Editorial – Setembro-Novembro/2022

Aos quase 13 anos, ganhei uma cachorrinha. Ou melhor: ganhamos – minha mãe, meu pai e eu. Para que a adoção fosse concluída, atravessamos a cidade, ônibus-metrô-metrô-ônibus. Fui encarregada de levar a manta que, na volta, embrulhou Nala. Ainda hoje consigo sentir a leveza do bicho pequeno no meu colo. Os olhos de Nala pareciam comer o mundo, misto de receio e curiosidade frente à vida. No presente, 13 anos depois, os olhos dela começam a se cansar. O tempo come todos nós – incluindo, a despeito do aperto em mim, Nala. Falo do envelhecimento da minha amiga canina por conta de Paçoca, protagonista da crônica de Antonio Carlos Nascimento Neto, autor que faz pérola com saudade, letras e o auxílio dos filósofos ​​Donna Haraway e Sêneca. Na mesma seção, Úrsula apresenta também um texto de Guilherme Carvalhal sobre o cientista político Norberto Bobbio e Giorgio Sinedino escreve a respeito da filosofia chinesa

Na editoria de Cultura, impera o universo visual: Ione Reis e Helô Sanvoy respondem às perguntas da série Por Que Arte?. Já em Educação, destaque para Fernanda Vasconcellos, educadora que propõe o acolhimento ativo de instâncias que, em um primeiro momento, são entendidas como opostas: utopia e realismo, sonho e teoria, atenção e mão na massa. Sendo eu gente da sala de aula, ouso afirmar: sem esses pares não se constrói uma relação efetiva de ensino e aprendizagem, tampouco o exercício da autonomia e do desejo (acerca deste tema, aliás, recomendo a leitura do ensaio de Alain Gerino, mais um conteúdo desta edição).

Continuando no terreno educacional, a seção de Ciência reaviva os legados de Teixeira Coelho e Darcy Ribeiro por meio de reflexões de Edison Luís dos Santos e Demétrius Ávila, respectivamente. Vale frisar que a entrevista com Demétrius, cientista social, equivale ao início da homenagem que Úrsula pretende construir a Darcy em seu centenário. Revisitar ideias e realizações de pessoas que, com senso crítico sensível, constroem o Brasil (processo sempre posto no agora) corresponde a uma das razões de existir desta publicação. E, ao salientar isso, refiro-me ao conjunto de colaboradores deste e dos demais números; cito, nas entrelinhas, cada pensador que foi objeto de matéria desta revista. Por questão de agradecimento e urgência, convoco o coletivo.

Em Política, não há outro assunto: as eleições que se aproximam formam o calor da hora. A quentura, vocês sabem, pode servir à esperança ou ao inferno (imagem que, aqui, destituo do nexo religioso). No fim deste editorial, a bem dizer, amarro tudo: dos 13 anos com Nala ao apelo direcionado ao nós, tudo se volta para a possibilidade do amanhã ser, de fato, outro dia. Na próxima Úrsula, não quero anunciar o posfácio da democracia – que, em nada semelhante ao de Paçoca, não teria uma peróla sequer. Como a cadela celebrada, espero que a democracia brasileira não deixe de ficar. Fique viva.

Pior do que ser comido pelo tempo, é por ele ser cobrado. Atenção.

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