Duas HQs brasileiras levaram o bronze no 16º Japan International Manga Award

Amarelo Seletivo e Reward põem o país no pódio pela 6ª vez

Capa da HQ Amarelo Seletivo

As histórias em quadrinhos Amarelo Seletivo – escrita por Ricardo Tayra e desenhada por Talessa Kuguimiya, a Talessak–, e Reward, de Kenji Okagawa, foram destacadas na categoria Bronze no 16º Japan International Manga Award (“Prêmio de mangás internacional do Japão”, em tradução livre), cujo resultado foi anunciado no fim de 2022. Úrsula conversou com os artistas sobre a premiação e sobre a trajetória das HQs até aqui.

Amarelo Seletivo conta a história de um garoto nipo-brasileiro que interroga suas origens e questiona o preconceito que sofre. Já Reward, recorrendo apenas à linguagem visual, narra uma aventura de um homem e seu cachorro. Os mangás compartilham o terceiro lugar com outros nove, provenientes da Indonésia, da China, da Espanha, do Vietnã, da República Tcheca e de Taiwan (a prata ficou com três títulos – Lost Letters [França], See You In Memories [Hong Kong] e Sea You There and Us [Taiwan] – e In Summer [Korea] recebeu o ouro).

Capa da HQ Reward

Esta é a 6ª vez em que o Brasil comparece ao “pódio” do Japan International Manga Award. Quase sempre ficou com o bronze – a exceção é YE, de Guilherme Petreca, que na 13ª edição ganhou a prata. Os demais trabalhos brasileiros premiados foram Holy Avenger, de Marcelo Cassaro (roteiro) e Erica Awano (arte), na Pequena Loja de Horrores, de Rafaella Ryon, na ; Romaria, de Jun Sugiyama (roteiro) e Alexandre Carvalho (arte), na 12ª; Ritos de Passagem, de Lucas Marques, na 13ª, com YE; e duas obras na 14ª: Fujie e Mikito, de Yuri Andrey (roteiro) e Marcelo Costa (arte), e Nina no Mundo Subterrâneo: 1 – O Rato é o Gato do Rato, de Pedro Sotto.

Para concorrer ao Japan International Manga Award, as obras precisam ter sido feitas no ano da edição ou nos dois anteriores, e o autor ou pelo menos um dos autores deve ter ascendência japonesa. O prêmio foi criado em 2007 por Tarō Asō, então ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão e hoje vice primeiro-ministro e ministro das Finanças – além de fã de mangás.

A alegria

Cena da HQ Amarelo Seletivo

“Ainda não caiu direito a ficha”, comentou Ricardo, “dá um orgulho danado, é um baita reconhecimento: Amarelo Seletivo concorreu com mais de 500 outras histórias, de 77 países, e o júri a colocou entre as melhores… não é pouca coisa!”. “É como se eu tivesse escalado o monte Everest”, disse Talessa, “sei que ganhar o Japan International Manga Award é um grande desafio e fico muito feliz em saber que mais brasileiros participam da premiação internacional com autores e artistas do mundo inteiro”. No mesmo sentido, Kenji: “Tive valioso apoio do departamento de cultura do consulado japonês em Curitiba, que também foi responsável por me notificar do bronze, resultado que me deixou muito contente por ser também meu primeiro prêmio”.

No que se refere a Kenji e Ricardo, a premiação reconheceu seus quadrinhos de estreia. O primeiro informou que Reward é sua primeira publicação, após “experiências que simplesmente descartei por completo”. Já Ricardo destacou: “Olha só: tudo isso logo no meu primeiro projeto autoral de quadrinhos. A Talessa já tem uma bela trajetória nos quadrinhos. No meu caso, pode-se dizer que foi uma boa estreia!”.

