Editorial – Setembro-Novembro/2023

Tire suas roupas, sente-se à lareira (ou, dado o verão brasileiro, perto do ventilador) e medite como Descartes. O que imitar o filósofo nos permite ver da sua filosofia que não teríamos visto só seguindo o livro? Pegue duas ou três bolinhas, tente arremessá-las no ar e voltar a pegá-las continuadamente. Eduque suas mãos a serem ágeis, precisas e ritmadas, e algumas lições de Aristóteles serão mais claras para você. Escolha um jogo de tabuleiro, viva em outro mundo junto a outras pessoas e volte à realidade com uma vivência para contar. Que filosofia isso nos dá? Olhe de frente para o seu corpo e pergunte: como deixar de ser um zumbi?

Esse parágrafo glosa os temas do primeiro dossiê de Úrsula, nomeado “Novos caminhos do ensino de filosofia”. Com duas traduções de professores de filosofia americanos – Meg Wallace, que ensinou a Ética a Nicômaco com malabares; Cat Saint-Croix e C. Thi Nguyen, que misturaram design de jogos, jogatina e filosofemas – e artigos de uma professora e um terapeuta brasileiros – Mariana Tartaglia, que levou as Meditações cartesianas a uma sala de ensino médio; e Joviniano Resende, que desenvolveu o método da corposofia –, esse especial se aprofunda em contatos íntimos, pragmáticos, divertidos, aventureiros com a filosofia. Reúne experiências distintas, mas de ressonâncias muito interessantes. Ler sobre elas instiga a criar, prova a possibilidade de modelos inéditos do filosofar em conjunto.

Os dossiês serão esses fechamentos das editorias em torno de alguma temática – recurso editorial que pode ser útil em vários casos. Além dele, contamos com as séries – por exemplo, Por que Arte? e Da Pesquisa Brasileira – e os encartes – já criamos dois, Então é isso o novo normal?Sob a sombra das chuteiras. Na medida em que esse primeiro dossiê é publicado na editoria de Educação, mas em forte diálogo com a de Filosofia, pretendemos outros dossiês com o mote de “novos caminhos do ensino…”, buscando experiências inovadoras no campo das outras editorias: cultura, ciência, política. Vocês têm sugestões nesse sentido? Compartilhe essas boas e novas práticas conosco.

E já que estamos falando dos especiais da revista, vale dizer que estamos com uma chamada aberta para um novo encarte: Existe filosofia europeia? (Apenas respostas erradas). Eu já vou dizendo que acho que não existe. Aristóteles? Descartes? Pfff.

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O dossiê “Novos caminhos do ensino de filosofia” conversa de maneira sutil com a entrevista de Charles Feitosa, um dos inventores da filosofia pop no Brasil, autor de Transversões (mote das provocações que apresentamos a ele) e de Explicando a filosofia com arte, livro premiado pelo Jabuti em que o filósofo cria diálogos entre a música, o cinema, as artes visuais, os quadrinhos e a filosofia, procurando abordar os temas filosóficos a partir de debates e preocupações atuais. Hoje desenvolvendo uma pedagogia pop e interessando no contato entre performance e filosofia, Charles pode ser uma referência para as experiências que enfocamos no nosso dossiê.

Outro diálogo interessante – e que também se relaciona ao assunto das formas de produzir e viver o saber – ocorre entre “Belchior canta o método científico“, do nosso editor de Ciência Antonio C.N. Neto, e “Produção e representação social do conhecimento no Movimento dos Trabalhadores sem Terra“, de Wilson Roberto Veronez Júnior. Enquanto o primeiro demonstra em uma viagem alucinógena a relevância do rigor prescrito pela academia, o segundo denuncia como a academia pode sufocar visões de mundo. Esse confronto não foi algo buscado – eu mesmo só reparei quando editei todos os textos. O que podemos tirar daí? Talvez eu deva chamar ambos para conversar, que tal?

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Por fim destaco duas homenagens desta edição: com uma análise detida do poema “Walking Around”, nossa editora de Cultura Heloísa Iaconis marca os 50 anos da morte do poeta Pablo Neruda. Já a historiadora Anna Gicelle fala sobre um historiador que marcou a sua história como pesquisadora: E.P. Thompson, cuja morte completa 30 anos e cujo livro A Formação da Classe Operária Inglesa faz aniversário de 60 anos. Não há aí outro diálogo sutil? Neruda e Thompson estiveram ambos ao lado dos subalternos.

Ou seja, do lado certo.

Autor

  • Jornalista formado pela Universidade Santa Cecília. Doutorando e mestre em Ciência da Informação e graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduando em Filosofia Intercultural pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Especializado em Gestão Cultural pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc), um núcleo da USP. Como escritor, publicou o romance "As Esferas do Dragão" (Patuá, 2019), e o livro de poesia, ou quase, "*ker-" (Mondru, 2023).

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