Da Pesquisa Brasileira | Orlando Junior, os vagabundos e as alternativas ao capitalismo

“Pesquisas dão a possibilidade de ir à fundo, debater, criar novas questões que poderão dar à sociedade meio para abrir brechas e construir novos modos de vida”

“Seguir [em frente], porque tudo o que vale à pena não é fácil”, adverte o psicólogo clínico e pesquisador Orlando Amaro de Oliveira e Souza Junior quando provocado a dar um conselho para outros pesquisadores. Autor da dissertação de mestrado “O Vagabundear nas Sociedades Capitalistas“, Orlando relata as dificuldades de conciliar os trabalhos acadêmicos e profissional e de realizar seus estudos durante a pandemia. Além disso, apresenta os assuntos tratados pela sua dissertação e os subsídios que ela pode nos dar para pensar o mundo em que vivemos: “Buscamos mostrar que a avaliação moral que recai sobre a noção do vagabundo, absorvida e legitimada ao longo da história, inviabiliza o acesso a formas plurais de existência que se contraponham ao capitalismo produtivista, predatório da vida humana e não-humana”.

Como você descreve a sua área de interesses enquanto pesquisador? Que tipo de questões te pegam, que problemas te incomodam, o que move sua investigação?

Minha área de interesse circunda pela Psicologia Social. Minha investigação como pesquisador parte das relações sociais buscando entender como elas se dão ao longo da história e na contemporaneidade. Então, questões relacionadas aos processos psicossociais e de subjetivação, assim como suas produções sociais, me movem no meu percurso como pesquisador.

Fale sobre o seu trabalho de pesquisa concluído recentemente: como surgiu e se desenvolveu “O vagabundear nas sociedades capitalistas”?

O tema da vagabundagem ainda é pouco explorado nas pesquisas acadêmicas brasileiras. Por outro lado, como o enfoque da psicologia social volta-se às ações dos cidadãos no meio social, problematizando suas condições históricas, econômicas e socioambientais, pesquisas sobre a vagabundagem e seus modos de vida ganham relevância – ainda mais quando vinculamos esse tema à ideia de resistência aos ditames da lógica capitalista, acumulativa e excludente. Nesse contexto, a temática do meu trabalho surgiu de uma problematização sobre como o termo “vagabundo” é utilizado na sociedade brasileira, ou seja, sobre a pecha moral que colocam nesta palavra. A partir disso, buscamos mapear como a prática da vagabundagem acontecia nas sociedades capitalísticas.

Qual a contribuição deste trabalho? Como você descreveria a sua importância a) para uma pessoa da sua área e b) para um leigo no tema?

Compreender como o vagabundo foi linguisticamente definido, codificado pela moral, submetido a legislações e a práticas sociais de controle contemporâneas permite realizar uma crítica dialógica e multidisciplinar que se faz necessária no cenário ora instalado. O antagonismo entre as práticas de trabalhar e vagabundear é tão marcante que mobiliza a sociedade a supervalorizar o primeiro ancorando-se na ampla desqualificação do segundo. A construção social e moral do vagabundo em sua interface com o trabalho, mostra como as práticas inerentes ao vagabundear foram sendo contrapostas às do trabalho, especialmente nos espaços urbanos. Por meio desta pesquisa buscamos mostrar que a avaliação moral que recai sobre a noção do vagabundo, absorvida e legitimada ao longo da história, inviabiliza o acesso a formas plurais de existência que se contraponham ao capitalismo produtivista, predatório da vida humana e não-humana.

Como foi a sua rotina de pesquisa para produzir a dissertação? Como foi conciliar essa atividade com outras do seu cotidiano, quais dificuldades você teve?

Durante a realização desta pesquisa, uma pandemia assolava a população mundial. A covid-19, até a finalização dela, havia levado mais de 640 mil pessoas a óbito e mais de 27 milhões de casos de infecção no Brasil. Em um cenário pandêmico em que as relações sociais, por recomendações das agências de saúde, foram restritas, pensar a aceleração urbana das relações sociais e a desaceleração inerente à vagabundagem tornou-se ainda mais necessário. Desse modo, esta pesquisa foi atravessada pelas vivências oriundas da pandemia. Assim, a rotina se esfacelava em reclusão, já que fomos colocados em um regime de ensino à distância obrigatório pela própria pandemia. Já em relação a conciliar a outras atividades do cotidiano foi muito complicado, pois fazer pesquisa no Brasil atual, com pouco apoio às universidades, no meu caso, foi muito difícil. Manejar a tabela entre o trabalho cotidiano (considerando que eu também atuo como psicólogo clínico) e a pesquisa foi uma tarefa árdua. Algumas noites foram perdidas para ler e escrever.

No seu caso então há o mundo do trabalho e o mundo da pesquisa. Como se relacionam? Há aprendizados trocados entre eles?

A psicologia social proporciona uma rotação no olhar ao mostrar que investigar e expor as práticas do vagabundear abrem brechas para acessar maneiras sensíveis de viver nas cidades, tangenciando sua dimensão política, as quais, das mais variadas maneiras, resistem às formas de vida formatadas pelo capitalismo contemporâneo. Assim, vagabundear, nessa perspectiva, não está só na desaceleração e nas contemplações urbanas, mas também nas microrrelações que simplesmente desconsideram o trabalho, o lucro e o consumo como únicas possibilidades de existir. Nesse sentido, pesquisa e trabalho se misturam em uma espécie de mutualismo, pois, a pesquisa está nos encontros diários que temos em sociedade, inclusive no trabalho.

A partir da sua experiência, que sugestões você daria a outros pesquisadores que precisam incluir a pesquisa entre as suas outras tarefas no dia a dia?

Diria para seguir porque tudo que vale à pena não é fácil.

Que questionamentos não respondidos você enxerga no seu campo de pesquisa? Isto é, a partir dos debates que conheceu e trouxe no mestrado, que problemas você entende que devem ser abordados – por você ou por outros pesquisadores?

Em relação a vagabundagem, perceber se a conjugação do verbo “vagabundear” acontece no meio social. Para isso, entrevistar em uma futura pesquisa os atores sociais que praticam modos de vida que não se aliam ao imperativo do lucro e do consumo.

Por fim, por que você viu na academia um espaço para desenvolver problemas que você visualizava? Em outras palavras: por que pesquisar?

Fazer pesquisa é atender a uma questão que te movimenta. E as pesquisas cientificas dão a possibilidade de ir à fundo, debater, entender e criar novos cenários, ter novos encontros com o tema, ressignificar a própria questão, criar novas questões que poderão dar à sociedade meio para abrir brechas e construir novos modos de vida. Dessa forma, pesquisar ajuda no movimento social.

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