Laís Bodanzky parece querer dizer algo: a sociedade tende a massacrar até a menor das diferenças
Laís Bodanzky é provavelmente a mais madura entre os jovens cineastas brasileiros: estreou com o impactante Bicho de Sete Cabeças, firmou-se com o delicado Chega de Saudade e agora parece alcançar o grande público com o realista As Melhores Coisas do Mundo.
O mais recente filme da cineasta é um olhar sobre a vida de Mano, um garoto de 15 anos que vive a separação dos pais e dramas cotidianos na escola. Mesmo tratando de temas que podiam levar ao banal, o filme está longe disso. Bodanzky consegue inserir conflitos e conduzir o que a princípio seria apenas um apanhado de situações com bastante firmeza narrativa.
As Melhores Coisas do Mundo é um filme agradável ao grande público: exibe narrativa linear, conflitos que mantêm a história interessante e um final feliz. Mas é também um filme de autor e, sobretudo, um filme realista: os personagens não são açucarados e não há nostalgia no olhar sobre a adolescência. O mundo adolescente é retratado como repleto de traições, desejos e crueldade, uma pequena selva em que a menor diferença do bando é intolerável.
Existem, sem dúvida, deslizes no filme: o irmão mais velho de Mano é um personagem perturbado em excesso e que está nas mãos de um ator que não consegue imprimir qualquer veracidade ao papel; o clichê do pai ausente é outro problema. O filme ainda pode ser visto como uma concessão ou enfraquecimento de uma cineasta que começou com uma obra de tamanha força como é Bicho de Sete Cabeças.
Contudo, tanto em seu filme de estreia quanto aqui Laís Bodanzky parece querer dizer algo: a sociedade tende a massacrar até a menor das diferenças. Neto, personagem de Rodrigo Santoro em Bicho de Sete Cabeças é mandado para um hospital psiquiátrico por um mal entendido. A escola de Mano tortura seguidamente aqueles que agem fora do padrão e estes são todos, evidenciando ainda mais a hipocrisia daqueles que julgam. Bodanzky parece ser uma cineasta que acredita no indivíduo e As Melhores Coisas do Mundo é exatamente isso, um relato do processo de amadurecimento e individuação de um adolescente.
Mas outra bandeira parece estar nas bases desse filme: o esforço por um cinema nacional que seja visto e comunique-se com seu público. Se Bicho de Sete Cabeças deu à cineasta o reconhecimento de crítica e o passaporte para festivais internacionais, este As Melhores Coisas do Mundo, que estreia em salas comerciais, pretende levá-la até o público e mais que isso, ao se dirigir aos adolescentes a diretora pode conquistar um público ainda em formação, livre dos frequentes preconceitos contra o cinema nacional.
Assim, em As Melhores Coisas do Mundo, Laís Bondanzky constrói um filme leve, aparentemente pensando para alcançar o grande público, mas que ainda assim foge da banalidade e do simples entretenimento e parece traduzir uma visão de mundo da autora: a possibilidade de constituir-se como indivíduo em um mundo intolerante.