Homens seguindo seu próprio caminho?

As ideologias MGTOW e red pill, suas ligações com a misoginia e o extremismo de direita e pesquisas atuais sobre esses movimentos

Ameaça do Coach da Campari

Recentemente a polêmica em torno da chamada ideologia red pill e suas adjacentes ganhou as redes sociais com muitos vídeos e textos produzidos por mulheres e homens. Essa reação veio após uma fala machista e misógina ganhar notoriedade nas redes. O “Coach do Campari”, como ficou conhecido o influenciador Thiago Schutz, recebeu uma série de respostas de outros influenciadores e influenciadoras, que discordam de suas posições acerca das mulheres e de relacionamentos amorosos.

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Apesar de suas opiniões absurdas, elas em si não configuram crime. Todavia, o problema grave surge quando Thiago Schultz decide ameaçar a atriz Lívia Lagatto e a cantora e tiktoker Bruna Volpi por ironizarem e rebaterem suas falas. “Processo ou bala”, escreveu para ambas.

Todo esse ocorrido caiu como uma bomba nas redes e suscitou diversos debates e reportagens na mídia hegemônica. No entanto, esse texto não vai explorar o ocorrido e seus desdobramentos, na verdade, vou me debruçar aqui sobre as ideias que orbitam a subcultura MGTOW (sigla de Men Going Their Own Way – “homens seguindo o seu próprio caminho”, em tradução livre), que é uma das bases que alicerçam a ideologia red pill, da qual o “Coach do Campari” é signatário.

A subcultura MGTOW é uma espécie de ideologia que teve seu advento numa comunidade on-line de homens que, inicialmente, rejeitavam as normas tradicionais a respeito de questões de gênero, bem como as expectativas sociais em relação aos homens.

Apesar de parecer absurdo, a ideologia MGTOW se baseia na ideia de que os homens estão melhor sozinhos e não devem se envolver emocionalmente em relacionamentos com mulheres.

Essa subcultura está diretamente ligada ao ecossistema digital da red pill e possui um arcabouço teórico que tem influenciado milhares de jovens do sexo masculino. Essas teorias conspiratórias supostamente comprovariam que o mundo é regido pelo ginocentrismo, que seria a prática de colocar os seres humanos femininos e seus pontos de vista à frente de qualquer outra coisa. Para os MGTOWs, o ódio pelo masculino, conhecido como misandria, também seria um de seus alvos de combate. Nesse sentido, a ordem social do mundo ocidental precisaria ser questionada, pois estaria amplamente voltada para prejudicar os homens. Para esses grupos, a única forma de realizar esse combate é se abster de relacionamentos com mulheres, buscando o aperfeiçoamento psicológico, financeiro e estético.

Os defensores do MGTOW acreditam firmemente que as mulheres têm poder e privilégios excessivos na sociedade atual e que esses privilégios são frequentemente usados para prejudicar ou explorar os homens. Eles argumentam que muitas mulheres usam acusações de assédio sexual e violência doméstica como armas para obter vantagens em divórcios e em batalhas judiciais pela guarda de filhos. Os MGTOWs também criticam o feminismo, argumentando que essa ideologia leva as mulheres para uma cultura de vitimização e demonização dos homens.

Para alcançar cada vez mais adeptos, a ideologia MGTOW criou uma base sólida de influenciadores. Eles possuem uma rede milionária que oferece serviços, cursos, livros e treinamentos que possuem o objetivo de fazer que os homens escapem da “armadilha” de desejar mulheres, pois, segundo a ideologia, elas são as causadoras de todos os males do mundo, invocando, portanto, o livro bíblico do Genesis, que coloca a mulher como a responsável pelo declínio de Adão e, logo, de toda a humanidade.

Grande parte dos membros da subcultura MGTOW entende que ela é uma filosofia de vida, e não um movimento político. Aliás, para os MGTOWs, a ação política é desnecessária, pois acreditam que as mulheres exercem o domínio político e cultural do mundo atual, sendo portanto, uma perda de tempo para o movimento esse tipo de engajamento.

Mas como os homens são tragados para essa ideologia?

