Ganhamos, e agora?

Como combater o bolsonarismo em seu habitat natural, as redes

Não alimente os robozinhos | imagem: Saundra Castaneda

Agora precisamos curar o país da doença que contaminou metade do Brasil. Mas não será com revanchismo e insultos que vamos conseguir, temos que furar a bolha e começar a educar as pessoas novamente.

Nos textos anteriores (“Precisamos parar de falar do Bolsonaro” e “Precisamos parar de falar dele“), falei sobre como aconteceu a guerra informativa e, principalmente, como a desinformação age na mente das pessoas criando uma realidade paralela, o que agora ficou muitíssimo claro após as eleições, com pessoas chorando em frente a quartéis, tendo convulsões ou vibrando pela vitória nas urnas e prisão de um ministro do STF, baseados em informação falsa.

Ficou bem claro o nível de loucura com que estamos lidando, então vamos nos estudar com mais detalhe essa situação e desenhar formas eficientes de salvar aqueles que podem ser salvos, além de não dar alcance à desinformação.

Entendendo o ambiente

Infelizmente a educação de nível básico no Brasil ainda é um grande problema, pois se baseia na perpetuação do sistema atual: a estrutura é feita para que o pobre só estude o suficiente para ser um trabalhador funcional, enquanto o rico pode estudar o suficiente para manter seu domínio.

Dessa forma o ensino para a maior parte da população se resume a uma decoreba de fórmulas e conceitos e não leva ao pensamento crítico. Não é à toa que sempre são combatidos os ensinos de filosofia, história, sociologia e até política nas escolas. A elite sempre vai preferir que o pobre não saiba pensar, pois o vê como uma mera força de trabalho que só precisa servir e obedecer.

Outro problema – que parecia poder ser resolvido pela internet, mas acabou sendo piorado pelos “algoritmos” – são as bolhas. Pessoas tendem a observar a realidade através do viés de sua bolha social, seja real ou virtual. Antes da existência dos algoritmos de interesse, tínhamos um amplo acesso a realidades bem diferentes da nossa; hoje é o contrário.

Os algoritmos foram criados com o intuito de manter a pessoa conectada no site, rede social, aplicativo etc. Para que a pessoa interaja mais com a rede, o algoritmo vai mostrar as pessoas aquilo que ela já demonstrou interesse em algum momento, e assim ele fecha o usuário em uma bolha onde tudo que aparece para ela será de seu interesse, ou pior: confirme suas crenças.

O algoritmo inicialmente teve fins puramente capitalistas, ou seja, manter o usuário logado de modo a que veja mais propagandas e assim compre mais. Mas houve impacto para a consciência de mundo: ele acabou fechando as pessoas em bolhas ideológicas que parecem até realidades paralelas, sendo alimentadas principalmente de muita desinformação.

Aliado à preguiça e ao analfabetismo funcional, o outro problema é que as pessoas geralmente não leem nada do que compartilham, dessa forma a desinformação se alastra de forma muito mais rápida do que a informação.

Essa preguiça é largamente utilizada pelos produtores de fake news, eles sabem que as pessoas não vão ler, sabem que as pessoas não vão pesquisar, sabem que só vão compartilhar e propagar qualquer coisa que venha de suas “fontes” de forma completamente indiscriminada.

Percebendo que as pessoas agem como robozinhos, elas passaram a ser vistas como tais. Principalmente nesses últimos anos isso ficou muito claro, afinal não se vê mais discussões sobre política, mas sim embates de repetição de frases simplórias que são ventiladas pelas redes de desinformação.

Portanto, o grande desafio dos próximos anos é acordar esses robôs para a realidade, ou pelo menos retirar os robôs da rede de desinformação.

Efeito de grupo

Somos seres sociais, carentes de interação, sempre buscando participar de grupos, trocar atenção, se sentir parte de algo maior do que nós mesmos. A maior parte de nossas crenças vem dos grupos sociais de que participamos ao longo de nossa vida, inicialmente na família, depois na escola, na religião, no trabalho e nas bolhas virtuais.

