Faces dos Disability Studies e o Modelo Social da Deficiência

Cena do documentário "Crip Camp"
Pessoas com deficiência, nos anos 1970/1980, em manifestação por direitos | imagem: cena do documentário Crip Camp: Revolução pela Inclusão, disponível na Netflix

Os Disability Studies [estudos sobre deficiência] são uma base não apenas política como também teórico-metodológica oferecida por pesquisadores e militantes, indivíduos com deficiência, que se propuseram a problematizar os espaços ocupados por eles próprios na sociedade, bem como reivindicar lugar de fala e políticas sociais adequadas às suas necessidades. Isso culminou na constituição de políticas públicas que tiveram em seu bojo o modelo social da deficiência e o conceito de vida independente. Abordam políticas sociais pensadas e reivindicadas por e para pessoas com deficiência a partir da constituição de um entendimento dessa condição, chamado de modelo social da deficiência. As diferentes leituras empreendidas a partir desse referencial, antes de se contrapor, são complementares a fim de que se compreendam os desdobramentos socioeconômicos e políticos que se relacionam a essas discussões.

Faz-se relevante identificar os limites e possibilidades oferecidos pelas diferentes visões sob o guarda-chuva dos Disability Studies, com enfoque principal em dois destacados representantes do Disability Rights Movement: o Union of Physical Impairment Against Segregation (Upias), britânico, e o Independent Living Movement (ILM), estadunidense, que floresceram com diferentes intencionalidades, em diálogo entre si, permitindo problematizar as experiências desses indivíduos.

O Modelo Social da Deficiência

Abordamos, em um primeiro passo, perspectiva do modelo social a partir da leitura de Shakespeare (2011, p. 11), o qual o denomina como a “grande ideia” do movimento de pessoas com deficiência, atuando enquanto princípio político fundamental que iniciou e, atualmente, parece sustentar o campo de reivindicação de direitos dessas pessoas.

O debate acerca do modelo social da deficiência é amplo, remontando à década de 1960 no Reino Unido, e se desdobra na constituição de políticas públicas em todo o mundo, Brasil incluso (DINIZ, 2007), sobretudo nas últimas duas décadas do século XX (após a Constituição Federal de 1988) e início do século XXI no que tange não apenas o direito à educação das pessoas com deficiência mas também políticas de acesso à saúde, assistência social, culturais, de lazer e, sobretudo, na conceituação de vida independente. Destaque-se, a título de exemplo, a fundação, em 1988, do Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro (CVI-Rio), o primeiro da América Latina. A Classificação Internacional de Funcionalidade, Deficiência e Saúde (CIF), de que tratamos abaixo, não foge a estas discussões (DI NUBILA e BUCHALLA, 2008).

O movimento denominado Disability Rights Movement surge em diferentes partes do globo no bojo de profundos contestamentos políticos do final da década de 1960 e início da década de 1970, destacando-se nesse contexto dois grupos distantes geograficamente, mas com ideais em comum: o britânico Union of Physical Impairment Against Segregation [União dos Deficientes Físicos Contra a Segregação]  (Upias, na sigla em inglês) e o estadunidense Independent Living Movement [Movimento de Vida Independente] (ILM). De acordo com Piccolo (2012, p. 59):

A Upias e a ILM se interpõem e criam uma espécie de vínculo afetivo, ainda que o mote teleológico da primeira estivesse em desenvolver um arcabouço que pudesse ser denominado de interpretação sociológica da deficiência e a contestação da sociedade presente, enquanto a segunda tinha claramente o anseio em constituir um modelo heurístico pautado na elaboração de políticas, logo, situada dentro da ordem, contudo, ainda assim, esses objetivos são complementares e interatuantes, não havendo qualquer contraposição flagrante entre um e outro.

A ideia em comum entre esses dois grupos era a de que as pessoas com deficiência eram marginalizadas pela sociedade e a gênese desse processo deveria ser buscada tanto na constituição social, econômica e cultural de um meio construído para atender a um determinado modelo de normalidade quanto no questionamento de  saberes médicos naturalizados acerca de uma suposta desvantagem intrínseca às deficiências, entendida como um problema individual de lesão e cuja reparação seria condicionada a uma reabilitação terapêutica.

Uma das consequências advindas dos processos de constituição dos movimentos de pessoas com deficiência foi a fundação do Disabled People’s International [Internacional das Pessoas com Deficiência] (DPI), organização internacional que apresenta como lema as máximas Vox Nostra e A voice of our own [Nossa voz] e tem como principal bandeira a inversão da relação de subordinação existente entre pessoas com deficiência e profissionais da saúde.

