Da Pesquisa Brasileira | Gabriel Meneguelli Soella: Regime de Desinformação e Combate às Deep-Fakes

“A superação do abismo em que a civilização se encontra na atualidade passa pelo trabalho de pesquisadoras e pesquisadores das mais diversas áreas”

Foto do doutorando em Ciência da Informação Gabriel Meneguelli Soella

“Imagine que alguém, que não goste de ti, tenha acesso a vídeos seus publicados em suas redes sociais e consiga criar um vídeo seu dizendo e fazendo coisas que você não faria (desde te fazer apoiar no vídeo ideias que você considere absurdas até te colocar em material pornográfico que jamais tenha gravado).” Esse é o tipo de problema com que Gabriel Meneguelli Soella lida em seu projeto de doutorado, atualmente sendo desenvolvido na Universidade de São Paulo (USP), no campo da Ciência da Informação. Gabriel, desde o seu mestrado, realizado na mesma área, tem investigado práticas de desinformação; neste momento, busca criar ferramentas que “auxiliem na detecção de deep-fakes”, isto é, das técnicas que geram manipulações como as descritas no início deste texto. O pesquisador é também bacharel em Ciências Sociais, tendo nessa fase trabalhado com antropologia, neurociência e psicanálise, e técnico em multimídia. Para ele, a pesquisa é uma maneira de se contrapor ao obscurantismo e trazer melhoras ao mundo: “A escolha do tema e da área da Ciência da Informação foi realizada por eu ver que os principais problemas da atualidade passam pela informação, pelo direito das pessoas conhecerem a realidade”.

Quais seus interesses atuais, o que te levou a eles e o que pretende realizar?

Nos últimos anos tenho acompanhando o avanço do autoritarismo e do extremismo, com a instrumentalização de técnicas/tecnologias de informação e comunicação para desinformar. Por isso me interessei pelo campo da Ciência da Informação, visando a combater de algum modo as práticas de desinformação. Iniciei em 2019 meu mestrado nessa área, voltado a analisar um “regime de (des)informação” a partir de documentos audiovisuais com discursos negacionistas anti-históricos sobre a ditadura militar. Sem imaginar a dimensão que as práticas de desinformação e os negacionismos tomariam a seguir, com a intensificação da negação das mudanças climáticas, da pandemia, da importância da vacina e de outras medidas de isolamento/distanciamento social etc.

Sempre houve mentiras contadas em benefício de sujeitos e instituições detentoras de poder, mas a velocidade com que elas se propagam no ciberespaço na atualidade é assustadora

Nesse contexto percebi uma técnica que poderia piorar ainda mais esse cenário já caótico se usada para desinformar, as chamadas “deep-fakes”. Elas são técnicas capazes de fabricar artificialmente vídeos, imagens, sons que têm se difundido, inclusive com auxílio de aplicativos/softwares que possibilitam a qualquer pessoa com acesso à ferramenta e a vídeos, imagens, áudios a criação desses audiovisuais falsos. Nesse momento, busquei desenvolver um projeto de pesquisa que auxilie na detecção de deep-fakes, pensando em auxiliar no combate a esses usos mentirosos, a partir da linha de pesquisa de Organização da Informação e do Conhecimento.

Como é a sua rotina de trabalho? Que infraestrutura (financiamento etc) a mantém?

Devido à pandemia, tenho trabalhado exclusivamente na modalidade “home office”, o que também foi possível devido ao caráter inicial de estruturação do projeto e cumprimento de créditos do doutorado que ocorreram à distância, especificamente no segundo semestre de 2021.

Inicialmente tenho utilizado recursos particulares, economizados nos últimos anos, mas aguardo retorno da submissão à Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] do meu projeto na modalidade de bolsa de doutorado. Caso eu não a consiga terei que encontrar outros meios de subsistência e financiamento, visto que me mudarei para São Paulo (sou de uma cidade chamada Cariacica, vizinha à Vitória, no Espírito Santo) e as economias estão se esgotando.

Como você explicaria a importância, o fascínio do seu interesse de pesquisa a um leigo?

Muitos exemplos poderiam ser usados, mas para ser breve vou me ater a um que pode afetar a pessoa leitora individualmente e diretamente. Imagine que alguém, que não goste de ti, tenha acesso a vídeos seus publicados em suas redes sociais e consiga criar um vídeo seu dizendo e fazendo coisas que você não faria (desde te fazer apoiar no vídeo ideias que você considere absurdas até te colocar em material pornográfico que jamais tenha gravado). Uma breve pesquisa em buscadores de notícias pode mostrar que o chamado “pornô de vingança” tem um risco de se intensificar com uso de deep-fakes. Nesse sentido, o estudo voltado à detecção do uso de deep-fakes pode ajudar a garantir seus direitos de imagem ao detectar vídeos falsos.

Quais impactos você enxerga na sua pesquisa? Na área, para a sociedade, entre outros.

Acredito que a pesquisa pode contribuir bastante ao enfrentamento de práticas de desinformação, acentuando, nisso, o papel de destaque da Ciência da Informação. Ao investigar/propor caminhos para a detecção de deep-fakes a partir da área de Organização da Informação e do Conhecimento, várias áreas da sociedade podem ser beneficiadas, haja vista os impactos que as deep-fakes podem ter. Na política, as deep-fakes podem ser usadas para manipular, ainda mais, processos eleitorais ao atribuir (em vídeos) falas e ações nunca ditas ou feitas a candidatos(as). Na economia, pode simular vozes de superiores hierárquicos para aquisição e venda de ações, tentar invadir sistemas etc. No cotidiano, pode dificultar ainda mais a identificação do que é real e do que é “fake”, descredibilizando vídeos reais, promovendo “pornô de vingança” etc.

Por que pesquisar?

Apesar da falta de valorização das ciências, tecnologia e inovação no Brasil, acredito que a superação do abismo em que a civilização se encontra na atualidade passa pelo trabalho de pesquisadoras e pesquisadores das mais diversas áreas. A escolha do tema e da área da Ciência da Informação foi realizada por eu ver que os principais problemas da atualidade passam pela informação, pelo direito das pessoas conhecerem a realidade. Sempre houve mentiras contadas em benefício de sujeitos e instituições detentoras de poder no decorrer das eras, mas a velocidade com que elas se propagam no ciberespaço na atualidade é assustadora. Enquanto se negam as relações de exploração e a desigualdade social, pessoas padecem de fome. Enquanto se nega a gravidade da pandemia e a necessidade de vacinas, medidas de isolamento e distanciamento, pessoas morrem de covid ou ficam com sequelas. Enquanto se nega o sangue derramado na conquista pela democracia brasileira, sujeitos terrivelmente autoritários ascendem às esferas de poder. Enquanto se negam as mudanças climáticas e a destruição do meio ambiente, etnias indígenas são dizimadas, espécies animais e vegetais são extintas e o planeta Terra se torna cada vez menos habitável. Enquanto uns brincam com naves fálicas, a civilização se dissolve. Em comum a esses e outros processos estão as práticas de desinformação que alteram resultados eleitorais, fomentam delírios como sendo “realidades paralelas” etc. Não tenho pretensão que meu trabalho individual seja capaz de resolver todos esses problemas, pois é apenas mais um passo entre muitos outros que são dados por outras pessoas pesquisadoras. Contudo, espero que esse passo possa contribuir de algum modo para uma mudança na trajetória da Humanidade, que ruma ao abismo.

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