O caminho

Cena da HQ Reward

A ideia de Reward, contou Kenji, veio “de uma reflexão sobre o meu próprio ofício, em que está arraigada a minha razão de desenhar ininterruptamente por tantos anos”. Ele iniciou o projeto “tardiamente” em relação ao prazo do prêmio, “com cerca de um mês e meio para começar e finalizar”. A escolha estética de não usar a linguagem verbal foi aplicada tanto por ser interessante quanto por poupar tempo. Com esse direcionamento, cumpriu o trabalho em quatro etapas: “Primeiro, a roteirização (de forma geral e abrangente no início, depois separando em cenas), o design dos personagens (etapa em que eu sempre me demoro deglutindo uma miríade de referências e influências); o storyboard e a arte-finalização em nanquim (tenho uma inclinação às técnicas analógicas); e a digitalização, correções e colorização de algumas páginas no computador”.

Talessa foi convidada por Ricardo para fazer a arte de Amarelo Seletivo: “Foi uma coincidência e uma sincronicidade  muito interessante, pois no mesmo ano eu havia começado a produzir uma HQ sobre os descendentes de imigrantes japoneses, porém em uma época mais antiga (da 2ª Guerra Mundial até 1954), uma história inspirada nos relatos de minha avó. O período de Amarelo Seletivo é mais recente, quase um desdobramento, não intencional, sobre os mesmos temas e assuntos”. A desenhista gostou do roteiro e aceitou. Depois, “a inspiração para o design dos personagens, a paleta de cores e as imagens dos quadros surgiu rápida e naturalmente. Foi um trabalho que realizamos com fluidez, comunicação e entendimento fáceis. Roteiro e arte se complementaram, o que resultou na ótima realização da obra, ao menos é assim que eu vejo e sinto”.

Cena da HQ Amarelo Seletivo

“Tirando as ilustrações, todo o restante foi tocado por mim”, acrescentou Ricardo, “foi um trabalho desgraçado, de que por vezes dimensionei mal o tempo de execução (mas até que não errei nos pontos principais). Agora entendo melhor como funcionam as fases de difusão de uma publicação como esta”. O desejo que guiou a construção do roteiro conversa com o percurso do protagonista: “Eu queria que essa minha primeira história autoral se conectasse de algum modo à minha ancestralidade”. Além desse, outro desejo levou o projeto a ser realizado de forma independente: “Eu queria colocar em prática meus estudos de edição de HQs e de produção como um todo, incluindo impressão, divulgação e distribuição. E tinha certeza, mesmo antes de terminar o roteiro, que seria um projeto baseado em financiamento coletivo: sou um entusiasta dessa forma de viabilizar projetos culturais. Para mim o principal do crowdfunding é que se aposta na concretização de uma ideia. Há quem trate apenas como ‘pré-venda’, eu respeito, mas isso subestima o poder da modalidade”.

O impacto

“Talvez tenha sido um pouco egoísta de minha parte”, ponderou também Ricardo, “ter centrado Amarelo Seletivo em questões que interessariam a mim, nesse momento de vida. Mas eu tenho em mente aquela máxima de que do particular se criam histórias universais”. Hoje, parece que aquela máxima tinha razão, “e eu senti o impacto disso já durante a campanha”, notou o roterista, pois “pessoas me escreviam pra dizer que era muito bom eu tratar de preconceito, me contavam da dificuldade que tiveram com isso ao longo da vida. Algumas eram desconhecidas, outras eram parentes que se emocionaram antes mesmo de ler a HQ. Então, começou para atender a uma demanda muito particular minha, mas quando ‘foi pro mundo’ percebi de cara a responsabilidade que é lidar com esse tema e como isso atinge as pessoas. É uma responsabilidade complicada de carregar, mas basicamente deu ainda mais energia pra terminar esse projeto e afirmar que outros virão”.

“Um dos pilares dessa HQ”, definiu Talessa, é “o treino da empatia”. Por isso, diz ela, Amarelo Seletivo não fica restrita a um “público específico” e “pode agradar a pessoas diferentes, com idades diferentes”.

Cena da HQ Reward

Assim como para Ricardo, Reward significou para Kenji a ampliação de uma rede: “Com a repercussão do projeto, tive a oportunidade de tecer contato com mais artistas e de alcançar mais pessoas interessadas”. E também implicou em mais vontade de criar: “Agora tenho mais trabalho a fazer e só me resta agradecer”.

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