Quatro documentários sobre a Ucrânia

Os protetos do Euromaidan, o separatismo no Donbass e os grupos nazistas operantes no país estão entre os temas retratados

Cena do documentário Inverno em Chamas

Desde 2022, quando foi invadida pela Rússia, a Ucrânia está em guerra. Com apoio dos Estados Unidos e da Europa, têm conseguido barrar uma vitória russa, tendo causado importantes perdas ao exército invasor e ensaiado uma recuperação em ampla escala do seu território. No entanto, nas últimas semanas têm demonstrado que suas possibilidades de reação escasseiam, seja pela falta de recursos, seja pelo interesse internacional ter se voltado a outros acontecimentos – como a invasão de Gaza por Israel.

Veja também:
>> “Algo de novo no front: um ano de invasão da Ucrânia pela Rússia“, por Bruno Cava
>> “Putin x Zelensky: A Guerra das Narrativas e a Busca pela Verdade“, por Primo Deusdeti

Neste texto, nos colocamos antes de tudo isso, apresentando documentários que contam as situações políticas que antecederam e montaram o cenário em que se deu a guerra atual. Vejam abaixo as indicações. Espero que vejam de mente aberta, com um olhar aguçado. E não se esqueçam de Sartre: “Quando os ricos fazem a guerra, são sempre os pobres que morrem”.

Inverno em chamas : a luta da Ucrânia pela liberdade [Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom]

Da lista que tenho para indicar aos leitores de Úrsula, esse é, sem dúvidas, o mais chapa branca, o mais facilmente identificado com o que chamo de propaganda eurocêntrica. O documentário começa sua narrativa apresentando cenas de forte conflito entre os manifestantes e forças do governo ucraniano na praça Maidan. A ideia é criar uma atmosfera que faça o espectador sentir empatia pelos manifestantes, justamente para conseguir apoio ao que se sucede. Entre os manifestantes e a polícia, cadáveres, tiros e bombas. O documentário também dá destaque a um rapaz armado de 16 anos, que se diz um patriota ucraniano.

Após essa apresentação um tanto caótica, um breve retrospecto da Ucrânia a partir de sua independência da União Soviética, em 1991, é apresentado. Em 2004, Viktor Yanukovych, um candidato pró-Rússia, é eleito presidente, resultando em eleições contestadas por fraudes e levando a população ucraniana às ruas em um protesto conhecido como a Revolução Laranja. O resultado eleitoral é posteriormente anulado.

Em 2010, Yanukovych é eleito novamente, desta vez com uma abordagem mais favorável à população ocidental, prometendo assinar um acordo de livre-comércio com a União Europeia. Contudo, no outono de 2013, o primeiro-ministro Mykola Azarov anuncia que esse acordo com os países europeus não seria mantido.

Parte da população retorna às ruas. Em 21 de novembro, mesmo sob chuva, um grupo diversificado de estudantes, profissionais liberais e artistas ocupam a Praça Maidan, em Kiev, com bandeiras da União Europeia.

As manifestações inicialmente eram festivas, com uma roupagem de manifesto democrático, todavia, o ambiente logo se transforma em um movimento de resistência, conhecido como Euromaidan.

O documentário mostra a escalada de violência e a repressão policial, sempre com imagens chocantes de confrontos violentos. Todavia, cada imagem, cada trecho, é cuidadosamente selecionado.

O documentário é um recorte bem pensado, estrategicamente construído. Ele concentra-se em depoimentos e não aborda a complexidade da divisão social ucraniana entre uma população pró-russa e outra pró União Europeia. O filme omite de forma vergonhosa a presença dos vários grupos neonazistas durante os protestos. Também omite o apoio dos Estados Unidos com o financiamento das manifestações, inclusive com autoridades do país em território ucraniano.

Enfim, é um documentário que precisa ser assistido com um olhar crítico e cuidadoso. Se aceitarmos a narrativa apoiada pelas imagens impactantes da violência, seremos tragados para uma visão simplista do conflito e seus antecedentes.

Ucrânia em Chamas [Ukraine on Fire]

Dirigido por Oliver Stone, tem uma pegada bem diferente do anterior. O documentário é bem produzido, trabalha estrategicamente com uma narrativa pró-Rússia, apresentando argumentos alinhados ao discurso de Vladimir Putin sobre a Ucrânia. O filme optou por uma narrativa que busca contar a história da Ucrânia, tentando traçar um histórico desde o século 17.

