A mídia não começou a usar “emendas do relator” em vez de “orçamento secreto” após a eleição

Ambos os termos eram usados com frequência; de fato, como sinônimos. “Emendas do relator” já trazia viés negativo

Para criar a ideia de que a mídia se opõe ao presidente Jair Bolsonaro, tem-se popularizado a mentira de que, após as eleições, de uma hora para outra, a expressão “orçamento secreto” foi substituída por “emendas do relator”.

A falsidade é identificada se observamos com mais atenção as “provas” usadas. Em geral, tem-se usado como comprovação comparações de matérias de jornais como Folha de S.Paulo e O Globo. Seriam sinais da “mudança súbita”, por exemplo, as reportagens “Pacheco defende acordo entre Poderes para manter emendas de relator, criticadas por Lula“, da Folha, publicada na noite do dia 30/10, após a apuração, ou “‘Emenda de relator não é impositiva, dá pra negociar’, diz Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara“, do Globo, postada em 3/11.

Como o leitor tem lembrança de um uso intenso do termo “orçamento secreto”, a ênfase com que essas manchetes são expostas como contradição pode convencê-lo. Porém, basta buscar na Folha por “emendas do relator” para notar que o jornal o tem utilizado há muito tempo. Este também é o caso do Globo: aliás, um dos seus editoriais é “Congresso precisa acabar com farra de emendas do relator” – vê-se que não há tom positivo em “emendas do relator”. Por fim, note-se que, na outra matéria, quem fala é Rodrigo Maia.

Outra “prova” é uma mudança, feita pela Folha, do título de um dos seus textos: antes, “Saiba o que é e como funciona o orçamento secreto” (link do Internet Archive, que registra versões antigas de páginas da internet) e agora “Saiba o que é e como funciona a emenda de relator“. Tendo a Folha dito que “sempre usou emendas do relator em cobertura noticiosa” e que “o termo orçamento secreto é usado por colunistas de opinião”, ela parece simplesmente mentir, e é fácil insinuar que há de fato um viés na cobertura do periódico.

Contudo, de acordo com a página de título trocado, sua atualização foi feita em 17/10, às 14h53. Como o Internet Archive tem um registro no dia 13/10 e outro no dia 5/11, não há como contestar essa informação e é plausível que a troca tenha se dado antes da eleição. Ademais, desde a primeira publicação, escreve-se “emendas do relator”, como sinônimo, na linha fina. De resto, é preciso reconhecer que a matéria é informativa, explicando a origem do instrumento e o surgimento do apelido “orçamento secreto”, dado pelo Estadão.

Em resumo…

Nenhuma das táticas expostas aqui sustenta a tese de perseguição da imprensa à Bolsonaro – o que não quer dizer que isso não possa ser provado de outra forma. O fato de a mídia perseguir ou não Bolsonaro também não faz do orçamento secreto ou das emendas do relator, assim como permitidas pelo presidente, algo positivo ou mesmo neutro. Informe-se pela cobertura completa do Estadão.

Como não ser enganado de novo?

Neste caso, o trapaceiro se apoia na lembrança difusa que o trapaceado tem do debate sobre esse tema. Se o leitor, além disso, tem uma predisposição a ver na mídia intenções perversas, isso basta para confirmá-las: é o chamado “viés de confirmação“. Como no dia a dia não é fácil checar tudo, mesmo um leitor menos afetável fica com a pulga atrás da orelha, pois soa suficientemente verdadeiro.

Há duas formas de não cair em uma estratégia de desinformação como essa. A primeira, mais imediata, é ater-se ao tema: independente de como a mídia nomeia o caso – “orçamento secreto” ou “emendas do relator” –, o que importa é o problema. Há um abuso do instrumento de emendas parlamentares ou não? Houve compra de apoio no congresso ou não? Essas são as questões reais. A segunda é criar o costume da pesquisar um pouco que seja sobre informações com uso claro em dispustas políticas e afins. Por exemplo, procurar por “emendas do relator” na Folha pode tomar menos que cinco minutos e evidenciaria que o “argumento” sendo usado tem a perna curta.

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