O Pecado de Hadewijch

Dumont radiografa o fenômeno religioso moderno, assim como a sensação de tédio e vazio da juventude europeia

O Pecado de Hadewijch, o novo filme de Bruno Dumont, narra a história de Celine, filha da alta sociedade parisiense que, em uma busca obsessiva por Jesus Cristo, acaba por se envolver com o ativismo político muçulmano. A partir de uma narrativa um pouco truncada e com viradas duvidosas, Dumont, reforçando sua fama de autor consistente, radiografa de forma sensível e acurada o fenômeno religioso nos tempos modernos e a constante sensação de tédio e vazio que acomete a juventude europeia.

Céline não é apenas religiosa, ela busca o divino como quem busca um pedaço de si que foi arrancado, ela sente uma falta concreta que gostaria de preencher com a presença, também concreta, de Jesus Cristo. É a partir dessa impossibilidade inicial que se constrói o filme: Céline deseja ter de forma material aquilo que é, por essência, fugidio.

Seu périplo se inicia em um convento de freiras, de onde é expulsa por conta de constantes mortificações e jejuns. De volta a sua vida cotidiana ela conhece Yassine, jovem muçulmano que vive no subúrbio de Paris e que se interessa por ela. Céline de fato desenvolve uma relação afetuosa e quase amorosa com Yassine, no entanto, rejeita o contato sexual sob o pretexto de não o desejar, já que sua vida está destinada ao Cristo. Contudo, e isso é sutilmente demonstrado por belas escolhas de enquadramento e de atuação, Céline possui uma sexualidade e essa presença divina que ela tanto deseja assume gradualmente as feições de um amante que a abandonou e que a atormenta. A personagem sabe que não olha para Cristo com os olhos que deveria e isso a atordoa. Ao mesmo tempo, não pode abandoná-lo e sua obsessão a leva à borda da loucura.

Em busca de um modo de se aproximar do divino e de apaziguar sua constante sensação de falta, a protagonista volta-se para Nassir, o irmão de Yassine, religioso fiel, estudioso do Corão e ativista político. Dumont explicita aqui uma certa crença de que entre os excluídos as relações humanas ainda se dariam de forma mais autêntica, o que promove o conforto de Céline, além de uma sensação de acolhimento que logo a leva a procurar o sentido de sua existência também no engajamento político em nome de Deus.

Previsivelmente, porém, o engajamento de Céline leva a uma tragédia e sua subsequente volta ao convento, seu refúgio, como ela conta a Nassir, o lugar onde abandonou seu nome para tornar-se outra, a Hadewijch do título. Ali, a consciência da impossibilidade de seus desejos a leva a uma tentativa de suicídio e, finalmente, ao confrontamento de seus desejos sexuais.

Assim, Dumont realizou um filme complexo e relevante, no qual referencia grandes mestres do cinema francês, como Robert Bresson, enquanto trava um diálogo contemporâneo analisando o fanatismo religioso como busca insaciável de preencher o vazio gerado pela modernidade.

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