Tradução exclusiva, feita pelo autor, do prefácio de um livro que propõe uma nova abordagem das disputas metafísicas
The Politics of Metaphysics. Esse é o título do livro que eu acabo de publicar pela Palgrave MacMillan (Springer). Eu escrevi esse livro em inglês. Acho que existem razões para assim o fazer, mesmo quando se leva em conta que eu sou brasileiro e que o português é a minha primeira língua. Tipo: ao ser publicado em inglês, o livro tem mais chance de ser cosmopolita. Isso porque grande parte dos filósofos contemporâneos sabe inglês. Mas também existem pessoas com as quais eu gostaria de dialogar que não tem esse saber. Feito: estudantes brasileiros de ensino médio ou de graduação que porventura possam vir a se interessar pela filosofia que eu pratico. O que eu quero dizer é que também existem desvantagens de se publicar em inglês. É por conta disso que eu acho que eu talvez amaria viver num mundo onde tudo que eu escrevo é simultaneamente traduzido para todas as línguas possíveis. O problema é que esse não é o mundo atual. Nesse último, o que eu posso fazer é me autotraduzir para o português. Logo, é isso que eu faço na sequência, ao propor uma tradução do prefácio do meu livro. Traduzido para o português, esse último se chama assim: A Política da Metafísica.
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Prefácio 1
tradução por FGAM
Exemplos de disputas que têm sido associadas com a metafísica (daqui adiante, disputas) são aquelas sobre se existe mal, uma coisa-em-si e consciência. Desde tempos imemoriais, pessoas têm se engajado em disputas como essas. Esse livro reage a esse fato, ao defender cinco teses centrais. Daqui adiante, teses 1 a 5. A tese 1 é que disputas são conflitos micropolíticos. Em outras palavras, elas são micro-guerras. Isso é argumentar que essas micro-guerras são similares a conflitos macropolíticos, como aquele sobre se Joe Biden tinha que ter removido as tropas dos EUA do Afeganistão em 2021. Afinal, como conflitos macropolíticos, disputas têm uma importância social significativa, envolvem oponentes que podem se valer de alguma forma de violência e dependem de fatores normativos. Por outro lado, diferente de conflitos macropolíticos, onde a presença desses fatores é explícita, esses fatores são apenas implicitamente presentes em disputas. A tese 2 é que como conflitos macropolíticos, disputas podem ser abordadas à moda direitista ou à moda esquerdista.
A tese 3 é que os fundamentos para se aceitar uma abordagem a uma disputa são inevitavelmente questionáveis. Isso acontece porque esses fundamentos são pontos de partida problemáticos que podem ser racionalmente rejeitados e que são comparáveis aos requeridos para se justificar visões acerca de conflitos macropolíticos. A tese 4 é o inflacionismo político. Essa é a visão que, como conflitos macropolíticos, disputas têm uma incomensurável importância ou, como eu prefiro colocar, grandiosidade. A tese 5 é que as abordagens de direita até bem podem ser menos atraentes do que a esquerdista defendida aqui. Esse é o caso em relação aos que aceitam certos pontos de partida problemáticos, tipo, que se deve evitar expressar a violência propriamente dogmática “sutil” e a violência pseudo-não-dogmática “sutil”. Respectivamente, aquela que lida com disputas por meio da sugestão que os outros carecem de logos e aquela que trata de disputas como se os outros não existissem. Aqueles que, no entanto, tomam essas formas de violência como justificadas ou mesmo honrosas podem e provavelmente irão racionalmente resistir a minha abordagem esquerdista, tipo, sob bases políticas direitistas.
O plano do livro é o seguinte. O capítulo 1, a introdução do livro, começa a justificar a tese 1. Ele faz isso ao tornar explícito o caráter micropolítico implícito das disputas assim como ao distinguir as abordagens dos dogmáticos e dos céticos pirrônicos daquela corroborada aqui. Eu chamo essa última de arte conflitual. A parte I mostra que dois tipos de abordagens de direita a disputas têm sido recorrentes (ao menos, no Ocidente). Para começar, existe a abordagem de direita caracterizada pelo uso da violência propriamente dogmática “sutil”. Ao dar outras razões para a tese 1 e desenvolver um argumento para a tese 2, o capítulo 2 defende que, independentemente de suas peculiaridades, abordagens a disputas defendidas por Aristóteles, Santo Anselmo, David Hume, Immanuel Kant, Ludwig Wittgenstein assim como Eli Hirsch expressam esse tipo de violência. O segundo tipo de abordagem de direita é caracterizada pelo apelo à violência pseudo-não-dogmática “sutil”. Ao continuar a justificar a tese 2, o capítulo 3 defende que essa violência está presente nas abordagens a disputas de Willard Van Orman Quine, Saul Kripke e Kit Fine. Discutivelmente, o mesmo é o caso de muitas (senão da maioria) das abordagens a disputas articuladas por filósofos contemporâneos anglo-americanos.
A parte II articula e defende uma abordagem de esquerda a disputas. Isso é feito por meio de três passos. Primeiro, ao justificar a tese 3, os contrastes entre a perspectiva libertária de Friedrich Nietzsche e a igualitária de Rudolf Carnap são explicitados no capítulo 4. O capítulo 5 então corrobora a tese 4, ao problematizar a abordagem de Nietzsche por meio da de Carnap (e vice-versa) assim como ao procurar manter os aspectos positivos dessas perspectivas. Ao fazer uma defesa da tese 5 e se contrapor à perspectiva de Gilles Deleuze, o capítulo 6 traz à luz uma abordagem propriamente esquerdista a disputas que não pode ser explicitamente encontrada nem nos trabalhos de Nietzsche nem nos de Carnap. Na verdade, essa abordagem que é desenvolvida ao longo do livro nunca foi explicitamente proposta (ao menos, não que eu saiba). O capítulo 7 é uma breve conclusão; ele recapitula o livro, antes de fornecer algumas últimas palavras a oponentes que defendem ou facilitam abordagens de direita.
Rio de Janeiro, Brasil
Março 13, 2022
FGAM
Notas