Como você ouve música?

Que experiências únicas você teve com seus álbuns?

Em março, o LA Times publicou um artigo que acusava as recentes tecnologias, do mp3 aos dispositivos como iTunes e iPods, de “empobrecerem” a experiência de ouvir música. O autor do artigo reconhece que a facilidade em conseguir as faixas ou álbuns que se queira é algo a se comemorar. Mas ele crê que com isso se perde um certo ritual de audição, e toda a música é relegada a ser só pano de fundo para o que quer que estejamos fazendo. Ele diz: “quando eu ouvia com cuidado, as canções me permitiam chegar a certos sentimentos que, de outra forma, estariam fora do meu alcance”.

O artigo explica como seriam esses sentimentos: “Quando eu fechava meus olhos e imergia em ‘Sir. Duke’, do Stevie Wonder, era atingido por um raro e abrangente otimismo. ‘Dirty Deeds Done Dirt Cheap’, do AC/DC, me preenchia do poder intoxicante da minha própria agressividade. ‘Can’t Stand Losing You’, do Police, me fazia aceitar a minha melancolia romântica como se fosse totalmente justificada, e talvez algo cômica”. Seu modo de ouvir também possuía uma liturgia: “Ouvia a cada nota, com frequência com a capa do álbum em mãos, para ver letras e ilustrações”. Ainda: “eu considerava ouvir um álbum uma atividade em si, não era algo que eu fizesse enquanto fazia lição de casa, checava emails ou digitava mensagens no celular”.

Acredito que o autor exagere um pouco, porque tanto na época do vinil era possível ouvir o disco como pano de fundo quanto hoje se pode pegar o aparelho de mp3 e ouvir sozinho, no quarto, com a luz apagada, como um amigo me relatou. Não é o dispositivo ou o modo pelo qual uma coisa é distribuída que vá dizer como alguém deva fruir essa coisa, embora possa sugerir. Eu costumo ouvir música de vários jeitos, e imagino que vocês também; posso por algo para tocar enquanto trabalho, e eventualmente um solo mais elaborado, uma sequência mais interessante ou um verso mais complexo acaba chamando minha atenção. Ou abro as letras no PC e vou acompanhando com os álbuns, às vezes pelo Song Meanings, em que há nos comentários boas interpretações. Ou canto. Ou só acompanho as mudanças. Sem regra.

Não que seja obrigatório não ter regras, a pessoa pode criar suas regras. Uma amiga minha criou para si a crença de que se ouvisse um álbum novo sem ter todas as letras em mãos, era decisivo: não ia gostar. Então, só ouvia coisa nova com letra. Funciona pra ela.

Por outro lado, existe aquele “embora possa sugerir” do segundo parágrafo. O artigo revela algo que de fato ocorre: as novas tecnologias mudaram o modo pelo qual encaramos não só a indústria da música, mas o ato de ouvir e a sua própria criação pelos artistas. Dois grandes grupos reagiram de formas diferentes às tendências. O Pink Floyd processou a EMI (e venceu) por ter vendido separadamente suas músicas pelas internet; eles, assim, se mantém fiéis à ideia de que o álbum é um projeto, um conceito, um tema desenvolvido — como é The Wall e The Dark Side of the Moon. Mas, embora Mellon Collie and the Infinite Sadness seja um álbum de conceito também, Billy Corgan e os (atuais) Smashing Pumpkins pensam de outro jeito. Corgan acredita que as pessoas não ouvem mais o álbum inteiro, mas vão apenas às faixas mais conhecidas, as músicas de trabalho, os singles.

Também pode ser um exagero do Corgan. Não conheço nenhum outro música que tenha se concentrado apenas em lançar singles e uma série de outros é lançada convencionalmente. Duvido que algum desses modelos extremistas se tornarão padrão.

Não vejo porque todos os álbuns teriam de seguir o mesmo formato. Não vejo porque todos deveriam ouvir música da mesma forma. Há álbuns que são bons porque não nos prendem e não exigem muito e outros que é para se parar e seguir com cuidado. O que você acha? Que experiências únicas você teve com seus álbuns?

Autor

  • Jornalista formado pela Universidade Santa Cecília. Doutorando e mestre em Ciência da Informação e graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduando em Filosofia Intercultural pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Especializado em Gestão Cultural pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc), um núcleo da USP. Como escritor, publicou o romance "As Esferas do Dragão" (Patuá, 2019), e o livro de poesia, ou quase, "*ker-" (Mondru, 2023).

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