O valor está em ser mulher: o clipe “Miss Beleza Universal”, de Doralyce Gonzaga

De alguma forma, no carnaval de 2020, escutei a cantora pernambucana Doralyce Gonzaga. De alguma forma, porque sou meio ruim de descobrir artistas novos. Quando descubro, eles já têm alguma fama, como é o caso dela, que desde 2017 vem cantando suas músicas, junto à também cantora e compositora (e sua companheira) Bia Ferreira. Mas é o fato: “descobri” a Doralyce (com muita justiça, chamada pelo público de Miss Beleza Universal) e, em pouco tempo, já tinha ouvido tanto suas músicas que, de alguma forma, me sentia íntimo.

Veja também:
>> “O Inimigo Mora ao Lado“, que conta com uma análise de Vida Loka II, dos Racionais
>> “A Revolução Será Pop ou Não Será“, artigo de Ali Prando

E por que falo das datas? Porque naquela a semana do dia 9 de março, convicto de fazer algum trabalho sobre o Dia Internacional da mulher com meus alunos (de 6º a 9º anos) da Prefeitura de São Paulo, achei por bem levar o funk dela, Miss Beleza Universal. Seguindo o que a gente lê nos livros de Paulo Freire, vamos dizer que a ideia foi boa: é funk, ritmo que os pimpolhos mais ouvem, tem certo humor e um discurso feminista poderoso. Aí, no dia 12, já tinha ouvido e visto tantas vezes o clipe, que o artigo que aqui vocês lerão surgiu quase que naturalmente. Não falarei das experiências de aula. Ou enfim, não aqui.

Primeiro, vou fazer uma ressalva. Sou um homem branco, de classe média, então é claro que meu artigo talvez peque um pouco em algum ponto. Mas, veja bem, não quero roubar o protagonismo de autoras e autores negros: quero, antes, fazer a minha leitura, uma das muitas possíveis, e uma que, para outros homens brancos ou não, talvez seja até interessante. Por que? Porque eu vi coisas que nós, homens brancos, não somos ensinados a ver; isso não significa que não podemos aprender a ver. O objetivo aqui é esse.

Primeiro: a letra

A letra de Miss Beleza Universal é muito simples, mas usa palavras tão polissêmicas que, se fossemos colocar hyperlinks em cada um dos termos, teríamos uma pequena biblioteca virtual na canção.

Mode on high tech
Modelo ocidental
Magra, clara e alta
Miss beleza universal
É ditadura!
Quanta opressão
Não basta ser mulher
Tem que tá dentro do padrão
Miss beleza, miss beleza universal

Primeiro, tem o mais ou menos emblemático “mode on high tech”. Ou seja, “ligado em alta tecnologia”. O que será que podemos interpretar desse trecho, quando a gente olha o resto e vê que lá não há mais nada sobre tecnologia? Eu, humilde palavrista, procurei “high tech beleza”, e o que encontrei me ajudou a lançar alguma interpretação. De cara, não dá para não pensar na “indústria da moda”, isso é, em todo um sistema de produção e preparação de pessoas visando a atender a uma demanda, e é bastante ilusório a gente crer que não tenha alta tecnologia nisso.

Seja no tratamento estético das modelos, seja nos recursos para apagar certas marcas na pele, diminuir medidas, modificar estruturas capilares… São procedimentos que envolvem tecnologia, e, se a gente for pensar na palavra “indústria”, isso nos remete, também, às linhas de montagem, onde um produto final deve ser entregue com qualidade e rapidez. Quando falamos em “indústria da moda”, podemos pensar em vários “produtos” que estão sendo vendidos para o consumidor. Um deles, aquele que Doralyce ataca, o ideal de beleza feminino. A precarização da vida humana faz com que as modelos se submetam a toda ordem de procedimentos estéticos, a fim de que se adequem a certo padrão, e isso nos leva à segunda linha.

Quando a cantora fala em “modelo ocidental”, chegamos à algo que se relaciona, diretamente, a toda a história humana. “Ocidental”, aqui, é uma palavra de profunda carga sócio-histórica, porque sabemos que o ocidente, no caso específico da estética, é, na verdade, a Europa. Ou seja, as exigências e demandas estéticas da indústria da moda se ligam ao biótipo da grande parte das populações desse continente: pele clara, cabelos lisos, corpo magro.

