Nonsense, humor negro e nostalgia

Impressões sobre A Hora Final, de Joseph Keller

Há mais de 40 anos atrás, Joseph Heller escreveu o seu desde então festejado Ardil 22. Em 1994 ele publicou a continuação: A Hora Final.

Visto que ainda não consegui ler o primeiro, só posso dar minhas impressões do segundo. Já conheço Heller por seus Imaginem Que… (Picture This) e Gold Vale Ouro (Good As Gold). Desta vez, o absurdo presente nas situações também se avoluma nos diálogos; ri-se pelo acúmulo de nonsense numa breve troca de palavras entre suas personagens. Os alvos — a cultura americana decadente, a política interna dos EUA que inclui a figura presidencial, a corrupção, o tráfico de influência, a violência e a miséria num dos grandes centros urbanos do mundo — Nova York — os serviços de espionagem e contra-espionagem — são impiedosamente satirizados. Há seqüências impagáveis.

O capítulo 2 é de uma concisão que poderia passar por um miniconto. O que lhe segue, o capítulo 3, causa gargalhadas (estou falando de gargalhadas, não de sorrisos ou risinhos). Heller acompanha suas personagens vindos de Ardil 22, agora muito mais velhos, enfrentando coisas tão comuns quanto filhos adultos incapazes de se aprumarem na vida (na linguagem americana, “losers”), divórcios e doenças terminais (ou a ausência destas).Yossarian, Milo, Sammy, o capelão Tappman, Lew, desfilam nessas páginas mesclando paródia, humor negro e também reminiscências que soam como nostalgia – de Heller? — de um tempo que teria sido mais simples e mais autêntico. Talvez mais feliz.

Heller alterna a vez nos capítulos, colocando figuras como Sammy e Lew para narrarem na primeira pessoa — o capítulo um abre com Sammy dizendo: “Quando as pessoas de nossa idade falam da guerra, não é do Vietnã…” e encerra esse primeiro encontro conosco, leitores, com essas palavras referentes à infância: “Ninguém era rico”.

Os capítulos narrados por Sammy ou por Lew são plenos de lembranças; sobressai aí o tom nostálgico do romance. Naqueles narrados na terceira pessoa focalizando Yossarian, Milo, Noodles Cook e outros, predomina a sátira, as falas nonsense, onde os alvos de Heller são atacados com uma inteligência agressiva. É possível que os capítulos do primeiro tipo não deixem de ser uma crítica, porém como que feita com uma lágrima disfarçada.

Às vezes, porém, Heller erra a mão; algumas cenas que deveriam ser engraçadas ultrapassam a medida, alongam-se e então prejudicam o efeito pretendido (livro 4, capítulo 11, págs. 119-123). Nada que anule os méritos deste romance divertido e saudosista, em que o próprio Joseph Heller é “meio-personagem”, mais de uma vez mencionado pelas personagens que criou; a brincadeira se repete com a “citação” dentro da trama de um outro escritor que também ficou famoso escrevendo sobre os horrores da guerra — Kurt Vonnegut, autor de Matadouro 5 (título aludido em mais de uma passagem).

O resto é o final apocalíptico — à americana. À Joseph Heller.

Autor

Compartilhe esta postagem:

Participe da conversa