No que os “patriotas” erraram?

É inevitável enxergar a invasão ao prédio do STF como correta na forma, embora incorreta na finalidade

Registros do prédio do STF após a invasão de 8 de janeiro de 2023 | imagem: Fellipe Sampaio/STF

Em janeiro de 2023, o mundo assistiu perplexo por meio da imprensa, à invasão das dependências dos Três Poderes pelos autodenominados “patriotas”. Todavia, que surpresa houve se esse grupo, havia meses, pusera-se a marchar em frente a quartéis, entoando cânticos de caserna e pedindo intervenção militar?

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Um dia antes dos ataques, recebi a informação de que havia sido prolatada uma sentença penal condenatória contra um cliente meu. Réu confesso do crime de tráfico, a sua condenação já era esperada. Contudo, o perdimento do seu veículo para o estado, não. A legislação brasileira impõe o perdimento do bem caso fique comprovado que ele é produto do tráfico, ou então que era utilizado para a prática do crime.

Os policiais civis que investigaram o meu cliente afirmaram que nunca o viram usar o seu veículo para praticar nenhum crime, bem como que nada de ilícito fora encontrado dentro do automóvel. Mesmo assim, o juiz decretou o perdimento do automóvel pelo simples fato de ele ter estado estacionado na garagem da residência onde foi encontrada certa quantidade de drogas.

E o que isso tem a ver com as invasões às instalações dos Três Poderes? Quase tudo. Qualquer generalização é equivocada, mas há de se afirmar que pessoas execráveis como esse juiz estão espalhadas por todo o Poder Judiciário. É por isso que as grandes empresas instaladas no Brasil preferem contratar um juiz arbitral – aquele contratado de forma privada para arbitrar os interesses de ambos os lados – do que levar suas causas a um poder público lento, ineficiente e completamente inseguro sob o ponto de vista jurídico.

Algumas das críticas dos bolsonaristas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em relação ao período eleitoral parecem-me válidas. Mas esses mesmos bolsonaristas, não tenho dúvidas, aplaudiriam a atitude injusta do juiz sorocabano, do mesmo modo que aplaudiram e ainda aplaudem os desmandos jurídico-políticos da famigerada Operação Lava-Jato. Eles não percebem que se trata do mesmíssimo problema: pessoas idiotas (do grego idios – fechado em si mesmo) ocupando cargos de excepcional relevo jurídico; idiotas que vão fazer o que querem, nem que para isso tenham que transgredir as leis e a Constituição.

Vale lembrar que, depois do ataque, o Poder Judiciário chegou a declarar que havia indícios de prática de terrorismo. Acontece que a Lei 13.260/2016 dispõe expressamente que manifestações sociais com propósito reivindicatório não podem ser consideradas terrorismo. Não nos olvidemos também de que as audiências de custódia dos “patriotas” foram mera formalidade, pois, nas palavras de Sebastião Coelho, desembargador aposentado, todos os pedidos teriam que ser feitos ao ministro Alexandre de Moraes.

Como lido com essa chusma togada cotidianamente, confesso que enxerguei a destruição do STF com outros olhos, pois, se o único poder da República que não tem seus cargos ocupados por escolha popular não respeita as leis, que são a vontade do povo, seria correto afirmar que se trata de um poder democrático? Seria correto afirmar que se trata de um poder republicano?

Chegamos a uma situação em que me parece inevitável enxergar a invasão ao prédio do STF como correta na forma: o que fazer quando o Estado-Juiz simplesmente descumpre, ao seu talante, a Constituição Federal e as leis? O que fazer quando não há mais diálogo por parte dos juízes? Há outro modo de refrear o Judiciário que não pela via revolucionária?

Onde foi, então, que os “patriotas” erraram? A mim, a atitude só foi absurda na medida em que a motivação não foi a correta. Se o povo tivesse danificado as dependências do STF pelos Wellingtons e Maicons da vida, eu não só os aplaudiria, como provavelmente estaria lá, ajudando a estilhaçar cada centímetro daquele lugar que deveria ser ocupado pela mais lídima Justiça, mas que infelizmente tem representado o que há de mais condenável na estirpe humana: homens e mulheres que, em detrimento de qualquer ideal deôntico de justiça, ou seja, que analise firmemente a norma com método, entronizam as suas próprias vontades, impondo-as aos demais.

Os patriotas erraram no telos, na finalidade, no conteúdo de seus atos, naquilo que os impulsionou a fazer o que fizeram. É dizer que não agiram como agiram pelos motivos justos. E essa ausência de finalidade correta deslegitima por completo suas ações.

Trata-se de um erro que custa caro, pois, enquanto o povo não agir pela motivação correta, seus atos serão tão execráveis quanto ao do juiz sorocabano, na medida em que ambos não são representativos da Justiça, da ânsia de atribuir a cada um o que é seu por direito, mas sim de querer ditar suas vontades goela abaixo da população.

E, mesmo sofrendo na pele os efeitos do esvaziamento das ferramentas do Estado Democrático de Direito, os “patriotas” insistem em não enxergar o que está acontecendo – uma situação fantástica para as autoridades constituídas, pois, enquanto o esclarecimento do povo não for uma pujante realidade, não haverá ação popular legítima. E, se não houver legitimidade popular, o status quo estará seguro.

Autor

  • Advogado criminalista, especialista em Problemas Fenomenológicos e Hermenêutica e doutorando em Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires.

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