Não se trata, é claro, de mera questão de gosto. É, antes, uma forma de dominação simbólica dos europeus sobre os demais povos (e o Joel Zito de Araujo tem um artigo muito bom sobre isso). Um modo eficiente de dominar um povo é, primeiro, pelas armas. Segundo, por sua moral, e, nesse caso, o que você deve fazer é produzir uma sensação de culpa e deslocamento naqueles que se almeja conquistar. Não é simplesmente aprisionar povos oriundos do continente africano e dizer que suas vidas não têm valor.

Para dominar moralmente esses povos, os arquitetos do racismo institucional se apoiaram em ciências de todos os tipos, bem como na arte clássica, para apontar seu dedo julgador (aliás, usei o termo de propósito: ouçam, de Doralyce, a música Pare de Apontar o Dedo) e dizer: “Somos melhores”. Aponta-se a o dedo para dizer que povos nativos do continente africano e americanos são biológica e esteticamente inferiores. Dessa forma, os detentores de saberes vão tolhendo a moral dos afro-ameríndios, vão introjetando discursos racistas em concepções estéticas, vão fazendo essas pessoas sentirem-se erradas, e assim, conseguem, mais facilmente coibir o sentimento de orgulho dessas pessoas (esse artigo aqui fala um pouco sobre isso).

Mas, como eu disse, isto é só uma introdução; nos links, vocês encontram muitas referências interessantes. Quero continuar, porque chegamos a um ponto um tanto polêmico, mas que eu abordei com os alunos e na hora me trouxe uma conclusão como um raio. Parei, respirei um pouco e pensei: isso é simplesmente brilhante.

Vocês provavelmente já ouviram o professor Kabengele Munanga dizer que o racismo brasileiro é um crime perfeito. E ele fala isso porque, aqui, o racismo nunca é apontado como algo factual. É sempre um “você está me entendendo errado”. Um verso da Doralyce é justamente nesse sentido: “Magra, clara e alta”. Eu grifei o “clara” porque a palavra, aqui, serve justamente para mostrar o racismo dos barões da moda. Quando a cantora fala em “clara”, aquilo a que ela nos remete é o colorismo.

De forma bem resumida (o artigo da Aline, acima, e o da Bianca, são boas leituras introdutórias sobre um problema tão complexo), colorismo é uma forma de preconceito baseada no tom da pele de pessoas negras. A grosseiríssimo modo, é o fato de que uma pessoa de pele negra clara sofre menos racismo que uma de pele mais escura. E, no caso da indústria da moda, podemos dizer que é uma forma dela continuar sendo racista, porém, sem o ser de um jeito tão assumido. O que Doralyce nos diz é que uma mulher de pele negra mais escura está menos próxima do padrão estético racista que uma de pela mais clara. Os barões da indústria contratam modelos de peles mais claras, as maquiam de forma a disfarçar bastante a cor natural. Eximem-se de críticas, quando na verdade, continuam sendo racistas – trata-se apenas de encontrar alguém que permita um “disfarce” da cor natural.

Bia Ferreira e Doralyce cantando Miss Beleza Universal no Studio Som Livre | imagem: YouTube

Trata-se, enfim, de colocar a mulher negra dentro da dita “beleza universal”. Mas vocês podem perceber, pela letra e pelo clipe, que Doralyce não se limita a falar sobre o racismo da indústria da moda. “Magra” e “alta” são adjetivos que limitam as mulheres, sejam elas brancas ou negras. Outra coisa, a letra fala em Miss Beleza Universal, ou seja, algo que seria maior que um só país. Eu leio isso como uma crítica ao machismo institucional pautada pelo feminismo interseccional. Ou seja, Doralyce não combate só o racismo, mas combate a gordofobia, homofobia, xenofobia (e aqui é claro que eu vou reverenciar a Angela Davis).

