David Miguel Oliveira: Esse mundo em que o espaço é ilusão

O artista faz esculturas de arame e vazio: “O engano no ato de ver somos nós que o criamos, eu tiro partido disso”

As esculturas de David Miguel Oliveira como que desenham rascunhos no ar. Texturas e linhas brincam com a representação e o vazio e jogam com as estruturas da nossa percepção. Observamos uma espécie de mundo inacabado, o apreendemos enquanto é só forma, o preenchemos de memória, do que lembramos que deveria ser. Na entrevista abaixo, você conhece mais sobre suas intenções e procedimentos, nos quais ciência e intuição se mesclam. Visite o site do artista.

Arquitetura do Imaginário

Gosto de me movimentar nesse mundo em que o espaço parece uma ilusão. Dar apontamentos para a compreensão de algo que vai ser construído no imaginário de outros, com as memórias e vivências desses outros. Parece existir algo de aleatório ou caótico neste tipo de pensamento mas, quando trabalhamos com lógica, todos aqueles traços existem por um motivo, tudo está organizado num discurso. O nosso aparelho visual está programado para detectar pequenas alterações nos claros-escuros, no movimento. O meu trabalho faz muito uso dos contrastes, das linhas de contorno.

Apesar de já ter criado obras com movimento atualmente prefiro sugerir esse movimento, esse movimento deve existir na cabeça das pessoas. Por exemplo: ao incluir borboletas nas esculturas (“Corpo Habitado“) estou a sugerir um tipo de movimento lento e pausado que toda a gente que já tiver visto uma borboleta consegue associar.

O Personagem me Guia

Quando eu decido explorar determinado tema, começo inicialmente com uma ideia geral, depois pesquiso, na internet, em livros, ou uso modelos. Tento absorver a maior quantidade de informação sobre o tema. À determinada altura do processo a personagem começa a aparecer, aí é só deixar-me guiar por ela.

Ideia Constante de um Mundo Mutável

A ciência é um estímulo. Apesar de me dar toda a liberdade para criar eu enquadro minha obra dentro dos limites do lógico e do credível. Muitas vezes o “credível” só o é dentro de um contexto de percepção visual e esse se torna meu campo de trabalho: encontrar a maneira de ludibriar a percepção.

A percepção visual é um mecanismo complexo, em que o sistema visual produz uma ideia constante de um mundo mutável, estamos programados para ver apenas o essencial e imaginarmos o restante com base nas nossas lembranças. Este é o nosso dia a dia. Muitos dos meus trabalhos são projetados para serem construídos apenas com base na memória do espectador: desenho pequenas pistas de uma imagem maior. O engano no ato de ver somos nós que o criamos, eu tiro partido disso.

Autor

  • Jornalista formado pela Universidade Santa Cecília. Doutorando e mestre em Ciência da Informação e graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduando em Filosofia Intercultural pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Especializado em Gestão Cultural pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc), um núcleo da USP. Como escritor, publicou o romance "As Esferas do Dragão" (Patuá, 2019), e o livro de poesia, ou quase, "*ker-" (Mondru, 2023).

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