Fernando Pessoa Economista

As análises do poeta português, feitas no século 19, são pertinentes para tratar de globalização, pós-fordismo, blogs, e-mail…

Fernando Pessoa nasceu em 13 de junho de 1888 e morreu em novembro de 1935, mas sua inteligência e visão de mundo permitiram que, assim como sua poesia atravessa gerações, seus textos sobre economia chegassem a nosso tempo ainda atuais. De acordo com Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e autor de A Economia em Pessoa — Verbetes Contemporâneos (2006), as análises de Pessoa já tratavam de “globalização, privatização, e-mail, blog, pós-fordismo, marketing, governança corporativa”, entre outros. Capitu entrevista o economista e explora essa face pouco conhecida do poeta português e quais as influências dessas ideias em sua poesia.

Roberto Cavalcanti de Alburquerque disse que “Gustavo Franco patenteia a atualidade quase mágica dos textos, decorridos mais de 80 anos de publicação”. A produção de Pessoa é de fato muito pertinente ao debate de economia contemporâneo? Em que medida ele pode ser usado para entender o cenário de hoje?

A atualidade do Pessoa economista é a tese central da reedição de seus artigos para a Revista de Comércio e Contabilidade, escritos em 1925. O modo de instigar o leitor contemporâneo a enxergar a pertinência do texto foi associar a cada um dos 12 artigos um verbete contemporâneo, que o poeta não conheceu, deixando claro que é disso que ele trata. Os verbetes são globalização, privatização, clusters, e-mail, blog, deregulamentação, pós-fordismo, marketing, branding, governança corporativa, qwerty. Nenhuma dessas palavras era conhecida em 1925 em sua acepção atual. Mas os temas eram conhecidos e discutidos em 1925, como o leitor facilmente observa no texto.

E em que medida esses textos não estão “datados”, marcados pelas condições históricas de quando foram produzidas?

Não são textos datados pois Pessoa teve como filosofia editorial, em todos esses artigos para a Revista de Comércio e Contabilidade, tratar dos assuntos propostos “na sua mais absoluta generalidade”. Ele utilizou questões da época apenas como referência longínqua, quando, por exemplo, apenas mencionou a discussão sobre o monopólio do tabaco para tratar da relação entre estatização (sic) e liberdade.

Para exemplificar: qual era a visão do poeta sobre a globalização? Quais as pertinências e oposições com o que se pensa hoje?

Na digressão histórica sobre o assunto o poeta distingue fases da evolução histórica do comércio internacional e destaca o paralelismo entre o comércio e a cultura, e nesse terreno exalta valores como a Democracia, a Liberdade e o livre-cambismo comercial e cultural.Na percepção dele as trocas culturais não apenas cresceram exponencialmente como as comerciais, como também parecem ter trazido questões similares, ou distorções, normalmente associadas às ‘vítimas do progresso’, o protecionismo, e o chauvinismo. Na fase mais avançada da evolução do comércio, o poeta exalta o jornalismo, onde enxerga o vértice da popularização da ciência e da cultura num mundo cujas fronteiras foram ampliadas pelo comércio, e desanca a ‘sindicação’ e o ‘nacionalismo’ que vê crescer perigoso na Alemanha. É cedo para falar um multiculturalismo, como uma espécie de ‘livre-cambismo cultural’; o poeta trata apenas de ‘tendências, esboços’.

Utilizando Pessoa, é possível compreender melhor a atual crise econômica, ou ao menos alguns aspectos dela?

Creio que não. Infelizmente a Revista de Comércio e Contabilidade circulou apenas por 6 meses, durante os quais o poeta não tratou de nenhum tema aparentado aos da crise atual. Porém, na sua produção poética, e em sua participação em outras publicações e debates sobre os ventos vindos dos movimentos vanguardistas, há bastante material sobre as questões e sensações próprias de um mundo em constante e perturbadora transformação, sempre oscilando entre o deslumbramento e o pavor diante do progresso material.

Há paralelos possíveis entre o Pessoa-economista e a sua produção poética? Como, por exemplo, em poemas que falam da velocidade, da industrialização, tratando de forma positiva, até promocional, esses elementos?

Sem dúvida. A velocidade, e mais precisamente as noções sobre tempo e espaço, são profundamente alteradas nas primeiras duas décadas do século XX, por um lado, pela inovação tecnológica nos transportes e comunicações, que fez encurtar as distancias da mesma forma como em nossos dias. O que se dizia, na ocasião, do telégrafo, é o mesmo que se diz sobre a internet em nossos dias. Por outro, nas artes, na literatura e na ciência, há “adventos” como a psicologia freudiana, a relatividade, a novela joyceana, o cubismo e o futurismo, e se há algo a unir todas essas inovações é a subversão das noções vigentes de tempo e espaço. Não há sombra de dúvida que o poeta viveu essas inovações intensamente, como expoente de sua época, como “raciocinador”, como se descrevia. E nada mais natural que essas revoluções todas impactassem a sua produção literária.

Autor

  • Jornalista formado pela Universidade Santa Cecília. Doutorando e mestre em Ciência da Informação e graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduando em Filosofia Intercultural pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Especializado em Gestão Cultural pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc), um núcleo da USP. Como escritor, publicou o romance "As Esferas do Dragão" (Patuá, 2019), e o livro de poesia, ou quase, "*ker-" (Mondru, 2023).

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