Vejam, Doralyce fala em “ditadura” e “opressão”. Com sensibilidade e generosidade, o que a cantora nos coloca é uma critica ao machismo institucional como um todo, e ela faz isso, pelo menos na letra, a partir do viés da estética. A opressão estética, para algumas pessoas, pode parecer algo fantasioso. “Ora, a pessoa é bonita ou não é”, diz o senso-comum, mas a gente não pode esquecer que a beleza é algo construído, e é construído a fim de sustentar o poder de alguém sobre outrem. E isso nossa cantora resume muito bem.

No início daquela semana do dia 9 de março, eu me ative mais a esses versos: “Não basta ser mulher/Tem que tá dentro do padrão”. Por que? Porque eles resumem algo que, melhor que Doralyce, talvez, só Lubi Prates tenha colocado. A poeta diz: “E ainda que/eu trouxesse//para este país//meus documentos/meu diploma/todos os livros que eu li/meus aparelhos eletrônicos ou/ minhas melhores calcinhas//só veriam/meu corpo//um corpo/negro” (Do livro Um corpo negro, nosotros, editorial 2019, p. 29).

Os diálogos entre Lubi e Doralyce apontam para uma questão principal, a do machismo, que ignora a mulher enquanto ser ativo e protagonista, reduzindo-a a um corpo. Não basta que a mulher seja a chefe de quatro em cada dez lares; não basta que 72% das mulheres trabalhem mais do que homens; não basta que em 2017 o Brasil tivesse 11,6 milhões de mães solo. Em uma sociedade machista e patriarcal, o primeiro julgamento que uma mulher recebe é o de sua aparência; tudo que ela fará, de maneira geral, vai importar (aos homens e mulheres racistas) menos do que sua estética, e é disso o que a música de Doralyce fala, é isso o que a cantora chama de “ditadura” e “opressão”.

Assim, tendo lançado algumas luzes sobre a letra da música, vamos agora à leitura multisemiótica do videoclipe, que é uma obra de arte cheia de imagens muito bonitas e significativas. Gostei do clipe, também, porque Miss Beleza Universal satiriza, com brilhantismo, o machismo e o racismo institucional — incluindo aí, o ridículo de cantores de funk tradicional. Vejamos.

Segundo: o vídeo

O vídeo é uma obra que estabelece um diálogo muito forte e sutil entre imagem e som, e isso me encantou. Tentei fazer meus alunos perceberem isso, como tentarei fazer vocês.

O primeiro momento não tem grande mistério. Trata-se de mulheres fora do “padrão ocidental” desfilando como Candidatas à Miss, adotando os trejeitos mecânicos desses concursos estúpidos, enquanto áudios de locuções são ouvidas ao fundo. Até que chegamos à abaixo e a música começa.

Esse primeiro frame traz a primeira grande crítica de Doralyce. Mulheres em roupas sumárias dançando de um jeito sensual. Na minha interpretação, é uma crítica ao machismo dos vídeos de funk carioca. Doralyce parece procurar reforçar o ridículo que há nos funks. Reforçar a pretensa sensualidade das dançarinas, que cercam o cantor, como se ele fosse um grande sedutor, o macho procriador, cercado por seu harém. Mais ainda, a Miss Beleza parece reforçar o vazio dos símbolos que há na dança das letras de funk. Por que as mulheres dançam sensualmente enquanto o homem fala as formas como vai transar com a mulher? As formas pelas quais vai torná-la um objeto de satisfação sexual?

A letra continua, e ouvimos a palavra “magra”. O que nós vemos? Uma mulher tomando algum remédio. Uma perfeita crítica à indústria da moda, que coloca a forma física delgada como ideal a ser seguido a todo o custo. Ou seja, um magro, ainda que artificial.

E, justamente, quando vemos a cena de uma mulher com uma corrente na boca…

…nossa cantora fala “opressão”, porque o machismo institucional oprime também a liberdade de se expressar contra essa estética. E claro, há uma referência aos escravizados do continente africano, pela própria referência às correntes. E, ainda, ao encarceramento de mulheres negras, que são forçadas (por seus parceiros ou pelo racismo institucional) a integrar o crime organizado. É uma imagem forte, muito representativa. Que desemboca em:

