Precisamos parar de falar dele

Como evitar que a crítica seja usada para tornar famosos aqueles que atacam a sociedade e outros temas

este texto reelabora e amplia “Precisamos parar de falar do Bolsonaro“, publicado em 2017

Ao contrário do que parece ser um senso comum, falar mal não necessariamente trará o efeito desejado, pode ocasionar justamente o contrário e fortalecer a publicidade positiva daquilo que estamos criticando.

Há uns dez anos atrás, quando o Facebook se tornou a rede social de maior relevância, alguns casos de maus tratos a consumidores começaram a viralizar. Antes, quando dava algum problema em sua compra, só lhe restava reclamar com a loja ou ir no Procon, mas, com o alcance das redes sociais, as reclamações começaram a se tornar públicas.

Acompanhei com muito interesse um dos primeiros casos em que uma reclamação viralizou. Uma mulher tinha printado o bate-papo com um atendente em que ele a destratava sem pudor, como se fosse seu último dia de emprego. A imagem viralizou por toda a internet e faculdades de comunicação até usariam o exemplo para falar sobre gerenciamento de crise.

Quem viu o acontecimento poderia achar que a loja iria falir, ninguém mais compraria nela depois desse boom de publicidade negativa. Mas o resultado final foi justamente o contrário, a partir dessa viralização a loja obteve um faturamento cinco vezes maior no próximo mês.

Esse foi apenas um dos casos que deram um efeito contrário do que o senso comum esperaria.

O que inicialmente pode ter sido apenas uma zebra, pura sorte, começou a ser usado de forma consciente por certas marcas. Lembro-me bem de uma outra página que lançou uma propaganda machista e “comprou briga” com um grupo feminista. A exposição foi tanta que a página ganhou mais de 30 mil seguidores em uma semana.

Essa técnica tem o nome de rage marketing, um tipo de campanha que foca em incomodar as pessoas, normalmente minorias, e utilizar a raiva para alavancar uma marca, produto, página, site ou qualquer outra coisa que seja.

Essa técnica foi instrumentalizada e utilizada de forma extensa na campanha de Donald Trump, em 2016. Enquanto o mundo observava boquiaberto as diversas frases absurdas e ultrajantes do candidato, ele ganhava bilhões em publicidade gratuita, principalmente dos seus próprios opositores, subia nas pesquisas e assim chegava na presidência.

Apesar dessa técnica ter sido instrumentalizada em forma de marketing de forma organizada e visível apenas nesse milênio, esse tipo de mecanismo, aparentemente paradoxal, existe há muito tempo.

Como um néscio chega a presidência

Em 1987 a revista Veja publicava uma matéria sobre um atentado a bomba organizado por um capitão contra o próprio exército. Ao contrário do que poderíamos esperar, esse capitão não só foi inocentado como aproveitou a publicidade “negativa” feita pela revista para iniciar sua carreira política e se elegeu vereador do Rio de Janeiro em 1989.

Durante a eleição de 2018, esse capitão, então candidato à presidência, reencontrou Ali Kamel, diretor de jornalismo da Veja em 1988, eis o diálogo:

— Ali, a gente já se cruzou por telefone ali pelos anos de 1988, não?

Quem viu a cena, conta que Kamel hesitou uns segundos — não esperava a pergunta —, e disse:

— Sim, sim, eu tinha 25 e era chefe de redação da Veja no Rio.

— Sem mágoas, sem mágoas

— Mágoas? Mas como assim? Foi depois daquela reportagem que o senhor se lançou na vida política!

— É isso mesmo. Sabe que há uns dez anos eu encontrei num aeroporto a Cassia Maria Rodrigues (a repórter que escreveu a matéria sobre o atentado). Eu não a reconheci, tinha muitos anos que eu não a via. Mas ela disse: “Deputado, sou a Cassia, aquela repórter de Veja que denunciou o senhor”. Eu disse para ela: ‘Que denunciou que nada! Você me catapultou para a política!

Esse diálogo é descrito em O Cadete e o Capitão, livro-reportagem sobre o atentado a bomba que seria direcionado ao exército.

E, assim, ao contrário do que poderia imaginar o senso comum, a divulgação de um atentado terrorista contra o exército elegeu o responsável pelos planos do atentado.

Vendo que essa forma de marketing funcionava muito bem, o tal capitão se especializou nesse tipo de marketing em sua vida pública. Não se preocupava com projetos de leis ou política de fato, mas sim em aparecer, não importa o tipo de barbaridades que tivesse que falar.

A mídia dava a cobertura que ele almejava e assim ele crescia cada vez mais em sua carreira política. Cada nova barbaridade dita e divulgada, mais apoiadores ele conseguia.

Manipulando a oposição

Infelizmente a esquerda não percebeu a estratégia em 2017 e mordeu a isca de forma fatal. A visibilidade que já era constante em todo tipo de mídia, independente de posição ideológica, também se espalhava por todos os grupos de esquerda, que se esmeravam em dar visibilidade a todos os absurdos que seu adversário falava.

A armadilha funcionou muito bem e todos vimos boquiabertos o que aconteceu em 2018. Claro que esse não foi o único fator a ser levado em consideração. A prisão do principal adversário político do capitão, a facada falsa, e o turbilhão de fakenews, foram os outros grandes fatores que levaram o terrorista à presidência.

Mas vamos focar no que podemos ter controle, que é o fluxo de informação.

Não existe marketing negativo

A grande questão que devemos discutir é o motivo pelo qual os seres humanos tendem a comprar produtos ou ideias, mesmo que esses ganhem uma ampla divulgação ruim.