De maneira geral, ao longo de dois séculos, a região da Ucrânia foi dividida entre a Polônia e o Império Russo, entre outras divisões. Sua primeira proclamação de independência ocorreu em 1917, mas foi de curta duração. Em 1922, a Ucrânia tornou-se um dos estados soviéticos, permanecendo nessa condição até a declaração de independência em 1991.

Basicamente, a ideia do documentário é fazer o espectador aceitar a ideia de que a região seria naturalmente e historicamente parte da Rússia, o que é problemático do ponto de vista historiográfico.

Um ponto importante discutido no filme de Oliver Stone é a associação dos protestos com o nazismo. No relatório “A New Eurasian Far Right Rising“, de 2020, a organização Freedom House chegou à conclusão de que a direita radical/neonazista“representa agora um elemento sofisticado e politicamente influente da sociedade” ucraniana. Esses grupos são descritos como tendo uma estrutura “altamente profissionalizada e visível” no país. O documentário mostra que eles foram determinantes para as agitações políticas no país.

Durante as cenas da ocupação da Praça Maidan em 2013, é possível observar bandeiras de movimentos inspirados no nazismo, identificáveis pelas cores vermelha e preta. Contudo, é forçado afirmar que essa é a tendência dominante entre os ucranianos.

Oliver Stone conduz entrevistas diretas com Vladimir Putin, o presidente ucraniano pró-Rússia Viktor Yanukovych e outros membros de seu governo. Quando o documentário termina, fica clara a posição do diretor, inclinada para a posição russa no conflito. No entanto, o documentário contribui para o entendimento da situação atual na Ucrânia. Penso que num cenário de conflito narrativo, compreender as argumentações de cada lado é crucial, já que uma guerra muitas vezes se desenrola também no campo das narrativas. Vale a pena assistir, todavia, com um olhar atento.

Rosas têm Espinhos [Roses Have Thorns]

Essa é uma série pesada, dividida em 17 partes. Explora a guerra na Ucrânia a partir do início dos protestos do Euromaidan no final de 2013. Os eventos são apresentados em ordem cronológica, sem comentários, utilizando apenas imagens não editadas, relatos jornalísticos, entrevistas com testemunhas e declarações oficiais. Foi pouco divulgada no Brasil, tem imagens e cenas fortes, principalmente da região de Donbass e do Massacre de Odessa. É um compilado fundamental para compreender os antecedentes. Pode ser vista aqui.

Donbass – A Verdade Escondida Sobre A Guerra Na Ucrânia

Esse documentário pouco conhecido no Brasil foi lançado em 2016 pela corajosa jornalista francesa Anne-Laure Bonnel. Seu trabalho foi documentar a vida dos separatistas ucranianos na região do Donbass.

Anne-Laure decidiu acompanhar Alexandre, um pai de origem ucraniana, até a região de Donbass, no leste da Ucrânia, em uma região majoritariamente pró-russa, e capturou imagens terríveis de um conflito mortal e de um desastre humanitário sem precedentes. Donbass é um documentário envolvente e imersivo em um país dilacerado pela guerra.

 

Todavia, registrar a guerra não se resume apenas a filmar combates, explosões e mortes. Quando a guerra é tratada como espetáculo, muitas vezes tendemos a esquecer o que a cerca. Fora das telas, populações inteiras lutam para sobreviver.

Donbass informa sobre essa luta, mostra esse dia a dia. Anne-Laure escancara o conflito em sua universalidade e apresenta o que normalmente não nos é mostrado.

Penso que o documentário não passa uma mensagem política a favor ou contra qualquer lado do conflito. Entendo que a diretora fez um trabalho muito bem executado. Assim, recomendo Donbass, entendendo que ouvir os testemunhos de todas as partes antes de chegar a qualquer julgamento definitivo, seja fundamental para qualquer pessoa interessada em geopolítica.

Autor

  • Bacharel e licenciado em História pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC/Campinas), com especialização em Patrimônio Histórico e Cultural pela mesma universidade. Possui também especialização em Gestão Cultural pela Cátedra de Girona e Observatório Itaú Cultural.

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