A tendência de compartilhamento de crenças foi uma necessidade evolutiva, na medida que é mais fácil confiar em um grupo que está próximo da gente e em pessoas que acreditam no mesmo que nós. Ao se apegar a um grupo, é muito mais confortável adquirir e propagar os seus pressupostos, caso contrário a nossa mente poderia entrar em uma dissonância cognitiva, o que gera um grande desconforto pelo confronto entre crenças, ou entre a crença e a realidade.

Como a necessidade emocional mais importante é a socialização, a inclusão em um grupo, a própria realidade fica em segundo plano. Isso é muito perceptível em grupos religiosos, é visível que muitas pessoas se mantêm apenas para participar da comunidade, os ensinamentos da religião ficam em segundo plano. Isso explica o motivo da pessoa se dizer cristã, mas falar e agir diametralmente o oposto dos ensinamentos de Cristo.

Ser aceito no grupo sempre vem em primeiro lugar, portanto não adianta atacar o pensamento coletivo do grupo, se você não vai acolher a pessoa em outro grupo. Talvez essa seja a parte mais difícil para salvar os robozinhos, afinal, que tipo de ambiente social nós estamos oferecendo para eles?

Portanto, não adianta apenas convencer uma pessoa: se ela está em um grupo, ela será convencida novamente por ele. Nesse caso, ou damos acolhimento ou damos armas argumentativas para que a pessoa consiga curar todo o grupo de que ela participa.

Na internet poderíamos utilizar o mesmo método do gabinete de ódio, que é adicionar as pessoas compulsoriamente em grupos de Whatsapp e Telegram com o tema “arrependidos”, “acordei”, “sai da lavagem cerebral”, e alimentar esses grupos com informações claras e confiáveis.

Argumentação

Os vieses cognitivos ditam e cultivam as nossas crenças, por mais absurdas que elas sejam. Além disso, uma crença possui defesas próprias, e qualquer informação que a contraria pode ser ignorada, sendo sua ação revertida em um aumento da convicção, para impedir a dissonância cognitiva. Assim, é muito difícil superar esse mecanismo com afirmações ou informações factuais e comprováveis.

Um método eficiente de furar essa bolha é não afirmar nada nem mostrar dados, fatos – mas sim questionar. É a maiêutica, o método socrático de fazer as pessoas chegarem ao conhecimento ou a alguma conclusão por meio da construção de perguntas poderosas.

Como a maioria dos robozinhos não vai além da superficialidade de apenas repetir o que lhe foi mandado propagar, basicamente eles não têm conhecimento nenhum da realidade factual, só do ruído. Ao fazer perguntas certas, podem começar a questionar a veracidade das informações, pesquisar e finalmente se convencer.

A luta contra os algoritmos

A batalha pela internet aberta deve ser levada mais a sério e com conhecimento dos mecanismos virtuais, principalmente do algoritmo que garante o alcance das publicações.

Como vimos no primeiro texto, até 2017 quase ninguém conhecia o Bozo da Corte, mas ele teve uma exposição absurda, principalmente entre os veículos de esquerda, o que foi peça-chave para garantir sua vitória.

Devemos lembrar que o antipetismo e antiesquerdismo são muito alimentados entre as classes menos favorecidas (financeira e intelectualmente) e ganharam status de religião, pois sequestram o mecanismo de crença das pessoas, tornando-as incapazes de discutir de forma racional.

Para aqueles que estão infectados com o antipetismo/antiesquerdismo, tudo que a esquerda defende será atacado e tudo que a esquerda ataca será defendido. Por isso uma figura nazista conseguiu ser eleita: porque se tornou o maior inimigo da esquerda, o único que poderia combatê-la. Ou seja, a esquerda deu visibilidade a seu algoz.

Portanto, para essa nova fase o ideal é parar completamente de dar alcance a qualquer político ou influencer de direita. Parar de citar nomes, parar de compartilhar, parar de comentar, parar de reagir. A ideia é não propagar nada de ruim que venha do outro.