Uma cena borrada, e com estética de filme antigo, coincide com Doralyce cantando “Modelo ocidental/Magra, clara e alta”. Eu vejo isso como uma forma de evidenciar o conservadorismo desses modelos físicos. Algo datado e que precisa ser combatido. Miss Beleza dizendo para nós sobre como ela acha isso de padrão e concurso de beleza uma coisa antiga, datada, incabível no mundo contemporâneo. Uma violência estética que é ilustrada pela cena seguinte:

Esse momento do vídeo é simplesmente brilhante. O que nós vemos? Uma mulher “fora do padrão”. O que está acontecendo com ela? Está começando a ter uma espécie de ataque, convulsão, sua imagem está se tornando borrada e fragmentada. O que Doralyce está cantando? Está falando repetidamente “dentro do padrão”. Um padrão que oprime, que causa transtornos mentais, que ataca e fere. Uma pressão psicológica que afeta, de forma destrutiva, a autoestima das mulheres.

Uma objetificação que reduz às mulheres a meras esposas, objetos decorativos de uma instituição conservadora, o casamento:

Nesse trecho, instrumental, vemos uma mulher vestida de noiva. Apesar de não estar na letra, eu entendo como uma crítica a imposição do casamento tradicional. Outro momento interessante é o da “noiva” sendo cercada por figuras fantasmagóricas, que a oprimem, que oprimem sua liberdade de ser algo mais do que uma “noiva”. Interpreto essa noiva em fuga enquanto uma fuga da tradição impositiva, que coloca o casamento enquanto obrigação (virtual ou concreta), para a mulher se adequar a um “padrão”. Uma mulher como a então primeira-dama (o clipe é de 2018), Marcela Temer, e seu moralista “bela, recatada e do lar”. O que nos leva ao próximo quadro:

Quando Doralyce fala “é ditadura”, surge essa manifestação política contra o ex-presidente Temer, que assumiu  quando Dilma foi tirada do poder por um processo de impeachment controverso. Também me lembro da então primeira-dama, esteio moral para as mulheres da nação. “Bela, recatada e do lar”, e um notória “Magra, clara e alta”. Porque o ataque ao machismo passa, necessariamente, pelo ataque a modelos políticos que não valorizem o protagonismo da mulher. E, isso, Miss Beleza frisa bem.

Vejo isso pelas cenas seguintes:

As duas cenas em que aparecem essas figuras são, para mim, muito importantes e poéticas também. Para os inocentes, esse símbolo é uma referência a vulva, uma vagina feminina. Mas vejam que Miss Beleza aparece olhando por trás dessa vulva, e não acho que ela está surgindo como Doralyce, e sim como uma alegoria de alguém da indústria da moda, como nos estereótipos de um diretor de arte de alguma revista ou marca que fica enquadrando as mulheres com uma câmera fotográfica feita por suas mãos.

Na primeira cena, Doralyce canta “Tem que tá dentro do padrão”. “Padrão” se liga ao formato de câmera, no sentido que isso nos lembra uma câmera fotográfica (a modelo) e ao mesmo tempo, uma vulva, mas, uma vulva “dentro do padrão”, uma vulva dentro de uma prisão (a repressão à sexualidade). Uma referência à opressão sexual que mulheres sofrem. A mulher não tem o direito de viver seu corpo e sua sexualidade fora de um padrão; ao mesmo tempo, ela é obrigada a exibir seu corpo, caso queira estar “dentro do padrão”. O que pode parecer um paradoxo se reduz à afirmação de que a mulher não tem o direito a decidir sobre o seu corpo. Ela é objeto de uma idealização e objetificação do homem; é objeto de seu fetiche (vulva-câmera). Ao mesmo tempo, ela não pode ter liberdade, libido, e deve se reprimir (vulva aprisionada).

Essa é uma imagem lindamente combatida por Doralyce na segunda cena. Novamente, a gente vê a vulva. Mas é uma vulva com uma boca, ou seja, uma metonímia de uma mulher que grita a sua sexualidade, e sua existência – e, por conseguinte, sua autonomia e empoderamento. Uma mulher que grita — pela sua sexualidade independente de padrões e enquadramentos — o seu direito de existir. Mais do que isso, entendo a vulva com boca enquanto a reafirmação da mulher sobre o seu direto à sexualidade independente. Não é mais uma vulva atravessada pelo olhar crítico da primeira cena – e sim, pela boca que grita, que reafirma sua presença, sua vida.

