Brilho de Uma Paixão

No filme, assim como em um livro de Jane Austen, há profundidade por trás da trama simples

Brilho de Uma Paixão, novo filme de Jane Campion destoa das obras consagradas da diretora, O Piano e Um Anjo em Minha Mesa, por sua beleza estética e leveza de tratamento, atributos que a primeira vista levam o filme a ser enquadrado como o típico romance rural na Inglaterra do século 18, ao estilo das adaptações cinematográficas de Jane Austen.

Mas, assim como em um livro de Austen, há profundidade por trás da trama simples, focada inicialmente nas dificuldades de um casal que se ama. Bright Star, no original, mostra o breve relacionamento entre o poeta romântico John Keats e sua vizinha Fanny Brawne, mas com muita eficiência se desvia de focar na impossibilidade mundana desse amor para se concentrar em sua dimensão real, naquilo que realmente houve entre o casal.

É claro que estão ali as dificuldades corriqueiras desse tipo de narrativa: a falta de dinheiro de Keats, além de seu possessivo melhor amigo, no entanto, essas são superadas na primeira metade do filme, não pela força do amor, mas pela obstinação de Brawne, uma personalidade explosiva presa dentro de rígidos padrões de conduta feminina. A personagem de Fanny, assim como a interpretação de Abbie Cornish, são o ponto alto do filme, pois é nela que se encontra as razões do romance e dos melhores poemas de Keats. Fanny é o que hoje se chamaria uma estilista, alguém com apuro estético, capacidade e necessidade de criação que em outra época talvez se tornasse pintora ou mesmo escritora, mas na Inglaterra do final do século 17 só lhe restava a costura.

Em determinado momento do filme, ao saber da morte do irmão mais novo de Keats, Fanny borda uma peça durante toda a noite, como forma de amortecer sua dor. É essa desesperada necessidade de expressão que aproxima dela o poeta: ele escreve poemas ainda medíocres, é inábil em dar forma a seu interior, ela é dona de uma agulha precisa e uma fala ousada e parece usar a ironia e o bom humor como forma de alienar-se de uma população que nada tem a dizer.

Dessa forma, Brilho de uma Paixão é menos uma história de amor e mais um belo retrato do processo criativo e da necessidade do artista de comunicar, seja por versos, seja por bordados. O filme ainda entremeia suavemente os versos de Keats e as cartas trocadas pelos amantes aos diálogos, mostrando-nos o poeta em formação e a inspiração sendo retirada do cotidiano e da vida. Assim, desenha-se um filme que escapa à crítica fácil do puritanismo, aquele olhar cínico ao amor sem sexo, e olha para o que as rígidas regras sociais sufocam ainda mais: o temperamento artístico. Resta àqueles que criam morrerem cedo ou contentarem-se em falar por trás do que parece mais trivial.

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