O conceito de modelo social se tornou sinônimo de abordagens progressistas no que diz respeito aos direitos de pessoas com deficiência, enquanto o chamado modelo médico consistiria naquilo que seria retrógrado ou reacionário, o que não é necessariamente verdade, conforme estudos sobre a Classificação Internacional de Doenças (CID) e a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) que destacam o caráter complementar de ambas as avaliações para o entendimento global da experiência de vida do indivíduo com deficiência. No momento histórico de gestação dos Disability Studies, contudo, o foco era principalmente político, de fazer ressoar a voz de pessoas socialmente silenciadas – por isso a contraposição das perspectivas biomédica e social se fazia de forma polarizada. A concepção de deficiência estava em jogo, marcada por forças sociais em que não se poderiam negar o papel de fatores como políticas sociais e econômicas, representações culturais e atitudes individuais que atuam sobre essas pessoas.

O modelo social advém de uma declaração política, uma “virada de jogo” epistemológica que transformou as definições tradicionais de deficiência por meio da luta política de quem vivenciava diariamente os impactos cotidianos de uma sociedade que as incapacitava, definindo a si grupo oprimido (SHAKESPEARE, 2011, p. 11-12).

A partir da perspectiva do modelo social, o paradigma passou do estudo médico de indivíduos para a exposição dos processos sociais e culturais mais amplos. As discussões na chave dos Disability Studies trouxeram referenciais do marxismo, do feminismo e dos estudos pós-coloniais, gerando diferentes formas de entender a vida de pessoas com deficiência em uma afiliação política que dialogava com movimentos sociais libertários, tendo como argumento:

Todas as pessoas com deficiência experimentam múltiplas maneiras de restrições sociais, seja devido à inacessibilidade de alguns ambientes ou de noções questionáveis de inteligência e competência social, da inabilidade de a população em geral se comunicar mediante uma linguagem gestual ou pelo uso do Braille, ou ainda pelas atitudes de descrédito e preconceito desferidas contra as pessoas com deficiência (OLIVER, 1996, p.44).

A Upias e o Modelo Social Britânico

A Union of Physical Impairment Against Segregation (Upias) surgiu quando o ativista Paul Hunt (https://the-ndaca.org/the-people/paul-hunt/) escreveu uma carta ao jornal The Guardian, em 1972, representando pessoas com deficiência que viviam em instituições, condição em que ele se enquadrava. Outro participante importante do grupo foi Vic Finkelstein, psicólogo com lesão medular que conectou em seus estudos as lutas de libertação dos negros sul-africanos e a situação de pessoas com deficiência (FINKELSTEIN, 2001). Esse movimento, liderado por pessoas com deficiência física, seguiu um caminho de desnaturalização de formas de opressão social ao evidenciar que aquilo que se pensava ser natural ao longo da história era, em verdade, produto de relações sociais e modos de pensar específicos.

Os ativistas da Upias, majoritariamente com deficiência física, argumentavam:

Em nossa opinião, é a sociedade que incapacita pessoas com deficiências físicas. A deficiência é algo imposto em cima de nossas deficiências, pela forma como somos desnecessariamente isolados e excluídos da plena participação na sociedade. As pessoas com deficiência são, portanto, grupo oprimido na sociedade. Para entender isso, é necessário compreender a distinção entre a deficiência física e a situação social, chamada ‘deficiência’, de pessoas com tal prejuízo. Assim, definimos a deficiência como falta de todo ou parte de um membro, ou ter um membro defeituoso, organismo ou mecanismo do corpo e deficiência como a desvantagem ou restrição de atividade causada por uma organização social contemporânea que leva pouca ou nenhuma conta de pessoas que têm deficiências físicas e, portanto, as exclui. (UPIAS, Princípios Fundamentais da Deficiência, 1976. Tradução minha).

O modelo social britânico foi decisivo para o movimento de pessoas com deficiência naquele país, em primeiro lugar, por identificar uma estratégia política: a da remoção de barreiras. Se as pessoas com deficiência eram deficientes em razão da sociedade, então a prioridade era desmantelar as barreiras que as incapacitavam. Em vez de buscar cura ou reabilitação, propôs-se uma estratégia de transformação social.

