Até Nunca Mais, Jair Bolsonaro!

O prazer de não ouvir mais falar dele e o futuro do bolsonarismo

Tirinha da cartunista Laerte

Corria o ano de 2020 da Era Cristã. Ou o Ano I da Era da Pandemia.

Na fase mais aguda do isolamento social, quando a gente trabalhava de casa (se possível) e tinha medo de ir no supermercado, esperando o motoboy trazer as compras para lavar até a alface com álcool em gel, a única maneira de manter o contato com os amigos era via redes sociais. E o assunto da mesa – ou melhor, do grupo do Zap – invariavelmente passava por alguma estupidez ou absurdo que o digníssimo presidente da República havia dito ou feito naquele dia. Entre um “PQP” e outro emoji de carinha triste, um amigo perguntou:

“Você lembra qual foi o último dia da sua vida que você passou sem ter ouvido falar no nome Bolsonaro?”

Cada um no grupo chutou uma data aproximada. Uns só foram ouvir falar dele quando sua candidatura à presidência ganhou força nas redes sociais, entre 2017 e 2018. Outros já lembraram de suas participações em programas de TV como CQC ou Superpop, da Luciana Gimenez, por volta de 2011 ou 2012. Antes disso ele já havia ganhado alguma projeção defendendo o fuzilamento de um presidente, FHC, lá na virada do milênio. Mas todos (na nossa “bolha”, pelo menos) fomos unânimes em reconhecer que éramos mais felizes antes de ouvir falar nesse sujeito.

Muito antes das redes sociais e seus algoritmos, o então deputado Jair Bolsonaro já colocava em prática um dos conceitos mais elementares do marketing: “Falem mal, mas falem de mim”. Sua atuação e seus contatos no meio militar lhe garantiram consecutivas reeleições à Câmara dos Deputados, mas ali ele era mais um entre 513, um reles capitãozinho do baixo clero, incapaz de se destacar nos debates por sua indigência intelectual e sem talento para – ou interesse em? – desenvolver alianças dentro do Congresso que o levassem mais longe. Como exemplos de seu isolamento, temos suas patéticas candidaturas à presidência da Câmara dos Deputados, disputas nas quais terminou sempre em último lugar. Em 2017, dois anos antes de ser empossado presidente da República, o capitão reformado teve apenas quatro votos entre seus colegas deputados. Por outro lado, Bolsonaro conseguiu desenvolver contatos no Centrão que garantissem sua sobrevivência na Câmara, escapando de punições no Conselho de Ética. Principalmente durante os governos de Lula e Dilma, interessava manter o discurso caricato do capitão, repleto de mentiras e denúncias infundadas, para inflamar a oposição antipetista. Talvez não imaginassem que a criatura fosse engolir o criador, na esteira da crise que o próprio Centrão gestou após o impeachment de Dilma Rousseff e um governo Temer que jamais conseguiu decolar em termos de aprovação popular.

É muito bizarro perceber que o discurso desconexo e superficial, repleto de falácias e expressado com a péssima dicção e atuação do capitão tenha sido o instrumento para sua vitória. Bolsonaro foi ganhando seu espaço com uma mãozinha generosa da mídia, ávida por alimentar falsas polêmicas e dar palanque a personagens extravagantes, melhor ainda se fossem antipetistas. Seus detratores, na intenção de criticar, acabavam por dar divulgação gratuita para seu nome. As barbaridades que saiam efusivamente daquela boca torta – sempre torcida para baixo, num esgar que virou sua marca registrada – exerciam na esquerda o mesmo magnetismo daquele cantor desafinado ou daquele filme muito mal produzido que você não consegue parar de ouvir ou ver, de tão ruim. As redes sociais só amplificaram este fenômeno, e em 2018 estava montada a tempestade perfeita: o petismo nas cordas, insistindo em manter a candidatura de seu líder encarcerado pela Lava-jato, e o PSDB tragado para as profundezas com o abraço de afogado de Michel Temer. Bolsonaro soube se promover como o “outsider”, capitalizando o descrédito do eleitorado frente aos partidos tradicionais em meio à crise econômica, repetindo o feito de Collor em 1989.

É fundamental que se diga: apesar do discurso de extrema-direita – fascista, para usar a palavra correta – o governo Bolsonaro só se elegeu e se manteve com apoio da direita e centro-direita, além de amplos setores da mídia e do empresariado brasileiro. Como ocorreu na Ditadura, aliás, a elite brasileira, dita “liberal” apoiou aberta ou veladamente um presidente que prometia, sem qualquer sutileza, fuzilar a “petralhada” e mandar a esquerda “pra Ponta da Praia” (ou seja, prisão e extermínio). E faltou muito pouco (menos de 2% de diferença nas urnas) para que esse projeto de poder fosse mantido por mais quatro anos, com ampla maioria parlamentar e possibilidade real de construir uma maioria também no STF, que resistiu como pôde às investidas de Bolsonaro.

O futuro do bolsonarismo agora está ligado ao sucesso ou insucesso do governo que se inicia, especialmente na economia (“é a economia, estúpido!”, já dizia a campanha de Bill Clinton há 30 anos). Se Lula naufragar, Bolsonaro pode se projetar como líder da oposição, retornando à cantilena antipetista para voltar em 2026 com um discurso de “salvação nacional”. Ao contrário, se o governo Lula for bem sucedido, o bolsonarismo fica isolado, devendo perder espaço para uma oposição mais propositiva (quem sabe uma ressurreição do PSDB?) liberal, focada em suceder e não em destruir o petismo.

Particularmente, é o que espero. O Brasil merece um debate político com um mínimo de qualidade e maturidade, com embate de propostas e visões de mundo, e não uma enxurrada de fake news e desonestidade intelectual. E espero ainda que a esquerda ou mesmo a direita democrática não caiam de novo na casca de banana de dar palanque para um covarde desqualificado, nem que seja para criticá-lo. Deixemos que fale para sua bolha, em suas lives da morte. Merecemos coisa melhor.

Lembram como éramos mais felizes sem saber da existência dele? Podemos ser felizes assim novamente.

Minha resolução para esse ano que começa é muito simples: não ter que mencionar nunca mais o nome de Bolsonaro como ator político relevante. Bolsonaro agora é só uma “página infeliz da nossa História // passagem recortada da memória // das nossas novas gerações“, como na canção de Chico. Talvez, um dia, lhe dedique um obituário. Nada mais que isso.

Até nunca mais, Jair Bolsonaro! O ostracismo combina bem contigo.

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