Sei que muita gente não consegue deixar de reagir, seja com comentário ou com emoji de risada. Mas qualquer tipo de reação, independente se boa ou ruim, é considerada pelos algoritmos para aumentar o alcance. Então, concentre-se nas reações apenas em publicações que devem ganhar alcance, como comentários de esquerda na publicação deles.

A mesma coisa deve ser feita nas nossas publicações, não dar atenção ou alcance aos comentários ruins. Observe que em cada publicação da esquerda o primeiro comentário, o mais curtido e comentado, é sempre de algum opositor. Isso gera uma ideia de que a postagem foi refutada por ele. A tática, assim, é: apagar comentários contrários em nossas publicações e, na publicação deles, reagir apenas às intervenções de esquerda.

Ou seja, a ideia é não dar espaço para o contraditório em nossas redes e ganhar espaço na rede deles.

Trate todos como robôs

Não tente discutir com ninguém na internet, simplesmente considere que é tudo robozinho, metade é robozinho de inteligência artificial que faz postagens automáticas, a outra metade é robozinho alienado que serve apenas como papagaio. Por tanto não dê atenção a ninguém, não tente convencer ninguém, não argumente com ninguém, não dê alcance a ninguem.

Apagar o nome

Outra tática é apagar completamente o nome dele de tudo, não citar nada que se pareça com o nome dele, não nomear os robozinhos com palavras que lembrem o nome dele, simplesmente banir esse nome e imagem de tudo que for possível.

A questão aqui parte da popularidade, muitíssimas pessoas não se importam com a personalidade, o trabalho ou as propostas dos políticos, o que lhes importa é apenas popularidade: se destacada aquele que todo mundo conhece, o nome que sempre está sempre propagado por ai, não importa se para o bem ou para o mal.

Fora que quanto mais a esquerda bater em um nome ou imagem, mais os antiesquerda vão lhe defender e adotar, a questão aqui é justamente não apresentar nada que possa ser defendido ou que dê poder ao antiesquerdismo. Ou seja, parar de dar visibilidade aos nossos inimigos.

O nome ou sobrenome se torna um símbolo muito poderoso e as pessoas não têm medo de se apegar, em vez disso sempre chamar de extrema-direita, fascista ou nazista. Dessa forma as pessoas tem mais possibilidade de rechaçar o “título” em vez de vesti-lo.

Memes e fake news

O outro procedimento que tem sido muito utilizado na reta final e pode ser expandido é o ataque através de memes e fake news. Mas não notícias falsas sobre a esquerda e sim aquelas que eles acreditariam, como o pedido feito pelo “general Benjamin Arrola”. Isso foi genial.

Essa é uma ferramenta muito funcional para que eles “voltem à realidade”, afinal, na medida em que percebem que estão transmitindo idiotices risíveis, passam a questionar a veracidade das notícias que chegam até eles.

Só de fazer eles pensarem duas vezes antes de disseminar qualquer coisa, já gera um bom resultado, até que chegue um ponto em que muitos “inocentes” vão deixar de propagar qualquer coisa que pareça fake e assim diminuirá bastante a propagação de fakenews.

Ou seja, estaremos assim usando a técnica deles contra eles, algo que o Janones tem feito muito bem no Twitter.

E é isso

Talvez o maior desafio seja dar alcance a essas ideias. Dessa forma, se você concorda, mande esse texto para influencers e mídias de esquerda para colocarmos em prática esse processo de libertação de robozinhos.

Para saber mais:

>> Brasil é o 2º país do mundo com pessoas com menos noção da realidade, diz pesquisa

>> Falta conhecimento do eleitor sobre o sistema político, aponta DataSenado

>> A Era da Burrice

>> Redes sociais deram voz a legião de imbecis, diz Umberto Eco

Autor

  • Formado em jornalismo, sempre trabalhou com programação. Depois, se especializou em marketing e agora está mais focado na disseminação da magia do caos e da filosofia zen.

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