Porque minhas duas metades são amor

Desconforto, encantamento e naturalidade em Oswaldo Montenegro

Um vassalo do trovadorismo, um homem fazendo serenata para um amor que vez em quando existe e dói, vez em quando nem amor é mais. Oswaldo Montenegro parece viver dentro de um quadro. Respira uma poesia tão inerente que torna natural o encantamento aos olhos de quem o enxerga. Artista múltiplo, fez trilhas para teatro, balé, cinema, televisão, foi autor de musicais – entre eles Léo o Bia, que nesse ano se tornou um longa metragem com direção e roteiro do próprio Oswaldo – e já escreveu um livro infantil – O Vale Encantado, além de ter composições que foram gravadas por vários ícones da música brasileira, entre eles Ney Matogrosso e Gonzaguinha. Mas, nessa noite de um dos shows da turnê Canções de Amor, foi apenas Oswaldo. Sem nem preocupação com sobrenome.

Contrariando o padrão dos artistas consagrados, Oswaldo estava no hall do teatro enquanto o público entrava. A presença do músico causava mesmo certo desconforto: o que fazer frente à figura que, teoricamente, deveria ser vista apenas do palco?

Aparentemente solitária por se iniciar apenas com Oswaldo e um violão no palco, a demonstração trovadoresca vai se desenrolando e somando mais instrumentos. Depois de algumas músicas e bastante conversa com o público, como se todos que ali estavam fossem velhos conhecidos, Oswaldo chama ao palco a flautista Madalena Sales enquanto desce as escadas do teatro e a acompanha com o violão em meio à plateia. A explicação? Queria poder ter o prazer de assistir a flautista do nosso lugar, como mero espectador e amante da canção. Oswaldo faz poesia nos gestos. Por trás dos músicos, outro encantamento: a multiplicação dos instrumentos, dada por um telão que se abre ao fundo do palco e que mostra Oswaldo e Madalena tocando teclado. Com o recurso, os sons ao vivo se misturam com os sons gravados e é formado, por mais paradoxal que pareça, um quarteto de duas pessoas.

No show, percebe-se Oswaldo no seu mais íntimo por meio do som e da poesia. Consegue-se pegar com delicadeza cada segundo das canções de amor. “Minha carreira não tem fases, tem faces”. A apresentação traz músicas inéditas e outras antigas, mas com arranjos diferentes dos originais. É o que acontece com Bandolins, música lançada no Festival 79 da extinta TV Tupi, que na época era muito mais forte, tanto em arranjo quanto no vocal, e que agora se desenrola de outra canção – Estrelas – e reaparece mais doce e muito mais leve, sem a carga de subversão quase obrigatória que possuía na década de 70. Atenção também seja dada à música “Sempre não é todo dia”, que no álbum Canções de Amor conta com a participação especial de Zélia Duncan e já se inicia melancólica na melodia e na letra: “Eu hoje acordei tão só, mas só do que eu merecia.” E conclui ao final: “Eu acho que será pra sempre, mas sempre não é todo dia”.

Após se despedir, Oswaldo volta ao palco e, dedilhando baixinho o violão, recita a famosa poesia Metade. Depois disso, apenas deixa ecoando o resumo de tudo o que quis dizer com as canções que havia tocado: “Porque metade de mim é amor e a outra metade também”.

Autor

Compartilhe esta postagem:

Participe da conversa