Na gandaia das ondas onde descansa a alma

Entre aquele espetáculo, a pele queimada de sol, as mãos marcadas por cicatrizes e a habilidade ao desembaraçar as redes, não negavam a experiência daquela figura que me chamou atenção

A alameda de amendoeiras de Tambaú revela o deslumbrante cenário de uma das mais belas praias de João Pessoa. Caminhando entre ela era possível avistar o cansaço da chegada e a esperança na partida dos pequenos barcos que atracavam ali. A força nas mãos que arrastavam as redes para os galpões, o som das pequenas ondas da praia e o cheiro misto de sal e areia que vinha dos galpões, revelavam sinais de um cenário de trabalho árduo e beleza.

Entre aquele espetáculo, a pele queimada de sol, as mãos marcadas por cicatrizes e a habilidade ao desembaraçar as redes não negavam a experiência daquela figura que me chamou atenção.

Sem querer atrapalhar seu trabalho, começamos uma conversa ali mesmo, na sombra de um arvoredo. José Gomes de Menezes é pescador – como sua sintonia com as redes já sugeria à primeira vista – mas ali é conhecido como Baixinho, nada mais justo para um homem de um metro e meio de altura.

A água salgada corre em suas veias desde criança. Seu avô, assim como ele, começou a pescar ainda na adolescência, se aventurando pelo mar paraibano, onde deixou a vida em um naufrágio quando ele tinha 8 anos. Cheio de simpatia, Baixinho revela que nem por isso teve medo do mar. “Minha mãe recomendava os estudos, mas éramos eu, ela e minha avó pra sustentar. Não deu outra: eu tinha que ir pro mar”.

Baixinho lembra os tempos da juventude, as brincadeiras e noites junto aos outros pescadores na colônia. Conta que sente falta de alguns deles, mas que as farras regadas a bebidas em nada lhe despertam nostalgia. Baixinho deixou de beber há 20 anos, quando começou a perceber que aquele era um caminho sem volta. “Aí foi que me casei, tomei tento na vida. Antes disso não queria conta com mulher! Não tomava conta de mim e também não queria deixar filho nenhum abandonado”, diz.

Devoto de São Pedro, ele diz que sua vida é “uma maravilha”, apesar de não possuir tudo que sempre sonhou, mas ainda ter saúde para trabalhar. Baixinho se revela um homem esforçado; aos 58 anos, trabalha todos os dias, e quando não está no mar, atua em terra nos preparativos para uma nova jornada, tralhando redes e reparando os cascos.

Ele conta que já viveu mais do que ouviu histórias sobre o mar. Muito do que aprendeu foi com suas vivências, que hoje ele relata aos mais jovens no ofício. “É tanta coisa que se a gente chega em terra e vai dizer, os cabra diz que é mentira nossa”, relata sorridente. Acidentes no mar também já aconteceram com Baixinho, como o caso onde o pequeno barco onde ele e os amigos navegavam foi atingido por um navio de pesca em uma noite de chuva e eles foram resgatados pelas redes do pesqueiro. “Mas nada que espantasse a gente. A vida é essa, é pra ir mesmo e acabou-se”, explica.

Quando questionado sobre como se sente quando está no mar, Baixinho relata emocionado. “Eu me sinto mais seguro do que em terra. Aqui é muita violência, lá não. Somos três ou quatro companheiros, todo mundo amigo de verdade, só fazendo medo os castigos do céu. O resto a gente resolve trabalhando pra voltar pra casa”.

No momento de nossa conversa, o barco onde ele navega tinha saído para alto-mar há dias. Pergunto-lhe então quando os companheiros retornam, e ele responde sorrindo. “Nessa vida a gente só tem certeza da ida, mas a volta não dá pra ter data marcada”, encerra olhando fixamente o horizonte azul de Tambaú.

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