O objetivo do grupo era substituir contextos de segregação por oportunidades para pessoas com deficiência participarem da vida em sociedade. Reivindicavam vida independente, trabalho produtivo e o controle sobre suas próprias vidas. Essa declaração definiu pessoas com deficiência como um grupo oprimido e destacou o conceito de barreira: “Nós nos encontramos isolados e excluídos por coisas como […] transporte público, pessoal inadequado, habitação inadequada, rotinas de trabalho rígidas em fábricas e escritórios e falta de apoio e equipamentos atualizados (UPIAS, 1976. Tradução minha). No entanto, essa declaração política ainda não concebia a experiência da pessoa com deficiência considerando barreiras atitudinais.

Novamente, a virada de jogo do modelo social é a de que ele desviou a atenção dos possíveis déficits físicos ou intelectuais dos indivíduos para os modos pelos quais a sociedade os incluía ou os excluía. O modelo social britânico assinala a opressão que as pessoas experimentam a partir da deficiência. O sociólogo inglês Mike Oliver cunhou o termo “criacionista social” para descrever a abordagem do modelo social britânico, distinguindo-o de um determinismo biológico do modelo médico (OLIVER, 1990).

Muito embora a Upias tenha se configurado, à época, como o coração intelectual e político do modelo social, é preciso resguardar as suas limitações, como o fato de nunca ter se tornado massivo, mas sim dominado por cadeirantes e pessoas com deficiência física em geral, vários deles com deficiência adquirida ao longo da vida e anteriormente envolvidos em outros movimentos políticos (FINKELSTEIN, 2001, p. 4). Campbell e Oliver (1996, p. 52-67) indicam, também, um aspecto sexista do movimento, dominado por um perfil político e ideológico majoritariamente masculino.

A substituição de uma abordagem tradicional de déficit por um entendimento de opressão social foi considerada libertadora para indivíduos com deficiência, uma vez que eles passaram a compreender que a sociedade estava em falta com eles e precisava mudar. “Eles não precisavam sentir pena de si mesmos; em vez disso, eles poderiam estar com raiva” (SHAKESPEARE, 2011, p. 4).

No mundo acadêmico, o modelo social britânico abriu novas linhas de pesquisa. Enquanto a sociologia médica da deficiência tradicionalmente investigava questões como o ajuste individual à deficiência e explorava as consequências da deficiência para a identidade (THOMAS, 2007), o modelo social inspirou pesquisadores a voltar sua atenção para tópicos como como a discriminação (BARNES, 1991), a relação entre deficiência e capitalismo industrial (FINKELSTEIN, 1980; GLEESSON, 1999), ou as representações culturais variadas de pessoas com deficiência.

Limites e desenvolvimentos do modelo social britânico

Debates, limitações e críticas são expostos quando nos debruçamos sobre a produção intelectual realizada após o advento do modelo social. As deficiências, antes vistas como condição inteiramente causada por déficits biológicos, passam pela análise radical oferecida pelo grupo de intelectuais e ativistas dos Disability Studies, encarando-as como um questão social e política, o que se configurou como uma tentativa sem precedentes de inverter visões tradicionais sobre deficiência e apareceu como um movimento corajoso e transformador na história do pensamento político no século XX justamente por ir contra as concepções enraizadas há séculos na sociedade. O modelo social, entretanto, apresenta problemáticas tanto no nível político quanto conceitual, que incluem alguns pontos: em primeiro lugar, a dicotomia entre experiências comuns de opressão compartilhadas por pessoas com deficiência e suas perspectivas individuais: Oliver e Barnes (2012, p. 21) destacam que “rótulos” específicos de uma deficiência podem ter relevância ao acessar necessidades médicas e de suporte adequadas, mas ao mesmo tempo essa rotulação é geralmente imposta, e não escolhida.

Outro ponto a se considerar: se “deficiência” consiste em arranjos sociais, não especificamente questões físicas ou intelectuais, então tentativas de mitigar ou curar problemas médicos poderiam ser consideradas suspeitas, o que nos leva ao conceito de reabilitação, que, por sua vez, é carregado de pressupostos normativos agrupados em torno de um ideal de corpo capaz, apresentando pouca, nenhuma ou, no mínimo, uma relevância diferenciada para pessoas nascidas com condições congênitas. Por último, se a deficiência for entendida apenas como produto de exclusão estrutural, como e para qual finalidade compreender as especificidades de cada grupo ou mesmo conhecer a quantidade de pessoas com determinada deficiência?

