A problemática mundial da água hoje: desafios e perspectivas

Demanda irregulada, oferta desperdiçada, contaminação por detritos e problemas de saúde exaurem um recurso primordial

A Represa do Passaúna, em 2020, em estiagem recorde no estado | imagem: Paulo Hulyk

A água é um recurso natural finito, mas durante muito tempo foi tratada como infinita. Não havia regra para controlar o seu consumo. Pensávamos que estaria disponível em quantidade e qualidade independentemente do volume utilizado, mas, com o avanço da sociedade capitalista, os impactos ao sistema hídrico passaram a ficar mais evidentes.

O cenário se mostra cada vez mais preocupante devido ao aumento populacional de forma desigual em diferentes regiões do planeta. Hoje, a população humana é de aproximadamente 7,7 bilhões de pessoas; até 2050, é previsto que atingiremos 10,2 bilhões. Isso nos remete a pensar na quantidade de água necessária para atender a todos os habitantes do planeta. A disponibilidade de água é instável ao redor do globo: 47% da população mundial enfrenta uma crise hídrica em algum período do ano, e essa percentagem pode crescer em dez pontos até 2050.

Apresentamos aqui um panorama de dificuldades e de medidas que podem ser tomadas nesse contexto.

Qualidade da água e saneamento básico

Um grande problema é a qualidade da água. O crescimento populacional e as atividades econômicas contribuem decisivamente para contaminação dos estoques hídricos. Países que estão em processo de desenvolvimento despejam 90% do seu esgoto diretamente nos cursos de água. A maior parte desses resíduos é produzida pela indústria, que produz cerca de 400 megatoneladas de detritos por ano, volume descartado no sistema hídrico.

Com essas ações irresponsáveis, 12% da população mundial recebe água sem nenhum tipo de tratamento e, outra parcela, representada por 2,4 bilhões de pessoas, está vivendo sem nenhum tipo de saneamento, o que agrava ainda mais a poluição da água. Essa situação gera resultados muito graves para economia e para sociedade, como a disseminação de problemas de saúde diversos: diarreia, febre, infecção por bactérias entéricas, hepatite A, esquistossomose, leptospirose, tracoma, conjuntivite, micose superficial, helmintíase e teníase.

Em regiões como Caribe e América Latina, um dos principais motivo de falta de água é a contaminação dos recursos hídricos – isto, além de fornecimento inadequado e um aumento no número de inundações, o que afeta diretamente a qualidade da água e gera desigualdade social. Dados mostram que 1 bilhão de pessoas não dispõe de condições mínimas para realizar suas necessidades fisiológicas. Esses resíduos são descartados sem nenhum tipo de tratamento nos rios, lagos e mares, e estima-se que 80% das águas residuais no mundo sejam descartadas sem tratamento adequado.

A Cidade do México, por exemplo, possui um dos maiores aglomerados de pessoas do mundo, cresce de forma desajustada e tem seus aquíferos explorados de forma desordenada, o que impacta os recursos hídricos. Inundações e explorações dos aquíferos de forma irresponsável, além da falta de estrutura, intensificam os problemas, fazendo com que 40% da água se perca durante a sua distribuição.

Devido à existência de países com problemas críticos de gestão dos recursos hídricos, se faz necessário ampliar a cooperação internacional, suportando-os com capacitação e programas relacionados à água e ao saneamento. Com isso, se pode aprimorar captação de água, dessalinização, uso eficiente da água, tratamento dos efluentes gerados, reciclagem e tecnologias utilizadas na água de reuso, contribuindo assim para que as comunidades locais participem efetivamente dos projetos, atuem para melhoria da gestão dos recursos hídricos e o saneamento.

Disponibilidade de água: exaustão da água doce e a seca

Outro ponto de atenção é quantidade de água doce no mundo, que é apenas 1% do total disponível. Assim, administrar esse recurso primordial, regulando o seu uso – limitando sua aplicação na agricultura, por exemplo – passou a ser um desafio para os gestores municipais, estaduais e federais que estão em busca do desenvolvimento sustentável.

Mais multifacetada, a seca é um fator impactante no sistema hídrico e se caracteriza pela falta de chuvas por um determinado período. A escassez hídrica gerada pode ter como causa concomitante inúmeros outros fatores, inclusive as ações humanas sobre o meio ambiente, que impactam negativamente os córregos e as águas subterrâneas. Nesse caso é de suma importância que se faça a gestão dos recursos hídricos com estudos específicos sobre as características de cada região, de modo a trazer melhorias aos sistemas hídricos como a irrigação e a captação de água subterrânea, assim como interferir nos processos de urbanização em geral e entender melhor os impactos antrópicos nas águas.

