Impressões de viagem de uma mestranda brasileira na Cidade do México
Sou estudante de mestrado na área de Literatura Hispano-Americana na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e me especializo nas fotografias e na literatura do mexicano Juan Rulfo (1917-1986). Neste semestre, fugi para o México para realizar um intercâmbio na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), localizada na Cidade do México, onde poderei ter maior contato com a produção crítica do autor que estudo, além de poder comungar de sua cultura, ainda que estejamos embebidos em anos de mundialização e, inevitavelmente, de pasteurização das culturas. E, devido a essa grande experiência, resolvi registrar minhas impressões nesses escritos que comporão o que podemos denominar de diário de viagem moderno. Tentarei me desvincular do academicismo para compô-las, mas já advirto que estes escritos virão repletos de literatices; eu gosto de enfeitar, e nem sempre com “bom gosto”.
Não quis escrever antes porque não acredito, de maneira alguma, que as primeiras impressões são as que ficam. Então, deixei passarem os sete dias e o ar do México assentar em mim, mesmo que ainda de leve – digamos que em uma semana ainda há primeiras impressões resistentes – para poder começar esse diário de viagem.
As primeiras impressões que ficam ainda – vamos começar com elas, logo de cara – são todas em relação à geografia e meteorologia da Cidade do México. O ar é extremamente seco, por isso a poluição estanca. É como nos dias mais críticos do inverno de São Paulo. Mas pior, ainda pior. O nariz amanhece dolorido, alguns dizem que é comum sangramentos, eu, felizmente, não os tive, e os olhos ficam vermelhos e ardem. A altitude também incomoda a quem alterna São Paulo com a praia da Baixada Santista e está acostumada com a brisa do mar. A cabeça dói às vezes e qualquer escada me deixa ofegante – principalmente as do metrô que, como em São Paulo, têm de ser subidas às pressas para que a multidão não atropele.
Mas isso está escrito em qualquer guia da Cidade do México, e espero que, com o tempo, nada mais dessas coisas incomode tanto.
O que talvez está agradável é o friozinho em comparação com o calor infernal que está em São Paulo (e isso vindo de uma admiradora incontestável do calor).
Primeiro, as pessoas, que acredito serem o mais importante do lugar. O autor que me trouxe até aqui, Juan Rulfo, acredito que também se dedicava às pessoas e acreditava no poder que elas têm de acrescentar à geografia e à meteorologia do lugar o elemento final para tornar aquele lugar, um lugar. São simpáticas. Muy amable, dizem, em tom poético, sempre que agradecem a uma gentileza. E não poupam gentilezas, ainda quando eu tomo fotos do Museu Frida Kahlo, sem saber que não poderia fazê-lo; sorriem e seguem com extrema gentileza, me dando um mapa do lindo, e caro, bairro de Coyoacán para que não me perca.
Agora, importante. As gentes não são tão facilmente descritas. Há quem diga que, no Brasil, nossas gentes também são repletas de gentileza e de sorrisos, e quem mora em São Paulo sabe que o amor está em extinção. Aqui a gentileza faz parte da etiqueta. Todos a têm. Além de amables, são extremamente formais. Um brasileiro – e os argentinos que conheci aqui, também – facilmente se surpreende com a formalidade para certas ocasiões que nós levamos com tanta naturalidade.
Eu pensei que talvez a questão da hierarquia fosse forte resquício das culturas pré-colombianas, alimentada pelo colonizador espanhol, e contribui para essa formalidade toda. No Brasil, embora a hierarquia existisse, a comunicação entre corte e povo era direta, com as amas de leite, por exemplo, e já ouvi que Dom Pedro saía às ruas e lidava com as gentes. Mas estou fazendo sociologia de boteco, embora aqui não tenha boteco, não como os nossos.
Os lugares. Enormes, espaços enormes, distâncias enormes. Aqui, se não tem carro, tem que andar e andar, haja perna para tanto andar. A Ciudad Universitaria, normalmente chamada por C.U., é maior do que a Cidade Universitária do Butantã, e mais ostentadora. Ir para um prédio errado no horário da aula significa ter que fazer uma viagem para outro lado do campus, algo como trinta ou quarenta minutos, para poder achar a aula – isso aconteceu comigo, naturalmente. Os circulares são lotados – não é nossa exclusividade – e o campus sempre cheio de gente. E parece mais democrático, a UNAM não é tão elitista como a USP.
Fui ao Zócalo, onde fica a Praça da Constituição e onde estava o centro político de Tenochtitlán, submerso, literalmente, pelas igrejas suntuosas dos espanhóis. Vi uma galeria no chão, aproximei-me e perguntei a um senhor que também a observava, do que se tratava: Son las ruinas del templo del gran Montezuma. Arrepiei.
O Museu de Antropologia. O museu mais majestoso que já visitei. E não consegui terminar de ver tudo porque, como disse sobre as coisas aqui no D.F., é enorme. A pergunta que domina é: como puderam subjugar tanta cultura? Não que eu ache que uma cultura é melhor que outra, ou seja, a dos indígenas melhor do que a espanhola, apesar de achar que a relação dos indígenas com a natureza era mais digna. Havia ali forte hierarquia e atrocidades, naturalmente, os índios eram seres humanos, afinal. Mas como puderam diminuir de tal forma a importância daquelas culturas, daqueles templos? Enfim, na Cidade do México, nós literalmente caminhamos sobre essa história. A cultura pré-colombiana aqui existe.