Editorial – Julho-Agosto/2021 |

Há uma harmonia inesperada na produção de revistas: pensados individualmente ou por editoria, os conteúdos depois reunidos apresentam ressonâncias que não tinham sido planejadas. A edição pode então parecer muito sagaz, mas, de fato, devemos louvar a potência do acaso.

O ensaio “A Imaginação Brasileira“, do escritor Graça Aranha — publicado tendo em vista centenário de morte do autor, falecido em 1931, e os 100 anos do livro em que o texto foi lançado, A Esthetica da Vida, de 1921 —, por exemplo, se alinha com “A Origem da Superstição“, um pequeno texto sobre o filósofo Baruch Espinoza, de minha autoria. Em ambos, o tema são modos de representar o mundo, suas origens e os seus efeitos nos âmbitos individual e social. Podemos confrontar, assim, esses autores e os seus diagnósticos.

Quanto a Graça Aranha, há outro diálogo possível, com outra publicação do bimestre. O autor anota que há um “providencialismo”, uma crença na boa (ou perfeita) vontade do destino que seria bem brasileira — e é isso que está em pauta em “Deus Ex Machina“, crônicas de eventos políticos nacionais mais ou menos recentes que demonstram a procura reincidente por resolver o país de forma mágica. Se isso pode corroborar a perspectiva do literato, é preciso, porém, atentar que ele funda seu texto em noções colonialistas e racistas.

Há ainda, entre os textos desta edição, correlações subterrâneas: a artista visual Raisa Christina, entrevistada por Lucas Grosso, comenta que a experiência do corpo consiste em afetar e se deixar ser afetado; que nossa capacidade de abertura a esses processos é determinante. Ora, essa ideia é próxima senão totalmente espinozana — ele se pergunta: “o que pode um corpo?”; ele discute a potencialidade de ter afetos. Neste fim de julho ou no decorrer de agosto, publicaremos no blog algo para explorar essa faceta do filósofo, evocada pela desenhista.

Que outras conversas, internas e externas, são possíveis nesta edição julho-agosto? Trazemos ainda um poema de Lorena Sodré sobre o que significa escrever; uma entrevista sobre a falência do direito de exigir impeachment do presidente da República; um debate sobre a origem da consciência (está no matéria ou para além dela?); um depoimento sobre como é estudar em “escolas sem partido”; e um relato sobre a pioneira atriz Ruth de Souza escrito pelo seu biógrafo — e amigo. Nos diga, por e-mail, pelos comentários, aonde esses textos te levam.

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Duanne Ribeiro
editor-chefe

Autor

  • Jornalista formado pela Universidade Santa Cecília. Doutorando e mestre em Ciência da Informação e graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduando em Filosofia Intercultural pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Especializado em Gestão Cultural pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc), um núcleo da USP. Como escritor, publicou o romance "As Esferas do Dragão" (Patuá, 2019), e o livro de poesia, ou quase, "*ker-" (Mondru, 2023).

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