O racismo estrutural e a conservação de desigualdades

Como se contrapor ao legado nefasto do colonialismo europeu?

Registro de 2007 do estádio Ramon de Carranza, na Espanha | imagem: Mayi Reyes

O futebol, recentemente, explicitou o racismo na sociedade, com o caso do jogador brasileiro Vini Jr. sendo hostilizado por um estádio inteiro que o atacava chamando-o de macaco. Não foi a primeira e nem deve ser a última vez que Vini Jr. e tantos outros jogadores sofrerão com o racismo europeu. A sociedade europeia alicerceu o desenvolvimento do seu capitalismo colonial transformando homens em mercadoria, enxergando negros e indígenas como inferiores e, portanto, passíveis de serem escravizados, mortos e humilhados.

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A situação do jogador incentiva um debate que, hoje, tem sido tratado com mais frequência fora dos espaços onde foi construída a sua crítica mais sólida – aqueles em que atuam os teóricos e militantes negros. Apesar dos avanços, a questão está bem longe de ser resolvida. Há muito o que fazer. Este texto, de forma sucinta e com base em alguns autores negros importantes, pretende demonstrar como o racismo está estruturado em nossa sociedade, quais as consequências disso e como podemos atacar a questão para que tornemos nossa sociedade mais diversa e inclusiva.

Primeiramente, é preciso lembrar e enfatizar que o racismo estrutural não é circunscrito à Europa, pelo contrário, é um fenômeno complexo que permeia as bases das mais diversas sociedades contemporâneas. Não podemos esquecer toda a história de segregação racial nos EUA, nem o apartheid na África do Sul, ambos os casos sob o aparato da legalidade. Não podemos esquecer do nosso Brasil, país onde morre um jovem negro a cada 23 minutos, segundo divulgado em estudo da Organização das Nações Unidas.

No contexto do racismo estrutural brasileiro, as desigualdades socioeconômicas são evidentes. Segundo dados do Senado, grupos raciais marginalizados, como afrodescendentes e indígenas, enfrentam barreiras no acesso a oportunidades em diversas áreas, como emprego, educação, moradia adequada e crédito. Nesse sentido, ao desigualdade se torna a face mais cruel do racismo brasileiro, pois impede que as pessoas tenham acesso às mesmas oportunidades e recursos. A partir dessa perspectiva, podemos entender que as desigualdades resultam em disparidades significativas em diversas esferas da realidade, como na renda, riqueza e padrões de vida entre diferentes grupos raciais. O racismo atua de forma a criar um ciclo que dificulta muito a mobilidade social, mantendo a partir da estrutura, a separação evidente de classes.

Além das desigualdades socioeconômicas, o racismo estrutural também se manifesta de forma evidente nas esferas da educação e da justiça. A educação é um campo onde o racismo estrutural se perpetua, com aparelhos escolares que não reconhecem e valorizam a diversidade, perpetuando estereótipos e negando oportunidades. Nas universidades essa segregação se dá em várias instâncias, como argumenta a filósofa Sueli Carneiro para a TV Senado. De minha experiência pessoal, tive o desprazer de me deparar com situações desagradáveis acerca de temas sensíveis nas escolas de meus filhos e nas universidades em que passei. 

Nesse sentido, precisamos compreender que, embora tenhamos alguns bons exemplos no Brasil, nosso sistema educacional é deveras mal estruturado. Isso faz com que grupos raciais minoritários enfrentem diariamente o problema da segregação escolar e do baixo desempenho educacional. Essas disparidades limitam as oportunidades desses alunos e fazem com que a reprodução de permanência social seja mantida na luta de classes, negando a igualdade de acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento de habilidades e competências.

No sistema de justiça, o racismo estrutural atua na seletividade e no tratamento desigual das pessoas. As polícias e os tribunais agem com preconceito racial estrutural, realizando detenções e condenações mais severas. As polícias promovem violência desproporcional em áreas periféricas. Esses fatores surgem como obstáculos massivos para o desenvolvimento intelectual e social dos indivíduos, resultando em superpopulação carcerária, impactando as vidas das famílias, que ficam desestruturadas. Isso é facilmente observado no estudo publicado no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, onde vemos que a taxa de negros aprisionados é bem maior se comparada ao número de pessoas brancas em cárcere. 

Angela Davis, ativista e escritora norte-americana, argumenta em suas palestras e livros que a população carcerária nos EUA é um exemplo claro do racismo estrutural e da violência estatal que é dirigida à comunidade negra, pois ela representa cerca de 13% dos norte-americanos, enquanto, nos presídios, ela representa cerca de 33%. No Brasil as estatísticas não são muito diferentes.

Segundo os dados de 2021 do IBGE, cerca de 54% da população brasileira é negra. Nas cadeias, o número de negros encarcerados é 67,4%, dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Temos um problema grave para combater.

Na esfera cultural, o racismo se manifesta moldando as representações e estereótipos presentes em nossas vivências cotidianas, na mídia, nos filmes, na forma como notícias são veiculadas, etc. A falta de representatividade de pessoas negras e indígenas em cargos de liderança ou em posições socialmente mais destacadas, auxiliam na disseminação de estereótipos preconceituosos, contribuem para a marginalização e invisibilidade dessas pessoas, reforçando a autoridade racial existente, que coloca os brancos como privilegiados. 

Frantz Fanon, um dos intelectuais mais respeitados acerca da questão racial, já dizia que os estereótipos raciais são armas poderosas usadas para fortalecer a opressão, perpetuando uma imagem de inferioridade e subordinação de certos grupos raciais.

As raízes do racismo estrutural são muito profundas e abrangem diversas esferas da realidade e para combater esse fenômeno e minimizar seus efeitos nefastos, a professora de direito e teoria da interseccionalidade da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia e na Columbia Law School – ambas dos Estados Unidos –, Kimberlé Crenshaw argumenta que as sociedades precisam reconhecer a interseccionalidade das opressões e trabalhar em conjunto para criar um sistema mais justo e inclusivo, que reconheça e valorize a diversidade de seres humanos, experiências e vivências (leia mais sobre isso neste artigo).

Em última análise, para que casos como o de Vini Jr., e tantos outros milhares não voltem a ocorrer, nós precisamos trabalhar pela erradicação do racismo na estrutura e isso requer um esforço coletivo e uma vontade política de questionar os privilégios. Esse esforço precisa ser abrangente, e precisa vir de todas as áreas da sociedade, como a educação, a segurança, o esporte, a cultura, a indústria e a religião. 

Para tanto, a comunidade internacional, não só a sociedade brasileira, precisa desmantelar, repensar e reorganizar as estruturas das instituições que perpetuam o racismo institucional, que se manifesta tanto no público, como no privado, de forma indireta, promovendo a exclusão e o preconceito étnico-racial. 

Autor

  • Bacharel e licenciado em História pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC/Campinas), com especialização em Patrimônio Histórico e Cultural pela mesma universidade. Possui também especialização em Gestão Cultural pela Cátedra de Girona e Observatório Itaú Cultural.

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