Homenagem a Dario de Freitas

De súbito, meus planos haviam mudado. Iria ao lançamento do livro do Dario, com câmera na mochila e vontade de contar uma história

Parte da história arquitetônica de São Paulo, mais especificamente de suas antigas e ornamentadas portas, ficou registrada em um trabalho inédito no Brasil, o livro Portas de São Paulo – Um passeio pelo centro. A obra foi eternizada pelo fotógrafo Dario de Freitas, que faleceu no último dia 1º de março deste ano.

Hoje, passados cinco meses do acontecido, republicamos o vídeo produzido pela Capitu em homenagem a este sensível fotógrafo, cuja carreira foi premiada e, acima de tudo, autoconsagrada pela conclusão de um projeto pessoal de tamanha importância para seu autor e para a capital paulista. Leia abaixo o relato do entrevistador.

João estava certo

Na metade de dezembro de 2012, em uma livraria de um shopping no Itaim Bibi, tenho meu primeiro contato com Dario. Entre abraços e conversas com familiares e amigos que prestigiam o evento, ele expõe uma história de amor, uma paixão pelo centro de São Paulo e uma obra de propostas múltiplas. Um de seus objetivos é registrar e exibir a riqueza arquitetônica das antigas portas paulistanas. Outro é convidar o leitor a viver sua própria experiência de observação da cidade, a partir do trajeto percorrido e relatado no livro. E mais um, o mais importante do meu ponto de vista pessoal, é a realização do próprio autor.

Já amigo, uma semana depois, Dario me recebe em seu apartamento em Perdizes; o ambiente e o anfitrião são igualmente serenos. Sentado sorridente em uma poltrona clara, o fotógrafo me detalha o projeto quase como que falando de um filho recém-nascido. Descreve-me a época feliz quando da sua concepção; sem tirar o sorriso do rosto, conta as intempéries sofridas durante o desenvolvimento do feto e, por fim, comemora o nascimento da criança. Em suas palavras e expressões, percebe-se essa bela sensibilidade de pai.

Mas foi num papo durante o intervalo da pós que eu soube do lançamento do livro do pai do João. Eu não ia, não poderia ir, pensei. Seria numa sexta-feira à noite e eu ia a Santos passar o fim de semana. Além do mais, o endereço fica a 1h30 da Paulista, num trajeto percorrido com longas caminhadas e dois ônibus. Pelo horário, seria inviável. João rompeu meus pensamentos, contente:

— Ele tá ansioso, é engraçado. É uma realização muito grande, saca, um projeto de quase 20 anos… tem uma importância pessoal. Acho que, depois dessa, ele já bate as botas. Tipo, pode ir sem remorso.

Questionei-o com os olhos e ele emendou sem tom de resposta, apenas contando.

— Já não quer mais tratar o câncer. Falou pra mim, esses dias: tenho os filhos criados. Prefiro viver bem o que me resta a prolongar momentos sofridos de vida.

De súbito, meus planos haviam mudado. Iria ao lançamento do livro do Dario, ainda com câmera na mochila e vontade de contar uma história; e assim o fiz.

Nosso último encontro face a face, o da entrevista, não durou mais que 20 minutos e a conversa, cerca de 10. Dario deixou este plano em menos de três meses após o lançamento do projeto que marcou sua passagem por aqui. João estava certo: seu pai havia fechado o ciclo. Estava realizado, podia partir; e assim o fez.

Hoje, relembrando tudo, é difícil discernir o mais valioso da experiência. Seja a divulgação de um trabalho importantíssimo à sociedade ou a oportunidade de conhecer um ser incrível como Dario, certo é que é muito válida a tentativa de homenageá-los – o autor e seu legado. Que ambos se tornem eternos.

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