro como em São Paulo”. Talvez por conhecer muito pouco da cultura alimentar baiana que Eduardo Bolsonaro tenha dado aquele ataque de pelanca com o rango da galera do MST que o Wagner Moura foi fazer uma ponta.  

Falando de coisa boa, um dos pratos baianos mais populares é o caruru, comida patrimônio imaterial da Bahia, degustação preferida de metade dos orixás do candomblé, presente na maioria dos restaurantes do litoral baiano (jamais confiar em caruru feito fora da Bahia). 

Mas também é uma adaptação local de um prato muçulmano. O caruru é uma versão brasileira do hareess, pirão feito com carne de cordeiro e trigo, muito consumido durante o período do ramadã, a Quaresma no Islã. Tal qual a feijoada, que é adaptada do cassoulet francês, o caruru usa o que tínhamos aqui. Vale ressaltar que, sim, a Bahia historicamente teve forte presença de negros muçulmanos escravizados e todos os choques culturais, dentro e fora das senzalas, em diversas situações e por razões também múltiplas, criaram a cultura alimentar e religiosa baiana. 

Se Camarões é a “Pequena África”, a Bahia é a “Pequena Tudo Junto e Mais um Pouco”. 

Tudo isso pra, no final, termos Daniel Alves titular. 

Sendo bem sincero: eu adoro Dani Alves. O cara é o jogador mais vitorioso da história do futebol, cria de Juazeiro, homem negro, revelado no maior time do Nordeste – o Bahia, sem discussões – e ainda atuou no filme Guerra de Canudos ao lado de José Wilker. De onde você acha que veio a qualidade no repique do pandeiro e do tantan, dos tempos de Sevilha? Não, Dani Alves é baiano. Quando um baiano toca um instrumento de percussão, ele não tá fazendo um simples sonzinho pra agradar a rapaziada; é religião. Seja ele macumbeiro ou não. 

Tal qual todos os baianos, Dani Alves é acostumado a comer camarão. Sagazmente Tite, no alto de sua inteligência futebolística avançada, avaliou toda a história de Camarões, a forma como as culturas convergem na Copa do Mundo e decidiu que o responsável por jantar Camarões com vinagrete hoje vai ser o pandeirista do hexa. 

Por azar do destino ou manipulação dos orixás, Camarões, de novo, caiu no grupo do Brasil. Nós nunca perdemos contra as seleções africanas em Copas. Camarões perdeu duas vezes, duas goleadas. Espero muito que, algum dia, eles possam chegar longe, mas não dessa vez – nada pode impedir o hexa. 

Aliás: Obina é baiano. Se ele já foi melhor que Eto’o, não vai ser o Daniel Alves que vai ser pior. 

Autor

  • Baiano de Feira de Santana, bacharel em Jornalismo, redator publicitário e escritor de suspense, terror e ficção científica. Como escritor, possui mais de 20 publicações, individuais e coletivas. Foi um dos criadores do movimento artístico sertãopunk, focado em representatividade nordestina na ficção especulativa.

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