Pensando por esse lado, não consigo deixar de associar a imagem da boca solitária que conta sua história à peça de Beckett, Not I, cuja personagem é uma boca, contando a história de uma mulher, e seus traumas sexuais — pelo que se pode supor do texto, vindos de uma educação religiosa, conservadora e machista.

Por outro lado, a vulva feita com as mãos me remete a poesia de Angélica Freitas e seu livro Um útero é do tamanho de um punho, bem como a um dos símbolos do movimento feminista. Entendo a cena como a relação entre mão (força, ação, operação) e a vulva (feminino); uma reafirmação da vulva como órgão tão essencial para o empoderamento quanto à mão.

A seguir, o que vemos é Doralyce tirando a coroa da Miss Beleza…

…enquanto a voz ditatorial grita: “Dentro do padrão”. Tira a coroa da Miss Beleza Universal que aprisiona a sua liberdade de ser diferente com uma cara de cansaço e raiva, como que indicando que se cansou de tentar ser aquele “padrão” que não a representa e sim o “patrão” (que entra no final de cada refrão com um “foda-se o patrão”), e essa imagem parece, para mim, muito forte e significativa, por mostrar algo que nossa cantora reforça na sua música e na sua atitude de ativista: que a verdade sobre sua estética é aceitar-se e orgulhar-se de quem ela é. e essa posição fica muito clara no próximo quadro:

Ela se levanta sorrindo e, em seguida, aparece com o rosto molhado, o que para mim serve tanto como uma representação de um renascimento quanto de um batismo, por mais que o discurso religioso aqui (pela graça dos deuses) passe longe. Ela se renova como sujeito quando aceita sua diferença e, mais do que isso, quando descobre que é essa diferença que a faz alguém tão especial em uma perspectiva coletiva. Ela não tem valor por estar num padrão, mas, justamente por estar fora, e descobrir e aceitar isso é se reinventar e se fortalecer. Seu valor não é por sua estética, mas por ser mulher.

Como mostra a cena seguinte:

 

Outra cena muito bonita, no clipe, é essa, em momento instrumental, na qual uma mãe amamenta sua filha enquanto faz o gesto de força característico. Acho que a referência ao cartaz da Rosie the Riveter/We Can Do It! é bastante clara, mas aqui, frisando um lado com que a propaganda não se preocupou, a maternidade; essa mãe não só “pode fazer isso”, como “pode fazer isso enquanto é mãe”. Mais do que uma cena poética, uma forma de atacar o “não basta ser mulher”.

Por fim, Doralyce faz outra mensagem política e poética que eu achei muito simbólica, porque a coloca – uma mulher negra, gorda, nordestina (ou seja “fora do padrão”) com uma roupa de petroleira, carregando uma bandeira do Brasil.

O que interpreto daí? Primeiro, uma posição de apoio à presidenta Dilma. Segundo, algo ainda mais forte: trata-se de exibir uma mulher “fora do padrão” que é a “energia” de um país; ela, que não é “magra, clara e alta” e, mesmo assim, “carrega” o país, é sua riqueza, sua força motriz.

Assim, chego ao fim desse artigo que, como todos os meus anteriores, não pretende ser nenhuma conclusão, mas, sim, a porta de entrada para tantas questões. A música de Doralyce enche de graça um mundo cheio de funks sexistas e vazios, além de que sua voz e seu sotaque são uma magia à parte. É uma música forte, que de alguma forma me tocou. Eu, homem branco.

Fez, como os outros textos citados, com que eu percebesse o meu lugar e a importância de usar esse lugar para tecer autocríticas e críticas aos meus pares. Foi isso que eu tentei fazer. Não sei se falhei. Espero que não, porque o que eu mais quis com o artigo foi mostrar para todos a maravilha estética que é a música e esse vídeo de Doralyce.

Autor

  • Autor dos livros de poesia Nada (Patuá, 2019) e Hinário Ateu (Urutau, 2020). Já publicou em revistas como Mallarmargens, 7Faces, Zunái e publica com regularidade nas revistas Úrsula e Subversa.

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