As considerações acima apresentam limites da produção intelectual embasada em um modelo social inicialmente rígido. Shakespeare (2011) considera que há motivos pelos quais uma organização composta por pessoas que compartilham uma determinada deficiência seja útil, uma vez que pessoas com deficiências diferentes experimentam problemas específicos, tanto médicos quanto sociais. Da mesma forma, o autor conclui que não é lógico pensar que o foco nas barreiras sociais exija falta de intervenção médica.

Um dos resultados advindos dos profundos debates no bojo do modelo social acerca de qualidade de vida com foco na saúde das pessoas com deficiência se deu na construção conceitual de uma classificação de referência para a descrição de estados de saúde de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS): a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), que partiu da necessidade de cobrir as questões que não eram alcançadas pela Classificação Internacional de Doenças (CID).

As condições ou estados de saúde propriamente ditos (doenças, distúrbios, lesões etc) são classificados pela CID, que fornece um modelo de cunho sobretudo etiológico, “embora tenha uma estrutura com diferentes eixos ou grandes linhas de construção, entre estes o etiológico, o anátomo-funcional, o anátomo-patológico, o clínico e o epidemiológico” (DI NUBILA e BUCHALLA, 2008, s.p.). A funcionalidade e incapacidade associadas aos estados de saúde, por sua vez, são classificadas na CIF.

Di Nubila e Buchalla (2007; 2008), indicam que ambas as classificações destacam que a deficiência muitas vezes não pode ser observada diretamente, mas pode ser inferida a partir de causas presumidas (prejuízos, danos) com suas distintas consequências, isto é, uma restrição ou incapacidade para desempenhar normalmente vários papéis, principalmente de trabalho.

Nos Estados Unidos, ativistas e acadêmicos abordam o modelo social como um conceito mais flexível, ligado a estudos sobre grupos minoritários – conforme é ilustrado pelo termo people with disabilities [pessoas com deficiências], com ênfase ao primeiro termo. People, em inglês, também pode ser traduzido como povo, o que pode aproximar ainda mais as discussões com as de grupos étnicos, por exemplo. Há destaque ao intercâmbio com estudos feministas, numa perspectiva interseccional. Identificam-se pesquisas estadunidenses sobre deficiência dentro da lógica dos Estudos Culturais, intimamente relacionados com a tradição do pensamento político dos EUA e com a própria dinâmica da história política e social daquele país.

Para Shakespeare (2002, p. 4), a perspectiva estadunidense não se aprofundou no terreno de redefinição de deficiência como opressão social tal como ocorreu com o modelo social britânico. O autor argumenta que os estudos daquele país exploram importantes dimensões sociais, culturais e políticas da deficiência, contudo não fazem firme distinção entre os conceitos de impairment e disability (deficiência e incapacidade), ou seja, de perspectivas biológicas e sociais da deficiência que são, a seu ver, chave para o entendimento britânico do modelo social. A produção acadêmica brasileira também não tem por foco a discussão conceitual e de tradução desses termos.

O ILM e a Vida Independente

O Independent Living Movement (ILM), como o nome indica, embasa suas ações na noção de vida independente, representando, também, um desafio ao pensamento até então consagrado sobre a deficiência. Reúne propostas com vistas a solucionar, do ponto de vista teórico e prático, dificuldades e carências socioeconômicas e culturais vivenciadas pelas pessoas com deficiência.

A filosofia de vida independente é baseada em quatro princípios básicos (PICCOLO, 2012, p. 61): 1. que toda vida humana, independentemente da natureza, complexidade ou gravidade do comprometimento é de igual valor e merece ser vivida; 2. que todos possuem capacidade e direito de fazer suas próprias escolhas e exercerem controle sobre suas vidas; 3. que a opressão é injustificável, qualquer seja sua materialidade expressa; 4. independentemente da diferença apresentada, as pessoas com deficiência têm direito a atendimento médico adequado e a participar plenamente de todas as atividades sociais, econômicas, políticas, culturais, lúdicas e de trabalho.

Os Centros de Vida Independente (CIVs em português ou Centers of Independent Lives [CILs] em inglês) espalharam-se por todos os continentes e têm por fundamento esses quatro pilares. Diferente de ações anteriores, que focalizavam o tratamento médico em contextos institucionais, alijando os indivíduos da vida comum em sociedade, estes locais destacavam a importância de reconfigurar espacialidades.  O sucesso da proposta dos CIVs parece residir no apelo que os conceitos de independência e de vida independente possuem culturalmente.

