Só existem Direitos Humanos para bandidos?

Não apenas por ocasião do hediondo crime que foi a execução da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, mas principalmente pela popularização de frases como “bandido bom é bandido morto”, “direitos humanos para humanos direitos”, é importante que reflitamos sobre o que significa esse monstro contemporâneo que dez entre dez conservadores condenam sob os argumentos mais torpes imaginados.

Em primeiro lugar é preciso compreender melhor a função da Justiça. Se for possível concordar que justiça é algo mais afim à proteção da inocência do que à punição de culpados, começaremos a ver com mais precisão a necessidade da militância dos Direitos Humanos nos países e, principalmente, nesse país continental chamado Brasil. Mesmo que concordemos que o ideal fosse fazer ambos (proteger inocentes e punir culpados), na vida real fazemos escolhas. Se ainda concordarmos que a melhor forma de culpar um culpado é garantir de todas as formas que ele seja realmente o culpado, então iremos querer sempre priorizar a proteção da inocência.

Qualquer projeto de sociedade ou ideia de justiça terá que lidar com a questão de que quando priorizamos punir culpados, corremos o risco de condenar alguns inocentes e, por outro lado, quando priorizamos proteger o inocente, corremos o risco de não punir alguns culpados. Mas em nenhum momento poderá ser questionado que a melhor forma de punir a culpa seja prová-la acima de toda dúvida, ou seja, protegendo radicalmente toda e qualquer possibilidade de inocência.

Dito isso, em segundo lugar, precisamos falar sobre o que as pessoas que militam pelos Direitos Humanos priorizam: a proteção do inocente. Essa proteção se dá por meio da luta constante para que seja respeitado os princípios básicos jurídicos de todo país considerado civilizado: 1) Presunção de Inocência (você deve ser considerado inocente até que se prove o contrário), 2) Ônus da Prova (quem deve provar é quem acusa e não quem é acusado) e 3) Ampla Defesa (direito inalienável de se defender de qualquer acusação).

Você acha esses princípios justos? Você gostaria que eles fossem aplicados para você caso sofra alguma acusação? Você pensa que nós, trabalhadores, que cuidamos de nossas famílias com honestidade e dedicação não podemos ser confundidos ou acusados injustamente seja pelo Estado ou por outras pessoas? Se caso fôssemos acusados você não exigiria que esses direitos lhe fossem garantidos?

Se sim, não podemos exigir que somente nós ou quem chamamos “homem de bem” (se é que haja algum critério universal para isso) tenha esse direito, senão ele se torna um privilégio injusto com as demais pessoas que você exclui (sabe-se lá por quê — embora saibamos sim). Se quisermos garantia para proteger nossa inocência, precisamos aceitar que todos, irrestritamente, também tenham essa garantia. Afinal, não temos como saber se você e a classe que você faz parte, um dia, deixe de ser vista como “homens de bem” por outra classe que passará a se auto-intitular como tal, não é?

Ou seja, direitos humanos são para todos, porque ninguém pode ser considerado bandido sem que tenha sido garantido a ele todos os direitos humanos que você acha que só existe para bandidos.

Mas se ainda assim você, convictamente, odeia e rechaça que se proteja a inocência sob quaisquer desejos punitivos, tenho uma sugestão para você: abdique de seus direitos como humano. Reivindique sua identidade de barata e seja feliz. Abaixo está uma sugestão de declaração de renúncia de seus direitos em prol da verdade que você, tão apaixonadamente, defende, afinal, você não irá querer para si, cidadão de bem, algo que é destinado apenas a bandido, não é?

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[imagem destacada: protesto em Lisboa/Bloco]

Autor

  • Participa do Círculo de Polinização do Raiz Movimento Cidadanista, é editor do Zine Filosofando na Penumbra e da revista Krinos. Escreve para as revistas Subjetiva, TrendR e Portal Literativo.

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