Sustentabilidade hídrica e a Agenda 2030

Diante do grande desafio de gerir os recursos hídricos, o conceito de sustentabilidade, que é o princípio que assegura que nossas ações de hoje não limitarão a gama de opções econômicas, sociais e ambientais disponíveis para as futuras gerações, passou a ganhar força no meio político, nas organizações privadas, nas instituições públicas e na sociedade de maneira geral. No meio hídrico, a discussão de como garantir o atendimento atual e futuro passou a ganhar força no mundo e a Organização das Nações Unidas (ONU) incluiu a questão na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

A Agenda 2030, que foi estruturada em torno dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), é constituída de 17 objetivos e 169 metas, tendo como principal desafio implementar de forma organizada e estruturada ações que foram acordadas internacionalmente entre a população e diversas instituições, em busca de um planeta sustentável. Os recursos hídricos são enfocados especificamente pelo ODS 6.

Este objetivo visa a ações que contribuam para a gestão da água e saneamento básico para toda a população de forma sustentável; fazer a gestão do ecossistema de água doce para garantir a qualidade da saúde humana e a sustentabilidade do meio ambiente e economia. Os ODS, segundo a programação da ONU, devem ser atingidos até 2030, garantindo acesso universal, equitativo, de forma segura e com preços acessíveis para toda a população mundial.

A Assembleia Geral das Nações Unidas reconhece que a humanidade tem direito ao saneamento básico, sendo uma obrigação dos estados e organizações internacionais financiar os países necessitados para que possam dispor de água potável em quantidade necessária, com fontes disponíveis localmente e valores financeiros acessíveis à população.

A ação da ONU é justificada por um cenário alarmante, com números que mostram que 748 milhões de pessoas não têm acesso a água de qualidade para o consumo e mais de 2,5 bilhões de pessoas vivem sem a mínima condição básica de saneamento; e essas populações estão em sua grande maioria nos países não desenvolvidos.

A situação brasileira na gestão das águas

Quando trazemos a discussão sobre os recursos hídricos para o Brasil também são identificados vários problemas. Mesmo sendo um país de referência na disponibilidade hídrica, existem regiões com disputas territoriais em torno do controle da água, gerando impactos ambientais e sociais em espaços marcados por desterritorialização, tais como: a reestruturação de cadeias produtivas e o uso de recursos hídricos em grande escala, disponibilidade de água para geração de energia, produção de alimentos e processos industriais.

Apesar da Política Nacional de Recursos Hídricos, que regula a gestão das bacias hidrográficas no Brasil, ter sido criada em 1997, ainda temos problemas na implementação dos comitês de bacias hidrográficas em algumas regiões do país. É o caso do Nordeste, que possui disponibilidade hídrica preocupante e ainda não dispõe de ferramentas adequadas para gestão do recurso, do que é um exemplo a implementação incompleta do sistema de cobrança pelo uso da água. Também falta à região financiamento e/ou investimentos para os comitês. Já a região Sudeste, mais precisamente o estado de São Paulo, é referência nacional na gestão das bacias hidrográficas.

A criação de leis especificas para gerir os recursos hídricos faz com que após a implementação das diretrizes da lei os recursos sejam utilizados de forma responsável. Por exemplo, para consumir água no Brasil a política determina a emissão de outorga – um instrumento concedido à pessoa física ou jurídica que define qual quantidade de água será disponibilizada – e um monitoramento para saber se o acordo terá sido respeitado.

A lei também obriga que as empresas geradoras de detritos tratem a água contaminada antes de descartá-la para garantir que rios, lagos e mares não sejam contaminados; e determina a cobrança pelo uso da água, garantindo o consumo regular por parte dos usuários, eliminando abuso e angariando recursos para o investimento no tratamento hídrico.

Quando pensamos em sustentabilidade hídrica, a busca mundial por alternativas que contribuam para a gestão hídrica, objetivando disponibilidade de água com qualidade e em quantidade, é um desafio realmente muito grande. Esforços por parte de governos locais e regionais e da população em geral, assim como o emprego de tecnologia de ponta alinhada com estudos científicos, são imprescindíveis para disponibilizar água para todas as regiões do planeta, garantindo o bem-estar de todos.

Autor

  • Tendo começado sua carreira na indústria metalúrgica, onde trabalhou por 20 anos, transitou para a área de saúde e segurança do trabalho. Graduado em Gestão Ambiental pela Universidade Paulista (Unip), tem MBA em Meio Ambiente e Sustentabilidade pela Universidade Federal de Santa Catarina (Ufscar). É mestrando em Sustentabilidade pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas).

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