A existência desses centros possibilitou demonstrar que pessoas com deficiência poderiam cuidar, controlar e executar seus serviços de apoio, de forma contrária ao que se acreditava até a época em que foram criados. Assim, sua contribuição à vida delas é de extrema importância.

Seguindo a linha de pensamento estadunidense, a proposta em questão não visava a um questionamento das estruturas sociais como o grupo britânico preconizava, mas sim apontava para a necessidade de mudanças governamentais no que diz respeito à constituição e ampliação de serviços voltados às pessoas com deficiência.

Uma política pública que teve suas bases teóricas e intelectuais erigidas a partir do conceito de vida independente foi o Benefício de Prestação Continuada (BPC), sendo historicamente a Inglaterra o primeiro país a conceder este benefício a partir do pressuposto de que as pessoas com deficiência pudessem não só pagar, como também ter controle sobre os serviços que utilizavam conforme sua necessidade, resultando em um mando da própria vida semelhante a qualquer outro indivíduo (MERCER, 2002).

Nesse contexto, uma avaliação médica indicava quais eram as pessoas com deficiência com direito ao benefício, por meio de ajuizamentos que não escapam aos conceitos de normalidade ou anormalidade, indicando a aptidão ou não ao trabalho. Sendo inapto, o beneficiário estava impedido de constituir atividade remunerada. O valor do benefício era baixo e não permitia ao beneficiário sanar os problemas que, em tese, seriam resolvidos a partir do recebimento.

Ao contrário, ao ser indicado como apto ao trabalho por meio de avaliação médica, o indivíduo deveria se encaixar em setores produtivos nos quais fosse possível trabalhar sem impedimento. Não era problematizada, contudo, a função a ele designada ou o ambiente no qual a exercia. Dessa forma, prevaleceu um entendimento individual da deficiência, embasada em saberes médicos e com certo viés assistencialista.

A perspectiva de vida independente foi criticada no terreno da academia. Davis (1999) destacou a necessidade de se problematizar as discussões sobre a vida independente no que diz respeito ao seu caminho rumo à materialização da liberdade do poder de compra. Ser independente, em sua avaliação, se resumiria à liberdade do poder de compra.

Como consequência, o movimento pela vida independente acabou por ter um apelo em defesa dos fundamentos ideológicos do capitalismo e da lógica do mercado.

Williams (1999) aponta que a filosofia e as políticas do ILM favoreciam somente um pequeno número de pessoas com deficiência, nomeadamente jovens, homens, brancos e de classe média ou alta, ainda assim, isso não apaga, em hipótese alguma, os benefícios trazidos pelo movimento (PICCOLO, 2012, p. 62).

A partir da popularização do conceito de vida independente, intelectuais que compunham o grupo britânico optaram por substituir o termo independência por inclusão no sentido de caracterizar a filosofia e o objetivo que balizavam sua luta, mais ligada à contestação da sociedade presente, instigando à transformação de estruturas nela enraizadas. A terminologia “inclusão”, por fim, obteve maior apoio em setores de esquerda do que o termo independência, ligado, como se expõe nesse recorte, ao contexto do capitalismo.

Quando focamos o nosso olhar para a discussão acadêmica ou para efetivação de políticas públicas sobre educação de pessoas com deficiência, observa-se que os termos inclusão ou educação inclusiva são adotados por excelência. Em outras áreas do conhecimento não se vê a adesão a esse termo de forma tão forte como se observa nos estudos da educação.

Recorramos ao referencial de Arroyo (2012) à guisa de conclusão: o movimento de pessoas com deficiência alavancado na década de 1970 pelos ativistas e intelectuais dos Disability Studies é exemplo de que o campo teórico e de elaboração de políticas públicas sobre deficiência se revitaliza sempre que se (re)encontra com os sujeitos que a vivenciam, é emancipatório e abre novas possibilidades de ação e de percepção dos fenômenos sociais. Tendo em vista as particularidades da educação brasileira, retomamos Santos (2007; 2010) ao compreender que somos convocados a pensar em epistemologias do Sul no campo dos estudos da deficiência, que nos permitam refletir a partir das espacialidades específicas de nossa realidade.

Referências

ARROYO, Miguel G. Outros sujeitos, outras pedagogias. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

DINIZ, Debora. O que é deficiência. (Coleção Primeiros Passos). São Paulo: Brasiliense, 2007.

DI NUBILA; Heloísa B. V.; BUCHALLA, Cássia M. O papel das Classificações da OMS – CID e CIF nas definições de deficiência e incapacidade. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 11, 2008.

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