Entre a crescente e a estrela

Uma viagem pelas sonoridades dos povos e territórios do chamado mundo árabe

Do crescente fértil ao mediterrâneo, do Magrebe ao chifre da África, da península arábica a Andalus, o mundo árabe e sua identidade transacional e transcontinental se estende dos países da Liga Árabe aos povos da diáspora, presente em todos os cantos do mundo. Muitas vezes pautada pela língua árabe, a descendência étnica e a religião islâmica, a identidade árabe não se limita aos rótulos unificadores (assim como todos os outros rótulos identitários). Os povos e os territórios que fazem – e fizeram – parte do mundo árabe são dotados de uma diversidade infinda, fruto não só das populações que ocupam os territórios, mas também do fluxo populacional, seja migratório, diaspórico ou imperialista. O desafio colocado, de não restringir a produção musical desses territórios como “música árabe”, me lembra da seguinte passagem do crítico literário Edward W. Said, no livro Cultura e Imperialismo (tradução minha):

Atualmente, ninguém é apenas uma coisa. Rótulos como indiano, mulher, muçulmano ou americano não são mais que pontos de partida que, se investigados por um momento até o que é de fato a existência, são facilmente deixados de lado. O imperialismo consolidou a mistura de culturas e identidades em escala global. No entanto, seu pior e mais paradoxal regalo foi incutir nas pessoas a consciência de que elas eram apenas, principalmente, exclusivamente, brancas, pretas, ocidentais ou orientais. Assim como os seres humanos fazem a própria história, eles também fazem suas culturas e identidades étnicas. Ninguém pode negar a continuidade persistente de longas tradições, suas habitações, línguas nacionais e geografias culturais, mas parece não haver outra razão, exceto o medo e o preconceito para continuar insistindo na sua separação e distinção, como se a vida humana se resumisse a isso.

Sob tais pressupostos, a playlist Entre a lua e a estrela nos convida para uma viagem pelas particularidades e ressonâncias das sonoridades dos diversos povos do chamado mundo árabe. Com músicas que nos apresentam os sons de diferentes instrumentos de diferentes territórios, como mazhar, a darbuka e o oud, junto a outros instrumentos hoje considerados mais globais como a guitarra, o trompete e o violão, o percurso nos leva por um nomadismo em meio a desertos, estepes, montanhas e vales do Egito, Tunísia, Líbano, Marrocos, Síria, Palestina, Iraque, Sudão, entre outros. O que os une, além das ressonâncias melódicas, rítmicas e harmônicas, é uma identidade formada por milênios de fluxos populacionais que assentaram, na língua árabe, seu reconhecimento subjetivo e coletivo.

Para ilustrar e nomear tal percurso, escolhemos a lua crescente e a estrela, símbolos milenares associados à Mesopotâmia, ao império Bizantino, ao império Otomano e mais recentemente ao nacionalismo árabe e à simbologia do Islã.

Que nosso caminho musical seja guiado por Sim (ou Nana), a deusa mesopotâmica associada à Lua, e Inana (ou Ishtar), a deusa associada à Vênus, a “estrela” da manhã.

Autor

  • Poeta, historiador, produtor de conteúdo, produtor cultural, curador e seletor musical conhecido como Ico. Bacharel em História pela Universidade de São Paulo (USP), realiza pesquisas voltadas ao patrimônio e memória, além de se aventurar constantemente na história da literatura de ficção científica. É obcecado em escrever, desenhar e fazer playlists.

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