Quando a loja virtual citada no começo do texto ganhou notoriedade através da divulgação de uma resposta mal educada de um atendente, milhares de pessoas que não conheciam a loja passaram a conhecer, e uma vez que visitaram a loja acharam produtos interessantes e fizeram suas compras, tendo esquecido, ou não, o motivo que os levaram lá.

E um dos “mecanismos mentais” que age nesse caso é justamente o esquecimento, infelizmente o ser humano geralmente não tem uma memória muito boa e depois de um tempo nem vai se lembrar mais da parte negativa de uma marca ou de uma figura pública, mas vai lembrar deles.

É possível ver uma imagem clara desse mecanismo funcionando. Você vê um meme sobre uma loja que maltratou um cliente, entra na loja, fica navegando sem nem lembrar de como chegou ali, acha um produto de seu interesse e compra.

O outro mecanismo é o de identificação. Talvez em vez de você se identificar com o cliente, você se identifica com o atendente mal-educado, pois faria o mesmo que ele, se pudesse. Isso causa uma certa libertação mental, como se aquele atendente mal-educado fosse um herói que lhe representa.

No caso da loja esses dois mecanismos resumem bem o processo de crescimento de uma marca que teve um marketing negativo amplamente divulgado.

Mas, no caso de pessoas públicas, para além desses fatores existe o fator do confronto. Imagine que uma pessoa de que você goste fale mal de uma pessoa que você nem conhece. Geralmente não faremos nenhum esforço para conhecer essa outra pessoa e para tirar nossa própria conclusão, apenas acreditaremos cegamente na primeira, pois ali existe uma relação de afeto que não queremos perder. Inclusive é exatamente por isso que se usam pessoas famosas em publicidade, não fazemos uma análise do produto, apenas acreditamos na imagem daquele famoso que gostamos e pronto.

O mesmo acontece com o contrário: se uma pessoa que não gostamos fala mal de uma outra pessoa, não vamos buscar conhecer essa outra pessoa para saber como ela é de verdade, mas sim a aceitamos facilmente, pois se “você é inimigo do meu inimigo, então é meu amigo”.

Esse é o mecanismo que funcionou em grande escala na eleição de 2017, o inimigo mais proeminente da esquerda foi declarado, então aqueles que eram contra a esquerda não tiveram nenhum pudor em abraçar o terrorista, apesar de todos os problemas claros que ele tinha, pois afinal era a melhor chance de derrotar o inimigo primário.

Ainda existem três fatores psicológicos que agem para que esse tipo de paradoxo aconteça, o viés de confirmação, a dissonância cognitiva e o backfire effect.

O viés de confirmação nos faz ter a tendência de lembrar, interpretar, pesquisar, ou dar mais atenção e credibilidade a informações que confirmem as nossas crenças pré-estabelecidas. Se não gostamos de uma pessoa, tendemos a sempre acreditar em qualquer coisa ruim dita sobre ela sem se preocupar com a realidade dos fatos.

A dissonância cognitiva é o nome dado a um viés cognitivo que leva as pessoas a procurarem algum tipo de coerência em suas crenças e ideologias, embora a realidade as desminta com fatos. Basicamente a pessoa distorce a realidade para encaixá-la em suas crenças, ou ignora, pois o confronto entre a crença e a realidade pode causar um mal estar.

E o backfire effect é como um escudo que defende nossas crenças. Em teoria, se nossas crenças forem confrontadas com fatos comprováveis, nós reavaliaríamos nossas crenças, no entanto, dependendo do quanto nossas crenças estão enraizadas em nossas pisque, o que acontece é o contrário, ignoramos os fatos e passamos a colocar ainda mais poder nas nossas crenças.

Esses últimos mecanismos explicam bem o por que é tão difícil convencer uma pessoa que ela está errada, o porque é tão difícil mudar o voto de alguém que está convicto, mesmo que você mostre os diversos vídeos de uma pessoa falando os absurdos mais execráveis.

Ou seja, não há motivos para usarmos vias de comunicação supondo que estamos tratando de pessoas racionais. O apego a crenças, descontrole emocional e incapacidade cognitiva são as características básicas dessa massa de pessoas que foi facilmente ludibriada com fake news e desinformação.

Mas, ainda que não seja mais possível converter pessoas que já enraizaram suas crenças, a melhor possibilidade de conseguir captar pessoas que ainda tem uma possibilidade de salvação não é o confronto, é justamente o contrário, seja a empatia, a maiêutica ou o silêncio.

Com o completo apagão do nome do adversário teríamos a maior eficiência contra o backfire effect, afinal se não há ataque, não há defesa e, portanto, não há enraizamento maior das crenças. O tempo de fazer ataque é convertido em tempo de campanha real, ou seja, falar sobre o projeto do novo governo para o Brasil. Também causaria menos antipatia em um público que está cansado dessa guerrinha de farpas.

Mas o principal é que daria menos alcance ao nome dele, impedindo assim que se mantivesse na cabeça daqueles que nem sabem o que está acontecendo, mas tem que votar em alguém em outubro.

Além disso, o efeito de rage marketing que ele proporciona com aquela tonelada de fake news passaria a ser benéfico do lado de cá, pelo simples fato de ser o nome mais citado, para o bem ou para o mau, aproveitando assim o mesmo mecanismo que queremos evitar.

Portanto eu convido você a se unir a esse silêncio, e simplesmente parar de falar dele.

Autor

  • Formado em jornalismo, sempre trabalhou com programação. Depois, se especializou em marketing e agora está mais focado na disseminação da magia do caos e da filosofia zen.

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