As formas são variadas. Muitos homens acabam se identificando com a ideologia MGTOW por terem sofrido problemas afetivos que resultaram em rompimentos com mulheres e perdas financeiras significativas por conta das leis, que, segundo eles, privilegia as mulheres. Muitos influenciadores MGTOWs produzem conteúdos relacionados ao mercado financeiro e não incentivam o relacionamento com mulheres, pois entendem que essas relações são um péssimo investimento no médio e longo prazo.

Todo esse aparato ideológico faz com que os homens desenvolvam uma espécie de interpretação da realidade que não condiz com materialidade da vida em sociedade. Tanto na ideologia red pill como na MGTOW existe um potencial de violência contra as mulheres, e já existem casos de violência atrelados a homens que seguem essas ideologias. A propagação dessas ideias sem base na realidade material gera efeitos colaterais perigosos para as mulheres.

Os EUA têm sido o maior celeiro dessas ideologias. Elas surgiram nos anos 1970 e não teriam a mesma influência sem a internet. É justamente por causa da rede mundial de computadores que essas ideias se espalham pelo Brasil e por outras localidades.

Existem alguns fatores preponderantes para o crescimento dessas comunidades, como a facilidade de descobrir esses debates em plataformas abertas, o anonimato e a falta de consequências sobre as opiniões ali colocadas e o acesso a fontes extremamente duvidosas de informação disponíveis na internet. A insatisfação política e a forma como os algoritmos estão estruturados, ou seja,  promovendo uma espécie de criação de bolhas, também são aspectos relevantes, pois promovem o agrupamento de comunidades on-line, que se alinham por afinidades e ideologias.

O Reddit tem sido o maior ponto de encontro virtual para esses encontros e discussões e por lá é possível encontrar, com certa facilidade, discussões onde a alt-right está muito presente. A quantidade de extremistas presentes no Reddit e que estão ligados a movimentos misóginos, nacionalistas chauvinistas, supremacistas e neonazistas é enorme.

Um desses nacionalistas dedicados a pregar a eugenia é Andrew Anglin, dono do site The Daily Stormer, que já admitiu em entrevistas que seu site neonazista teria sido projetado para cooptar jovens e crianças ao seu sistema de crenças. O site reúne todos os tipos de teorias da conspiração possíveis. e procura fazer com que esses públicos migrem das ideologias “redpilladas” para crenças ainda piores, como o supremacismo/nacionalismo branco.

Esses grupos também estão livremente atuando no Twitter, em diversos canais no Youtube e também no Facebook, com muitas páginas voltadas ao assunto. A maior delas é a MGTOW Global.

A ideologia MGTOW tem sido fortemente criticada e combatida por promover a misoginia e por se concentrar em ressentimentos em vez de abordar as questões de gênero. Muitos estudos estão sendo realizados para entender com profundidade o problema e propor soluções. O pesquisador brasileiro Manoel Horta Ribeiro, da Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL), na Suíça, tem realizado um trabalho desde 2005 para identificar como esses grupos agem e como proliferam suas ideias. Ele participa do iDrama Lab que é um grupo de pesquisa internacional que estuda problemas sociotecnológicos relacionados a danos on-line e segurança cibernética, e publicou com outros sete pesquisadores o artigo “The Evolution of the Manosphere Across the Web” [A Evolução da Manosfera Pela Web], que analisou 28 milhões de publicações feitas entre os anos de 2008 e 2019 em seis fóruns e 51 subreddits. Outro texto de Horta Ribeiro nesse sentido é “Are Anti-Feminist Communities Gateways to the Far Right? Evidence from Reddit and YouTube” [Comunidades antifeministas são válvulas de escape da extrema-direta? Evidências do Reddit e do Youtube]. 

Recomendo também o trabalho de mulheres ativistas como a pesquisadora canadense Mary Lilly, que publicou em 2016 a tese “The world is not a safe place for men’: The representational politics of the manosphere” [O mundo não é um lugar seguro para os homens: As políticas representativas da manosfera]. Apontar os erros teóricos contidos nas abordagens MGTOW e red pill é um debate necessário.

Autor

  • Bacharel e licenciado em História pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC/Campinas), com especialização em Patrimônio Histórico e Cultural pela mesma universidade. Possui também especialização em Gestão Cultural pela Cátedra de Girona e Observatório Itaú Cultural.

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