A Origem

A Origem exibe um mundo dominado por grandes corporações, em que até os sonhos se tornam objeto de lucro

Christopher Nolan parece querer se firmar como uma espécie de enfant terrible do cinema americano: seu filme de estreia, o independente Amnésia, trazia um personagem sem possibilidade de armazenar novas lembranças e uma narrativa contada de trás para frente, um exercício de linguagem ousado mesmo para um público acostumado com Clube da Luta; Já O Cavaleiro das Trevas inseriu uma reflexão sobre a natureza do mal e das figuras midiáticas em uma franquia de ação, contudo, seu movimento arriscado levou Batman a seu maior público e sucesso de crítica.

Agora, com A Origem, Nolan examina novamente os limites do grande cinema comercial da mesma forma como seus personagens examinam os limites da mente. O filme tem narrativa relativamente linear: um especialista em retirar informações de sonhos é contratado para uma missão tida como impossível a qual deve executar com a ajuda de uma equipe de especialistas. No entanto, o filme não assume ares fantasiosos, ou o habitual descolamento da realidade visto geralmente em filmes de ação, o que o diretor faz aqui parece se aproximar muito mais de um recurso literário: a invasão de sonhos poderia ser explicada, mas é um processo difícil e complicado demais para ser destrinchado. É o primeiro movimento arriscado, deixar lacunas em um filme de grande orçamento.

Outra opção acertada em A Origem é manter os efeitos especiais como auxiliares da narrativa: eles aparecem para criar o ambiente onírico, mas não são responsáveis por levar os espectadores ao cinema, nem objeto das discussões posteriores. Nolan, que rejeitou o uso da tecnologia 3D no novo Batman, parece se influenciado muito mais por Hitchcock e seu domínio da narrativa e da tensão cinematográfica do que por James Cameron e efeitos especiais pirotécnicos, a reverência pelo poder da linguagem cinematográfica se explícita ainda em cenas que são claras referências ao O Poderoso Chefão e mesmo ao Último Tango em Paris.

Por fim, junta-se ao filme a sensação de um mundo dominado por grandes corporações obscuras, o mesmo medo que move produções como O Jardineiro Fiel e Senhor das Armas, mas aqui já não há fronteiras, até mesmo os sonhos tornam-se objeto de lucro. Ainda que de forma sutil, é preciso sempre lembrar que se trata de um filme de grande estúdio. Nolan expressa um desconforto com a sociedade de crescente vigília e mercantilização e cria um mundo onde subconscientes podem ser militarizados.

Claro que há falhas no filme: buracos de trama que tem alimentado infindáveis teorias conspiratórias, ganchos que não se desenvolvem e uma explicação psicológica rasa e clichê para o personagem principal. Entretanto, o filme é de tal forma bem construído que a tensão se cria mesmo nas mentes certas dos finais hollywoodianos, ou seja, A Origem não se trata de uma obra prima, mas de um bem vindo respiro em um mercado dominado por Avatar: é um filme com projeto e conteúdo suficientes para gerar discussão e análise, e um diretor que acredita no poder da narrativa sobre a perícia técnica e se empenha em experimentar e forçar limites dentro das formas que trabalha, permitindo ao espectador um esforço incomum para o grande cinema americano.

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