A Escrita Serena

Apanhei A Coroa de Areia e após as primeiras páginas estava presa: “Que vai suceder? Que vai suceder?”

“Aqui está a dor, ali está a morte, mais adiante um dilema moral: a serenidade, porém, permanece.”

O escritor Josué Montello ficou conhecido por sua produção contínua. Ao falecer em 2006, deixou uma obra que inclui mais de 20 romances, volumes de novelas, de crítica literária, teatro e até dois ou três títulos sobre Biblioteconomia. Seu mais famoso romance, Os Tambores de São Luís (1975) foi objeto de estudos literários. Também foi o autor de Noite sobre Alcântara (1978), O Silêncio da Confissão (1980) e O Baile da Despedida (1992), para citar dos meus favoritos. De 1979 é este A Coroa de Areia.

Existe alguma coisa de serena na forma que Montello foi construindo ao longo de seus romances. Mesmo aqui, neste pequeno painel histórico-político que ele apresenta – de 1922, ano do Levante do Forte de Copacabana, até a ascensão do Nazismo e seus sinais pelo mundo, nos primeiros anos da década de 30, passando pelo assassinato de João Pessoa e o Estado Novo de Vargas — o romance mantém o tom; as emoções, mesmo quando intensas, mesmo quando justificadas, não sobem, não se alteiam; talvez se possa definir o seu estilo, sob este aspecto, como clássico. Não há extravazamentos nem excessos; aqui está a dor, ali está a morte, mais adiante um dilema moral: a serenidade, porém, permanece.

Não se trata de frieza, mas elaboração da forma; se não vamos encontrar nesse estilo ousadias formais, é preciso também declarar que Montello não precisa delas: ele tem freqüentemente argumentos, tem histórias a contar. Nenhum leitor corre o risco de apanhar um romance seu e dar com uma escrita intrincada que serve para esconder a ausência de um enredo. Não: os enredos, as peripécias, em Josué Montello ali estão. Alguns bastante simples, outros, mais episódicos, outros ainda, dramáticos no tema mas evitando melodrama ao narrá-los ( ver O Silêncio da Confissão, por exemplo).

Confesso que lendo A Coroa de Areia cheguei a imaginar desenlaces violentos que não se realizaram na obra: o escritor deu-lhes outras soluções. Não sei se outro leitor teria reação idêntica. Houve um suspiro de alívio de minha parte (meus piores temores não se concretizaram) e, talvez, uma ponta de decepção. Ainda assim, agora que fazem mais de 48 horas que findei a leitura fica uma sensação de bem-estar. De carinho. Minha “decepção”, é bem possível, adveio da minha imaginação talvez muito estimulada por Dickens & cia. Montello (que admirava Dickens) não pertence à mesma escola; é, torno a dizer, um clássico. Sua serenidade coloca no texto uma beleza menos evidente, mais calma, mais necessitada de um segundo olhar; porém é beleza. E é bom que se acrescente que apanhei A Coroa de Areia para ler e, após as primeiras páginas, estava presa à trama. “Que vai suceder? Que vai suceder?” E não queria largá-lo.

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