Ciro Gomes e o 1º de janeiro de 2023

Filiado ao PDT, Vinicius Guerrero analisa o papel de Ciro hoje e defende a importância de levar adiante as ideias da sua campanha, para além da candidatura

“Escrevo esse texto pela candidatura de Ciro Gomes, mas mais que isso” | imagem: Jeso Carneiro

Teremos uma campanha tumultuada até as urnas em 2 de outubro e depois, no provável segundo turno, em 30 de outubro. Os ânimos acumulados por conta da pandemia de covid, o cânion aberto na sociedade brasileira por obra e graça da mídia reagindo a graves casos de corrupção, as ameaças da situação (governo) ao sistema eleitoral com uma provável intentona trumpista tupiniquim e o “silêncio dos inocentes” sobre uma provável repetição da invasão do Capitólio alargam uma ferida que não irá fechar assim sem mais nem menos, seja qual for a resultante eleitoral.

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É grave a possibilidade de Jair Bolsonaro ser sacado da presidência pela escolha popular através do sufrágio universal e, com isso, não entregar a faixa presidencial ao sucessor, repetindo a atitude do general Figueiredo. Essa atitude terceira, somada ao telefonema de parabenização ao vitorioso e ao reconhecimento público dos resultados, forma a trinca sagrada na cultura democrática para o simbolismo da transmissão do poder. Mesmo em tempos de exceção, ao menos um telefonema discreto ocorria, uma conversa à mesa, mas sempre a transmissão da faixa (mesmo entre militares). Dado o desprezo manifesto de Bolsonaro à coisa pública é provável que esse costume também seja interrompido. Aliás, qual adversário desejaria hoje em dia tal reconhecimento por parte de Jair? Quem faria questão? A situação é complicada por todos os lados.

Escrevo esse texto a convite para a revista Úrsula com intuito de defender a candidatura de Ciro Gomes, mas mais que isso. É também vontade desse autor advertir o leitor acerca do perigoso momento em que nos encontramos. Apesar das falas sobre polarização e terceira via, a realidade é que em matéria econômica realmente há um amplo setor que congrega a maior parte das esquerdas, o centro tático, as direitas e o protofascismo escatológico em uma mesma intenção: a manutenção do modelo neoliberal com divergências apenas na forma com que se tratam as minorias, as tradições sagradas e a cultura nacional. Para esse pessoal, de maneira ou outra, Fukuyama estava certo e a História já acabou, pelo menos economicamente. Não parece haver mais a vontade de mudar conceitos nem mexer no modelo. Com algumas diferenças na condução, mas percorrendo um mesmo caminho, acreditam no azeitar da Máquina, todas as peças querem ser engrenagens perpetuadas no Sistema. Todos com mais de 1% de intenção de voto na disputa presidencial, exceto Ciro Gomes.

A vontade de retirar Bolsonaro do poder está sendo mais encarada, por ampla parte da sua oposição, como um aceno diplomático ao mundo, mas em vez de explicarem ao nosso povo as causas econômicas que nos trouxeram até aqui, definem reduções sobre a economia no consumo de bebíveis e comestíveis, quase sempre itens de churrasco, o que obviamente alegra e atrai, mas também engana, uma vez que as condições que encontraremos em 2023 serão ainda piores que a dos últimos anos sem, inclusive, contarmos com uma bonança garantida por commodities já há mais de uma década. Quem da população se sentir traído por esse discurso reabastecerá grupos de ressentidos que caminharão feito ovelhas ao pastor que souber agrupá-las. Conhecem essa história? Pois bem, as chances de que se repita são enormes só que de maneira mais veloz dado nosso passado recente. A cultura bolsonarista já nasceu e não deixará de existir tão facilmente, seja qual for o resultado eleitoral.

A ânsia figadal (e agora também fidagal) em devolver alguém civilizado para a cadeira da República age mais rápido que a razão e o candidato que atentou e atenta a essa última foi colocado contra as cordas e qualquer ideia de coalizão transmitida por ele em acenos políticos foram bloqueados pelas forças políticas, qualquer nome que ele pensou trazer para perto de si foi convidado por quem aparece na frente das pesquisas. Toda essa dinâmica de empobrecer Ciro parece ter oferecido combustível a certa parte de seus adversários e até pode ter abalado alguns de seus próprios correligionários, mas para mim há aí uma oportunidade ótima e explico: um partido comprometido de verdade compreende um evento eleitoral como meio e não como fim. Um partido de verdade tem atividades regulares e cálculos para crescer dia após dia, usando as bases criadas ou unidas nas eleições para um processo entre biênios e não somente para eles. Se o projeto de Ciro Gomes está interditado no campo dos acordos com aliados, pois bem, é de minha opinião que ele radicalize ainda mais seu discurso e seu programa de governo, que faça a crítica geral e nomeie, sem adjetivar, os responsáveis. Nesse sentido, tudo que eu escrevi sobre Ciro e seu programa aqui vale para qualquer candidato e força política, mas você não verá Lula radicalizando seu discurso nem seu programa porque ele não pode fazer isso e também porque não é dado mais a fazê-lo desde os anos 1990, pois quando o PT cresceu, acessou o poder desconstruindo aos poucos suas narrativas e bandeiras em nome do só governar, confirmando Deleuze1, necessitando de apoio legislativo de todos esses que golpearam o petismo, mesmo que antes fossem seus próprios aliados táticos. Entre eles, acreditem, estavam Jair Bolsonaro, Fernando Collor e Valdemar Costa Neto, isso na política, mas podemos colocar na conta também Paulo Guedes (então operador financeiro de fundos de trabalhadores cotado para ser ministro em Dilma II), Ernesto Araújo (que defendeu teses sobre os acertos do governo Lula-Dilma nas Relações Internacionais) e até mesmo o “Véio da Havan” (que recebeu grandes aportes de bancos públicos no governo Lula). Isso sem falar dos militares, que foram mimados pelos governos petistas ou do astronauta Pontes que agora anda com terraplanistas.

É irônico como alguém que “nunca passa dos dez por cento” incomode tanto, não? E, pior, como podem os votos desse alguém, tão descartável, surgirem como algo tão necessário para vencer no primeiro turno ou até mesmo no segundo. Quer dizer, só valemos como eleitores e não como cidadãos? É disso que se trata então? Dirijo essa pergunta a todos que concorrem à presidência.

Acreditem, embora esteja jogando para ganhar, Ciro Gomes não precisará vencer nas urnas se conseguir que seus apoiadores entendam bem sua ideia ou, pelo menos, o desenho da mesma e, podendo, organizarem-se em grupos e movimentos para além de qualquer engessamento partidário, para espalharem as tais boas novas de seu projeto. Volto a escrever: eleições são meios e não fins, mas o Brasil está atrasando seu desenvolvimento e progresso por tratarem eleições, obviamente, como um fim em si mesmo em que vale tudo para ganhar tempo de TV, fundo eleitoral e uma suposta governabilidade posterior. Vale tudo, inclusive, destruir reputações em nome de “mais quatro anos”. Vale tudo, inclusive deixar o circo pegar fogo para depois subir a pilha de escombros e urinar lá de cima na cabeça dos outros chamando isso de rescaldo. Só vale para alguém como eu que Ciro vença sem criar contradições que destruam, ou remendem demais, seu projeto. Só importa que o Projeto Nacional de Desenvolvimento seja apenas a primeira etapa de um processo de transformação civilizatória e não um fim em si mesmo.

Autor

  • É comerciante e trabalhador autônomo, formado em jornalismo e ciência política. Filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), é adepto do nacionalismo brasileiro e se considera um getulista.

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